Barragens rompidas destroem casas e matam três mil tilápias; outras 13 operam no limite

Número de barragens em risco pode ser ainda maior

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  • Thais Borges

Publicado em 28 de dezembro de 2021 às 05:58

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: Reprodução

Diariamente, das 6h da manhã às 6h da tarde, o fiscal Elias Azevedo, 54 anos, acompanha a barragem do Champrão, em Condeúba, no Sudoeste baiano. Neste último fim de semana, porém, com as enchentes que deixaram 72 municípios em situação de emergência, as medições diárias vieram com uma surpresa: uma alta que não era vista há anos, fazendo com que o açude transbordasse - ou ‘sangrasse’, no linguajar mais específico - e ele tivesse um prejuízo ainda difícil de calcular. 

No domingo (26), a água passava 10 cm do nível mais alto do sangradouro. Nesta segunda-feira (27), já eram 32 cm a mais. “Perdi mil quilos de tilápia. Eram três mil tilápias, tudo em ponto de abate. Algumas já estavam finalizando para a Semana Santa”, diz ele, mais conhecido como Pola da Barragem, de tão ligado ao açude na cidade. Elias cria tilápias no açude e, nos últimos oito meses, foram R$ 12 mil gastos só com a ração. 

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O caso do açude do Champrão, no Rio Condeúba, é emblemático: é uma das barragens do estado que operam quase no limite da capacidade operacional máxima (697,5m de cota atual contra 700m de cota máxima), segundo o último informativo semanal do Inema, divulgado nesta segunda. Neste fim de semana, ao menos 13 delas passaram a operar com a cota maior do que a capacidade operacional máxima, de acordo com o boletim. Ou seja: todas essas ‘sangraram’ - o que significa que tiveram que vazar o excesso de água, incluindo a de Iguape, em Ilhéus, e a do Cobre, em Salvador. “A última vez que a barragem sangrou foi no dia 4 de fevereiro de 2016, mas foi bem menos água. Esse açude tem 67 anos e nunca tinha chegado nesse nível”, diz Pola, que acredita que o nível deve continuar subindo. “Estou triste, cabisbaixo. Recebo um salário mínimo para ser fiscal no açude, mas crio as tilápias e perdi tudo”. 

Esse é um dos indicativos da situação dos reservatórios no estado, que tem uma lista que ainda inclui barragens em sério risco de rompimento e açudes que, de fato, já romperam, deixando um rastro de destruição. No entanto, a situação pode ser ainda pior: muitas barragens da Bahia não são fiscalizadas porque as autoridades sequer sabem que existem. Em muitos casos, donos de fazenda constroem açudes em suas propriedades e nunca informam ao poder público. 

Riscos As barragens podem ser para múltiplos usos ou para usos específicos, como a geração de energia elétrica. Quando a quantidade de chuvas aumenta além do limite - ou seja, quando passa da cota máxima, é preciso liberar essa quantidade, como explica o engenheiro de minas José Baptista, conselheiro do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-BA) e professor da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (Ufba). 

"Quando a barragem é de terra, muitas vezes ela tem o chamado vertedouro, que é programado para as projeções de uma grande chuva. Mas nem sempre dá certo. Às vezes, uma barragem pode estar precisando de manutenção, por exemplo. O que pode acontecer, nesses casos, é que ela vem a romper", explica. "Quando a barragem é de concreto, ela suporta um pouco mais. Mas se é de terra, às vezes o vertedouro não segura e sangra", acrescenta. 

De fato, quando uma delas está operando acima dessa projeção que é a cota máxima, há risco de romper. "Significa que ela está sofrendo uma pressão muito grande. Por isso, se aliviar a pressão abrindo comportas, por exemplo, você tem uma margem de segurança. Por isso as comportas existem", reforça. 

