Brasil pode perder 0,3 ponto percentual do PIB com epidemia

Bolsa de valores acumula queda de quase 10% nos dois últimos dias

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 28 de fevereiro de 2020 às 05:04

- Atualizado há um ano

. Crédito: Johannes EISELE/AFP

O baque provocado pela epidemia mundial do coronavírus na economia brasileira pode ir além dos sustos nos dois últimos pregões da Bolsa de Valores. A doença pode impactar em até 0,3 ponto percentual o resultado do Produto Interno Bruto do país, de acordo com a consultoria Tendências. Sem citar um número, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, reconheceu que o Brasil deve ser afetado. 

O Fundo Monetário Internacional (FMI) acredita que a economia mundial pode sofrer uma retração de 0,1%. A China, segunda economia do planeta e responsável por 16% do comércio, deve sofrer uma retração de 0,4%. Kristalina Georgieva, diretora-gerente do FMI, disse que a organização analisa a possibilidade de “cenários ainda mais difíceis”.

Mansueto acredita que ainda é preciso aguardar para se ter uma ideia mais consistente em relação ao tamanho do impacto, mas a situação já mexe com a economia brasileira. Ontem, o dólar atingiu a cotação recorde. Após ultrapassar os R$ 4,50, a moeda norte-americana fechou em R$ 4,477 pela primeira vez na história. A bolsa fechou em queda de 2,6%   – a quarta seguida –  a 102.983 pontos, menor patamar desde 10 de outubro de 2019. Anteontem, a queda foi de 7%. 

Nos últimos quatro dias, as bolsas norte-americanas acumularam uma perda superior aos 10%. O mercado financeiro no país caminha para o seu pior desempenho semanal desde a crise de 2008. 

Segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo, mais de 200 mil voos já foram cancelados desde a disseminação do vírus. As interrupções provavelmente causarão a primeira queda na demanda global de viagens aéreas desde 2009 e pode resultar em perda de US$ 29 bilhões para a indústria.

“O que está todo mundo em dúvida é qual vai ser o impacto do coronavírus no crescimento mundial. Se a gente tiver uma queda muito forte na projeção de crescimento mundial, ele passa a ser um fenômeno mundial e afeta todo o mundo, e o Brasil também”, disse Mansueto. Segundo ele, o risco é tanto uma queda nos preços das commodities, quando o crescimento menor do mundo: "a gente tem que observar e estar preparado". 

O Ministério da Economia está monitorando o avanço do contágio e seus possíveis impactos na economia. Nas próximas semanas, o time de Paulo Guedes (Economia) deve divulgar um relatório com a nova projeção para o PIB de 2020 (hoje em 2,4%).

Mansueto avalia que pode haver uma desorganização de cadeias produtivas dependentes de determinados insumos, com impacto na exportação de diferentes países. Mas ressalta que o efeito exato ainda é incerto.

Aqui na Bahia, uma grande empresa comprou equipamentos na casa das dezena de milhões de dólares da China, mas não tem previsão de recebê-los. O executivo da empresa mostra as fotos das máquinas prontas para atravessar meio mundo, da Ásia para cá, mas diz que não há outra coisa a fazer, a não ser esperar: “a empresa lá está em férias coletivas”, explica.

Outro caso, mais conhecido, é a assinatura do contrato para a construção da ponte Salvador-Itaparica. Reservadamente, integrantes do governo baiano dizem que os chineses devem utilizar boa parte do prazo de 90 dias para a assinatura do contrato em função da epidemia. 

Investidores O noticiário sobre o contágio vem preocupando investidores. A queda da bolsa na quarta-feira foi a  maior desde 18 de maio de 2017, quando foram divulgadas as conversas do então presidente Michel Temer com o dono da JBS. 

“Os investidores e os mercados acordaram para o risco que essa epidemia representa para a economia”, avalia o analista de mercado da BP Money, Leonardo Souza. Segundo ele, a situação econômica não tem relação com os efeitos do coronavírus em si, mas nas ações para a contenção da disseminação. 

Leonardo Souza acredita que existe a possibilidade de um grande impacto econômico. “Quando as cidades são fechadas, isso provoca menor produção, piores resultados para as empresas e menor desenvolvimento econômico”, avalia.

Risco-país registra alta com avanço de epidemia global O Credit Default Swap (CDS) de cinco anos do Brasil, um dos principais termômetro para medir o chamado risco-país, subiu para 133,1 pontos ontem, ante 111 pontos do fechamento de ontem e 93 na segunda-feira, de acordo com cotações da IHS Markit. 

A taxa alcançou nesta quinta-feira o nível mais alto desde 12 de outubro do ano passado, acompanhando a piora dos ativos no mercado financeiro internacional por conta dos temores com o coronavírus.

O CDS de cinco anos do Brasil foi nas mínimas em dez anos no último dia 19, batendo em 91,8 pontos. Desde então, o indicador já subiu 40 pontos.

“O sentimento de fuga do risco aumentou na medida em que mais casos de coronavírus são reportados no resto do mundo do que na China”, afirmam os estrategistas do banco de investimento americano Brown Brothers Harriman (BBH). Com as turbulências, investidores buscam a segurança. 

Para eles, os ativos de risco, sobretudo dos emergentes, e aqueles mais dependentes do crescimento mundial devem seguir “sob pressão” até que se saiba mais detalhes do alcance do coronavírus e dos impactos na atividade.