Brasil ultrapassa 1 milhão de casos confirmados de covid-19

São 48.427 mortes pelo novo coronavírus em todos país

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  • Da Redação

Publicado em 19 de junho de 2020 às 14:19

- Atualizado há um ano

. Crédito: AFP

O Brasil ultrapassou 1 milhão de casos de coronavírus na tarde desta sexta-feira (19), segundo um boletim divulgado pelo consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias de Saúde dos estados. Os números atualizados às 14h mostram 48.427 mortes pela covid-19 e 1.009.699 casos confirmados da doença.

O balanço anterior foi divulgado ontem às 20h. Desde então, AC, CE, DF, GO, MT, MS, MG, PE, RN, RR, SP e TO divulgaram novos dados que foram acrescentados no boletim atual. O consórcio é parceria entre G1, O Globo, Extra, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e UOL.

O número, porém, é sabidamente inferior ao real de pessoas que já foram contaminadas no País. Estudo epidemiológico conduzido pela Universidade Federal de Pelotas, que investiga a prevalência do novo coronavírus em cidades brasileiras com testes sorológicos, num modelo parecido com o de uma pesquisa eleitoral, observou a ocorrência de 6 pessoas infectadas para cada uma oficialmente identificada.

O dado é válido para as 133 cidades onde foi feita a pesquisa, pondera o epidemiologista Pedro Hallal, coordenador do estudo e reitor da UFPel, e não deve ser extrapolado para uma estimativa para todo o País. “Mas certamente já estamos na casa dos milhões. Podem ser cinco, seis, nove milhões”, afirma.

A epidemia vem há algumas semanas se interiorizando e já se propaga mais rápido nessas regiões que nas capitais, como revelou o Estadão no início de junho. Outro levantamento, feito a pedido da reportagem pelo grupo MonitoraCovid-19, da Fiocruz, mostra que em Estados como São Paulo, Pernambuco e Amazonas, cujas capitais explodiram de casos logo no começo da pandemia, o interior agora já registra mais novos casos por dia dia que as cidades de São Paulo, Recife e Manaus.

Até quarta-feira, de acordo com o monitoramento, 70,51% dos municípios com até 10 mil habitantes já tinham casos de covid-19. Entre aqueles com 10 a 20 mil habitantes, já eram 91%, e praticamente todas as cidades maiores que isso já tinham registro da doença.

“Nós já passamos de um milhão de casos no País, mas em algumas cidades a epidemia está chegando só agora – como no Centro-Oeste”, afirma Diego Xavier, epidemiologista do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde da Fiocruz. “Ainda é só o começo e não sabemos onde vai parar. O novo coronavírus demorou para chegar ao interior e eles relaxaram. Agora está muito acelerada”, diz.

O pesquisador alerta para o risco de isso acontecer ao mesmo tempo em que está há um relaxamento das medidas de isolamento, o que deve gerar uma segunda onda de casos nas capitais.

“A saúde funciona em rede, não de forma isolada. Não é porque um município está com poucos casos que pode reabrir. Os pacientes das cidades menores vão procurar atendimento nas maiores. Se a doença subir de novo nas capitais, com a chegada da doença ao interior, os pacientes de lá vão precisar dos hospitais das cidades grandes, e o risco de as redes colapsarem é real”, afirma Xavier.

“O País está em vários momentos da epidemia, dependendo do Estado onde se olha e, mesmo dentro do Estado, cada cidade pode estar de um jeito. Os Estados Unidos cometeram o erro de falar que a curva do país estava caindo porque os casos de Nova York estavam em queda, mas os outros Estados estavam subindo”, complementa Marcia Castro, professora de demografia da chefe do departamento de Saúde Global e População da Universidade Harvard.

Xavier cita a situação do Estado de São Paulo, que iniciou o processo de reabertura no início de junho, mas tem batido recordes de casos e óbitos nos últimos dias. O interior, que respondia por 10,75% dos casos há dois meses, agora já responde por 27% do total.

Cidades como as da região de Barretos, no norte do Estado, tiveram um forte aumento de casos, e o governo decidiu rebaixá-las para a fase um do plano, a mais restritiva. Mas os prefeitos recorreram à Justiça para manter o comércio aberto, e mesmo com o indeferimento do pedido, as pessoas estão indo para as ruas.

“No estágio em que o Brasil está, era para estarmos com as portas fechadas. Mas estamos em reabertura gradual, desafiando o vírus, promovendo o encontro de pessoas infectadas e pessoas suscetíveis”, destaca Hallal.

“O perigo de reabrir quando ainda há uma taxa de ocupação alta nos hospitais é ter esse efeito: pode haver uma nova onda na capital ao mesmo tempo em que a demanda se torna mais alta com os pacientes de outros municípios que dependem da capital para ter acesso a um leito ou a uma UTI. Não vai dar conta. Precisava ter uma gordurinha para absorver esse aumento que vai ocorrer. Municípios que são referência não podem pensar só neles”, afirma Marcia.

Para a epidemiologista Maria Amélia Veras, do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, o Brasil chegar a 1 milhão de casos era algo esperado considerando as “características do nosso modo de viver e de lidar com a doença”.

