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Bruno Wendel
Publicado em 15 de maio de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Uma rachadura com extensão de 14 metros na barragem do Rio dos Macacos, que abastece a Base Naval de Aratu, tira o sono dos moradores da comunidade quilombola que vive naquela região. Segundo moradores do Quilombo do Rio dos Macacos, até o começo deste mês, havia apenas uma fissura na estrutura do açude, mas com as chuvas intensas dos últimos dias, o problema se agravou, elevando o risco de rompimento da represa e ameaçando as vidas das 110 famílias que vivem no quilombo.>
Conforme relatório de inspeção da Superintendência de Proteção e Defesa Civil (Sudec), ao qual o CORREIO teve acesso, o açude é classificado como categoria de risco alto e dano potencial associado alto, pois no caso de uma tragédia, não há qualquer possibilidade de retirada a tempo das famílias que vivem no entorno. >
A Sudec, órgão do governo do estado ligado à Casa Civil, aponta a necessidade de retirada das famílias que habitam a Zona de Autossalvamento (ZAS) – é a região à jusante da barragem, numa extensão de até 10 km, definida no Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM), que é construído com base em estudos técnicos de cenários hipotéticos para o caso de um rompimento. >
Numa situação de ruptura, duas comunidades sofreriam as consequências. Além do quilombo, também seria atingido o Bosque Imperial de Inema que possui cerca de 300 famílias que vivem abaixo do nível da barragem. “O povo não consegue dormir. A qualquer momento essa barragem pode desabar e as pessoas serão devastadas. Há relatos de mais velhos de que assa barragem já rompeu e por isso as pessoas não conseguem dormir. No domingo, estive lá, e coloquei o pé. A terra estava toda fofa, tudo rachado”, disse Orlando Santana Nascimento, 46 anos.O Quilombo Rio dos Macacos está situado acima da represa, onde vivem aproximadamente 110 famílias. O único acesso que possibilita a saída dos quilombolas da comunidade é uma estrada de barro em um dos trechos que fica à frente da barragem. >
“A todo momento tem gente nossa passando por lá porque é a única forma de ir ao médico e mercado, por exemplo”, contou Franciele dos Santos Silva, 20 anos, integrante da Associação dos Remanescentes de Quilombo Rio dos Macacos. >
Relatório A barragem Rio dos Macacos teve sua construção finalizada no ano de 1957 e está localizada próxima à Base Naval de Aratu, da Marinha do Brasil, no município de Simões Filho, situada na latitude -12.833021° e longitude -38.45464°. A barragem em questão possui estrutura de terra, sendo o abastecimento da Base Naval sua principal finalidade. No dia 7 deste mês, a Sudec constatou o surgimento de uma pequena rachadura no corpo da barragem, provavelmente devido à movimentação do talude (plano de terreno inclinado que limita um aterro e tem como função garantir a estabilidade do aterro). Três dias depois, técnicos do órgão realizaram uma nova vistoria, que resultou num relatório assinado pelo diretor-superintendente de Proteção e Defesa Civil Paulo Sérgio Menezes Luz.>
O documento aponta que devido às chuvas intensas e concentradas dos últimos dias na bacia do Rio dos Macacos “a barragem continuou vertendo e observou-se que a referida rachadura aumentou 14 metros nas últimas horas – elevando o risco de formação de uma cunha de deslizamento no local dessa rachadura”. >
Os técnicos dizem que o problema “está ocorrendo na mesma zona onde já houve um recalque com movimentação de grande quantidade de solo na década de 1970, o que, indubitavelmente nos obriga a ter muita cautela e tomar medidas preventivas”.>
No relatório consta que a Barragem dos Macacos ainda não dispõe de instrumentação geotécnica, não possui, ou não apresentou o Plano de Ação Emergencial (PAE), conforme determina a Lei 12.334/2010 e está classificada como categoria de risco alto e dano potencial associado alto. >
O documento aponta ainda que a “curta distância entre a barragem e a comunidade a jusante não permitiria qualquer possibilidade de retirada das famílias após um eventual rompimento da barragem, o que, mais uma vez, justifica a evacuação das famílias que habitam a Zona de Autossalvamento (ZAS), pelo menos até que ocorra uma redução no nível do reservatório”. >
