Brasília pega fogo em dia de serão na CPI

Servidor e irmão deputado apontam indícios de corrupção em compra de vacinas

  • D
  • Da Redação

Publicado em 25 de junho de 2021 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Pedro França/Agência Senado

Propina, pressão por importação, alerta ao presidente e até chantagem ao ex-ministro da Saúde foram apenas parte do cardápio de um raro serão no Senado Federal em plena sexta-feira (dia 25). Já passava das 19h quando o vice-presidente da CPI da Covid, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), avisou que a festa – quer dizer, a sessão... – não tinha hora para acabar. As atrações da noite eram o deputado Luis Miranda (DEM-DF) e o irmão dele, o servidor do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda. 

Ainda na pré-save do evento, na quinta-feira (24), o irmão mais conhecido fez vídeo no Instagram, chamando o público para o depoimento dele e do irmão:  “tem potencial para derrubar a República”, avisou. Se a propaganda era enganosa, só o tempo dirá, mas, sem dúvidas, a dupla conseguiu promover o dia mais quente de investigações na comissão parlamentar criada para investigar as ações do governo federal durante a pandemia. Covaxin foi o hit da tarde/noite. O polêmico processo de compra da vacina indiana esquentou a noite de inverno no Planalto Central. 

Logo na chegada, o deputado Luiz Miranda chamou a atenção de todos, ao aparecer com um colete à prova de balas por cima do paletó e cercado por seguranças. Mas o astro do evento era mesmo o irmão dele. Às 14h40, Luiz Ricardo desembarcava no Aeroporto Internacional de Brasília, de onde partiu diretamente para o Senado. Por lá, os irmãos prestaram depoimento na condição de convidados, enquanto os senadores cumpriram à risca os seus papéis. A oposição apontou claros indícios de corrupção no processo de compra da Covaxin, enquanto a base de apoio ao presidente Jair Bolsonaro minimizaram as denúncias. 

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), perguntou ao servidor sobre uma suposta cobrança de propinas no Ministério da Saúde para a liberação das vacinas. Luis Ricardo respondeu: “O ministério estava sem vacina. E um colega, Rodrigo, servidor, disse que um rapaz vendia vacina. E esse rapaz disse que alguns gestores estavam recebendo propina. Ele não disse nomes”.

Luis Ricardo também mostrou à CPI da Covid mensagens que recebeu de seus superiores, que estariam pressionando pela liberação da Covaxin. As cobranças, conforme ele mostrou, foram feitas à noite e aos domingos. De acordo com os irmãos Miranda, houve uma pressão atípica para a importação do imunizante.“Durante toda a execução desse contrato, diversas mensagens recebi, ligações, chamadas no gabinete sobre o status do processo desse contrato”, contou Luis Ricardo. O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), perguntou se ele reportou a pressão que sofria por causa da Covaxin a seus superiores no Ministério das Saúde. O servidor disse que não, porque a pressão partiu justamente de dois superiores dele na pasta.

Desmentido Luis Ricardo disse ainda que o ministro Onyx Lorenzoni, da Secretaria-Geral da Presidência, mentiu ao acusá-lo de falsificar um documento sobre a importação da vacina indiana Covaxin. Onyx acusou Luis Ricardo e seu irmão de terem falsificado o documento chamado de “invoice”. O recibo, entretanto, está disponível no sistema do Ministério da Saúde e pode ser obtido por integrantes do governo a qualquer momento.