Por modo de viver ela se refere às milhares de habitações que abrigam muitas pessoas, sem condições de manter um isolamento ou até mesmo hábitos de higiene. “São populações que vivem a partir da necessidade de conquistar o pão a cada dia, não têm segurança alimentar, de moradia. É um contingente muito grande submetido a condições que são muito desfavoráveis para o controle de doença de transmissão respiratória, que exige que um coletivo se comporte de uma determinada maneira – não somente as pessoas de modo individual”, afirma.

Mas isso é só uma parte da história. “O Brasil respondeu mal enquanto país ao não ter um entendimento da gravidade do problema, ao não dar uma resposta coordenada adequada”, complementa Maria Amélia. As mensagens contraditórias passadas em um primeiro momento pelo Ministério da Saúde e o presidente Jair Bolsonaro e depois a guerra do líder máximo do País com governadores e prefeitos só piorou a capacidade do Brasil de responder à crise.

Avanço da epidemia Olhando em retrospectiva, é fácil ver exatamente o momento em que o Brasil perdeu o controle da doença. A curva de casos no País evoluiu no início da pandemia de modo lento, praticamente na horizontal. Quase todo o País tinha parado, com Estados e municípios decretando quarentena. Foi assim até o fim de abril. Nas semanas seguinte, a curva se inverteu, assumiu um comportamento mais vertical, o que indica a velocidade na transmissão da doença.

A mudança de ritmo ocorreu pouco tempo depois de Luiz Henrique Mandetta, que era um forte defensor de medidas de isolamento social, deixar o cargo de ministro da Saúde, em 16 de abril. Quando ele foi exonerado, após conflitos com o presidente Jair Bolsonaro – que sempre foi contra as medidas de isolamento com a justificativa de que era preciso preservar a economia –, havia cerca de 30 mil casos confirmados no País.

Seu sucessor, Nelson Teich, ficou no cargo por menos de um mês. Em 15 de maio, data de sua saída, já eram 220 mil os contaminados. Sem um titular na Saúde – ocupada desde então de modo interino pelo general Eduardo Pazuello –, sem medidas de controle claras e com o início da reabertura de várias cidades mesmo com os casos ainda em alta, foi necessário pouco mais de um mês para os casos saltarem para 1 milhão.

Além do Brasil, somente os Estados Unidos ultrapassaram essa marca. Lá a evolução foi mais rápida. O primeiro caso foi registrado no dia 21 de janeiro. Eles superaram 1 milhão de casos em 28 de abril e 2 milhões em 10 de junho. Os EUA chegaram a 2,185 milhões nesta sexta, com mais de 118 mil mortos.

Desafio da vigilância epidemiológica Para os especialistas ouvidos pelo Estadão, não só abrimos no momento errado, quando a curva ainda está na ascendente, como não tomamos as medidas necessárias para evitar novos surtos.

“Praticamos um distanciamento brando que diminuiu a velocidade da pandemia, mas não foi suficiente para derrubar o número de casos. E agora reabrimos, o que vai elevar o número de casos e óbitos. Não fizemos a primeira onda passar e já vamos entrar na segunda”, comenta o biólogo Paulo Inácio Prado, do Instituto de Biociências da USP e membro do Observatório Covid-19 BR.

“O debate público foi tomado por uma polarização que fez o distanciamento parecer um fim em si. Ele é só um meio para passarmos com segurança à fase em que a vigilância desse conta. A analogia seria primeiro combater um grande incêndio para depois passar à fase de controlar pequenos focos”, afirma.

A fase de abertura, dizem os pesquisadores, depende fortemente de um sistema de vigilância com busca ativa de casos suspeitos, isolamento dessas pessoas, testagem e rastreamento de seus contatos. Marcia Castro e Maria Amélia Veras, que também compõem o observatório, defendem que o Brasil tem os instrumentos para fazer isso com toda a rede de atenção básica do País formada pelos agentes comunitários da saúde da família, mas não lançou mão desse recurso.

“A maneira como o governo brasileiro incorporou a rede de serviços que já existia foi muito precária. Os agentes comunitários de saúde podiam estar atuando como o que está sendo chamado aqui em Boston (onde fica a Escola de Saúde de Harvard, nos EUA) de ‘detetives covid’. Essas pessoas foram contratadas para rastrear os contatos de infectados com o coronavírus”, afirma Marcia.

“Mas no Brasil já temos esses agentes. Eles moram nas comunidades, conhecem as pessoas, têm a confiança delas. Só precisariam ter treinamento sobre como lidar com a covid-19, para fazer coleta de sangue, receber equipamento de proteção”, continua.

“Se isso tivesse sido feito, eles poderiam fazer busca ativa de idosos, indicar onde nos municípios há casas com sem acesso à água, o que impede a higiene, onde tem casas com muitos moradores e que não podem fazer isolamento. E, acima de tudo, poderiam estar rastreando os contatos, coisa que não estamos fazendo. No momento em que as cidades estão reabrindo, isso seria importante para ajudar na vigilância de novos casos. Eles teriam condições de detectar o momento em que as pessoas começam a ter os primeiros sintomas”, ensina Marcia.