Uma dessas barragens improvisadas em propriedades particulares rompeu em Bonfim de Feira, distrito de Feira de Santana, no sábado. Três casas foram atingidas pela água que vinha do açude feito com terra. Os moradores tiveram que resgatar animais que ficaram em áreas alagadas. Segundo o gerente de loja de móveis Gil Santos, 32, foi a primeira vez que algo assim aconteceu na cidade onde mora. "Fizeram a barragem, mas não foi uma barragem concretizada, era uma barragem só de terra. Ao longo do tempo, ela foi enchendo, enchendo e tem uns seis anos que chegou no momento de não suportar a pressão da água quando ela tentou tomar o caminho de volta", contou.  Barragem improvisada rompeu em Bonfim de Feira (Foto: Reprodução) Rompimentos Além disso, existem as barragens que são monitoradas pelos próprios municípios. Em Vitória da Conquista, ao menos duas se romperam - a dos Quatis, numa propriedade particular, e a do Iguá. No entanto, a situação ainda é de risco. A prefeitura confirmou que há pequenos açudes na zona rural que podem se romper, sem especificar o total de barragens. Uma das preocupações é com a localidade de São João da Vitória, a 42 quilômetros do centro da cidade. 

Ainda assim, o caso mais preocupante é o da barragem da Baixa do Arroz, no povoado de Cachoeira das Araras, que fica no distrito de Bate-Pé, a 58 quilômetros da sede. De acordo com a administração municipal, o açude tem muita instabilidade e risco de inundações. A prefeitura informou que o Comitê Gestor de Crise vem acompanhando as ações para garantir a segurança dos moradores. 

Em Itambé, o nível da água havia voltado a subir nesta segunda, deixando os moradores apreensivos. O Rio Verruga havia sido atingido pelo rompimento da barragem do Iguá, em Conquista, ainda no sábado. Só na Rua Landulfo Alves, no Centro, dez casas ficaram totalmente destruídas.  Em Itambé, o rompimento da barragem em Conquista afetou o Rio Verruga, que deixou um rastro de destruição (Foto: Reprodução) “Quando a gente acordou, já foi pisando em água, às 4h da manhã. Na parte da cozinha, a água ficou praticamente no peito, mas a minha casa nem foi tão atingida quanto essas que ficam mais embaixo. Tem muitas pessoas desabrigadas”, disse o técnico de rede Júnior Brito, 23, morador do bairro. “Hoje, já recebemos o alerta da prefeitura de que deve ser preciso deixar as casas”, completou. 

Antecipação Justamente por conta do aumento da cota das barragens, empresas que administram os açudes começaram a se antecipar. No domingo, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) anunciou que abriria seis das sete comportas do reservatório da Usina da Pedra, em Jequié, para dar vazão à água. 

Em Jequié, em 72 horas, havia chovido mais de 250mm.“Isso tudo veio com um problema seríssimo que foi a quebra da barragem de Jussiape em vários pontos de lá, o que tem elevado o nível da barragem de Pedra”, disse o prefeito da cidade, Zé Cocá, em uma entrevista coletiva nesta segunda.Pelo boletim do Inema, a barragem da Pedra tinha 224,33m de cota atual nesta segunda, diante de uma cota máxima operacional de 228m. 

Em nota, a empresa afirmou que a situação hidrológica das barragens está sendo monitorada e avaliada de forma permanente. A Chesf informou, ainda, que não houve alteração operacional além do que foi divulgado e que qualquer atividade será comunicada previamente. 

A barragem de Duas Ilhas, em Jussiape, que não está entre as monitoradas pelo estado, rompeu no domingo. Nenhum representante da prefeitura foi localizado para falar sobre o caso. Em um pronunciamento no Facebook, o prefeito Éder Aguiar se pronunciou ao lado de representantes da Embasa. Segundo eles, o fornecimento de água, que havia sido interrompido, será restabelecido na cidade. 

A mesma coisa foi feita com a barragem de Pedra do Cavalo, entre as cidades de Cachoeira e Governador Mangabeira, no Recôncavo. No domingo, a Votorantim Energia informou que ampliou a quantidade de água liberada pelas comportas. 

Canal Mas não são apenas as barragens que estão oferecendo risco. Em Itabuna, no bairro Sarinha, um dos mais devastados pela enchente, o problema foi um canal que é abastecido pelo Rio Cachoeira, que transbordou no domingo. “A gente não conseguiu salvar nada, só algumas peças de roupa. O restante, infelizmente, não deu porque a água ficou acima da cintura”, contou.

Por sorte, não havia ninguém na casa onde ela mora com o filho de 10 anos e a avó de 74. Todos estavam na casa da mãe de Mylena, em outro bairro, para passar o Natal. “No sábado, a gente veio aqui e pegou algumas coisas, mas não imaginou que fosse transbordar. Vi minha rua de longe e a casa ficou submersa. Perdi todos os eletrodomésticos”.