Um dos principais pontos da oitiva é justamente a autenticidade de um recibo da pasta, que, segundo Luis Ricardo, evidencia ilegalidades. Onyx e o ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde Elcio Franco levantaram suspeitas com relação a uma cópia de uma fatura de importação apresentada por Luis Ricardo e seu irmão.“Onyx mentiu ao fazer aquelas acusações? É isso mesmo?”, perguntou o relator da CPI. “Sim”, disse Luis Ricardo.O deputado Luis Miranda disse que, apesar da justificativa de que as notas fiscais envolvendo a Covaxin foram ajustadas, o teor dos documentos só foi modificado após o seu irmão se recusar a assiná-lo e depois da visita dos irmãos ao presidente Jair Bolsonaro para relatar possíveis irregularidades.“O governo fala com muita tranquilidade, em especial o senhor Onyx (Lorenzoni), de que o tal documento foi logo depois corrigido, esse ‘logo depois’ foi depois da visita ao presidente da República e porque o meu irmão não assinou o documento que eles queriam”, alegou Miranda. O deputado também confirmou que informou Bolsonaro sobre as suspeitas de irregularidade. Na conversa, o presidente teria citado o nome de um parlamentar, segundo disse Miranda. No entanto, ele diz não se lembrar quem era esse parlamentar. Por diversas vezes, o presidente da CPI cobrou dele o nome, sugerindo que o deputado estaria, na verdade, omitindo a identidade do outro parlamentar. 

Já o servidor disse que, na conversa com Bolsonaro, citou os nomes dos servidores que o pressionavam: Alex Lial Marinho, o coronel Marcelo Bento Pires e Roberto Ferreira. Segundo ele, o presidente disse apenas que iria mandar a Polícia Federal investigar o caso. 

Chantagem O deputado Luis Miranda disse ainda que  avisou o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello sobre os indícios de irregularidades, após já ter alertado sobre isso a Bolsonaro. Na ocasião, o general teria afirmado, segundo o parlamentar, que acreditava que seria exonerado  por não ceder à pressão de parlamentares para liberar “pixulé" para um grupo de deputados.

“Uma coisa que ele disse foi ‘no final do ano mesmo, eu não quis dar o pixulé para o pessoal e olhando no meu olho ele (parlamentar) disse que iria me tirar dessa cadeira”, lembrou Miranda sobre a conversa que teve com o ex-ministro. Segundo o deputado, o ex-ministro teria lhe dito que não permaneceria no carga nem por mais sete dias, diante da pressão. “Eu tenho conhecimento de algumas coisas, tento coibir, mas exatamente por eu não compactuar com determinadas situações eu vou ser exonerado”, teria dito o general.

O nome do deputado O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) afirmou nesta sexta-feira à CPI da Covid que o presidente Jair Bolsonaro citou nominalmente o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), ao ouvir denúncias de irregularidades na compra da vacina Covaxin. A conversa entre Bolsonaro e Miranda aconteceu em 20 de março no Palácio da Alvorada, de acordo com o parlamentar. Ao narrar o encontro à CPI, inicialmente, o deputado omitiu o nome de Ricardo Barros.

“O presidente entendeu a gravidade. Olhando nos meus olhos, ele falou: ‘Isso é grave’. Não me recordo do nome do parlamentar, mas ele até citou um nome para mim, dizendo: 'Isso é coisa de fulano'. E falou: ‘Vou acionar o Diretor-Geral da Polícia Federal, porque, de fato, Luis, isso é muito grave", declarou o deputado nesta sexta.“Ele diz: ‘isso é coisa do fulano. [Palavrão], mais uma vez’. E dá um tapa na mesa”, relatou Luis Miranda em outro momento.Durante horas, senadores pressionaram o parlamentar a dizer o nome citado por Bolsonaro – Luis Miranda repetia que “não se lembrava”. Pouco antes das 22h, questionado pela senadora Simone Tebet (MDB-MS), o deputado confirmou o nome de Ricardo Barros.“Eu sei o que vai acontecer comigo. A senhora [Simone Tebet] também sabe que é o Ricardo Barros que o presidente falou”, afirmou Luis Miranda. Simone Tebet insistiu: “O senhor confirma?”“Foi o Ricardo Barros, que o presidente falou. Foi o Ricardo Barros”, repetiu o deputado federal.

Ah, quando mais nada parecia ter o poder de surpreender quem estava diante da TV por mais de oito horas, um senador pede a palavra para avisar que o advogado Federico Assef andava pelo Senado. Sem máscara! Na a ver com a CPI, mas teve até isso...