O diretor-superintendente da Sudec, Paulo Sério Paz, disse que as equipes fizeram duas vistorias nos últimos dias e que as recomendações estão sendo seguidas pela Marinha. Ele destacou que a Codesal e o Inema também estão acompanhando o caso, e que a pressão da água diminui por conta da diminuição das chuvas. A Marinha ficou de contratar uma empresa para fazer os ajustes, mas a previsão é de que isso ocorra em até 60 dias. “Fizemos duas vistorias, uma no dia 7 de maio e a outra hoje (ontem). De lá pra cá muita coisa aconteceu para melhor. A Marinha contratou uma empresa que vai instalar os aparelhos, o piezômetro e os marcos superficiais que vão dar um raio-x da barragem com maior segurança para que os técnicos que monitoram ela possam ter informações mais precisas e com maior qualidade. Isso é importante porque vai mostrar a situação da barragem de forma clara”, disse.Experiência em situações de risco>
A fiscalização de barragens na Bahia é do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) e da Agência Nacional de Águas (Ana) – nos casos em que a estrutura está em rios da União -, mas, ainda assim, a Sudec enviou o relatório realizado na barragem no dia 11 de maio para uma consulta à Defesa Civil de Salvador (Codesal). Com base nisso, a Codesal esteve no local e recomendou à Marinha do Brasil, por meio de ofício, que sejam realizadas, em caráter de urgência por parte dos responsáveis pelo equipamento, inspeções, investigações, monitoramentos e controles da Barragem dos Macacos. “Tem risco de rompimento, mas não é de imediato. Mas vale ressaltar que não é da nossa competência fazer esse tipo de fiscalização, pois barragens são tratadas no âmbito estadual e federal. Mas, por conta da nossa experiência em evacuação em condições de risco, a Codesal foi comunicada e fizemos uma vistoria na barragem”, declarou o diretor-geral da Codesal, Sosthenes Macêdo. A Sudec encaminhou um relatório ao Ministério Público Federal (MPF). O MPF informou ao CORREIO que acompanha o caso, recebeu o laudo da Defesa Civil e já está cobrando dos órgãos responsáveis a adoção das medidas cabíveis.>
Marinha diz que monitora barragem diariamente>
A Marinha do Brasil (MB) afirma que realiza inspeções diárias na barragem Rio dos Macacos, ‘com vistas ao acompanhamento do nível de água e das condições do talude’. Neste período chuvoso, acrescenta a entidade, em nota, foram realizadas mais de 30 inspeções e, até o momento, “não foi identificada anomalia que possa causar risco iminente de ruptura”.>
A Base Naval de Aratu confirmou também que a barragem recebeu visita técnica da Codesal. “Por meio do relatório de visita, aquele órgão reforçou a importância da elaboração do plano de emergência, para o caso de ações de prevenção, que envolva a população localizada na Zona de Autossalvamento. Nesse relatório, a Codesal exprime a mesma opinião da equipe técnica da Base Naval, ou seja, que não há risco de rompimento abrupto da barragem na situação atual”, diz trecho nota enviada pela Marinha ao CORREIO. >
Segundo a Marinha, a estrutura está estável e que está sendo mantida a retirada da água da barragem para diminuir o nível. A entidade está providenciando ainda a instalação de piezômetros no talude da estrutura. “O talude permanece estável, sem movimentação, a fissura não apresentou avanço e o nível de água está escoando com lâmina menor que 5 cm acima da soleira do sangradouro”, diz a nota.>
Ainda de acordo com a nota, dentre as intervenções necessárias apontadas pela Codesal, a Base Naval de Aratu está instalando sensores de pressão no talude da barragem. Outra ação em curso é a instalação de equipamentos adicionais para diminuir o nível de água da barragem.“Em paralelo, a Marinha, com o concurso da equipe técnica da Base Naval de Aratu, avalia detalhes técnicos junto a outros órgãos e à Codesal, a fim de coordenar o plano de ação de emergência, tendo em vista que o assunto demanda ações de organismos fora da esfera de sua competência”. A Marinha disse ainda que está trabalhando com outros órgãos na construção de um Plano de Ação de Emergência (PAE), e que a sugestão de instalação de Estação Hidrológica feita pela Codesal será atendida posteriormente.>
*Colaborou Gil Santos>