Berilo e Lindaura, amor meu grande amor, meu divinal amor

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Publicado em 17 de fevereiro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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[Até mesmo esta urbe sertanejana tórrida onde a rudeza das gentes pode ser cortada a faca amolada como se fosse requeijão de casca grossa e suculenta esconde cena assim].

A cena assim acontece aos sábados ao cair da tarde em rua de casas tão singelas que parecem de presépio. Apenas parecem. As casas das cercanias têm janelas e portas frontais e laterais protegidas por grades de ferro feito prisões.

A cena assim acontece aos sábados ao cair da tarde em banheiro anexo ao quarto simples, mas confortável, no qual Lindaura – 95 anos – se aninha.

[Ex-professora de português, Lindaura não sai mais da cama, abatida por diabetes rigorosa e inexorável. Durante certo período se arrastava do quarto para a mesa da cozinha, e vice-versa, utilizando-se de muletas e, depois, de cadeira de rodas. Começo de 2018, ao sair da cadeira de rodas para se deitar, caiu de joelhos. Desde então se imobilizou. Utiliza fraldas geriátricas e o banho diário com toalhas vermelhas ou azuis, umedecidas em seiva de alfazema, lhe é dado por cuidadora zelosa.

Branca de olhos azuis, corpo quase travado, mas mente inquieta e lúcida, ora se não!? Assiste aos telejornais madrugadores. Lê jornais sem óculos. Tem opinião formada sobre tudo e ideias avant-la-letre, apesar de continuar devotadíssima aos santos que aprendeu a cultuar. Mas, convicta, diz: - Deus está em cada um de nós, ou não está em lugar nenhum.

Leitora da Bíblia Sagrada desde a infância – ‘Está tudo lá, toda a torpeza humana. Todos os nós que nunca conseguiremos desatar, e querer desatá-los é correr atrás do vento’. Despreza a igreja católica – ‘bando de abutres’. Nutre vigorosa tolerância pelas diferenças – sejam de que natureza for – exemplar: - Quem sou eu pra julgar?]

Voltemos então à cena assim que acontece todos os sábados ao cair da tarde. Berilo, caçula de Lindaura (viúva de 2 maridos, mãe de 5 filhos, avó de 10 netos e bisavó de 15 bisnetos) é saxofonista bambambã. Tem 59 anos, dois e filhos, e quatro netos – é ele quem toca a campainha. A cuidadora zelosa o deixa entrar. No quarto, Lindaura – coração aos pulos, já desnudada, chora de emoção.

Berilo entra no quarto, carrega-a nos braços, e a coloca em colchão de plástico branco pousado no chão branco do banheiro. Berilo a borrifa com suaves jatos d´água,  que, aos poucos, se tornam mais caudalosos. Com sabonete, da marca especial exigida por Lindaura, massageia e limpa cada poro, cada dobra de pele flácida, cada concavidade do corpo da mãe.

Em seguida Berilo enxuga Lindaura, a perfuma com Leite de Rosas, devolve-a à cama, e a veste com a camisola de seda que a mãe escolhera com esmero e capricho com a ajuda da cuidadora zelosa.

Berilo a beija no rosto – pede-lhe a bênção – e parte. Flana de volta para casa com a alma em festa.

Lindaura mergulha no colchão macio e dorme. [A cuidadora zelosa volta à cena, observa se está tudo bem – apaga as luzes, e volta para o quarto onde lê velhas fotonovelas que Lindaura nunca deixou que jogassem fora].