Cachoeira: polo político e estratégico da guerra pela independência da Bahia

CORREIO revisita lugares da independência da Bahia e os apresenta em série especial, entre esta sexta-feira (30) e segunda-feira (3)

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 30 de junho de 2017 às 06:30

- Atualizado há um ano

Para vencer a batalha do dia a dia, o vendedor de picolés Alder Peixoto Silva, 42 anos, lembra da guerra. Talvez o único a percorrer todos os dias os caminhos da independência da Bahia em Cachoeira, no Recôncavo, ele aponta um a um os locais que foram importantes na vitória dos baianos. Polo político e estratégico do 2 de Julho, Cachoeira mantém de pé prédios e sobrados onde a guerra foi pensada, mas também lugares nos quais foi derramado muito sangue.

“Saber que pessoas do povo, inclusive da minha raça, da minha cor, deram a vida para se livrar do julgo português, dá um orgulho danado. Diante do sangue derramado, é até fácil para a gente enfrentar a vida”, diz Alder, emocionado, na Praça da Aclamação, ao lado do marco onde teria tombado Tambor Soledade, único morto daquele primeiro confronto entre brasileiros e lusitanos. “É aqui que nasce tudo”, resume.Com Alder e outros personagens da vida comum cachoeirana, além de dois historiadores, o CORREIO revisitou os lugares por onde passaram os heróis da época. Foram refeitos os sete passos da independência em Cachoeira: a Casa de Câmara e Cadeia, a Casa Número 23, a Santa Casa de Misericórdia, a Igreja Matriz, o Rio Paraguaçu, a Casa Número 3 (na vizinha São Félix) e a própria Praça da Aclamação.

[[galeria]]GuerraDebruçada na sacada da Câmara de Vereadores de Cachoeira, antiga Casa de Câmara e Cadeia, é como se a recepcionista Janete Magno fizesse parte daquela história. Foi ali que, em uma sessão extraordinária no dia 25 de junho de 1822, Dom Pedro I foi aclamado Defensor Perpétuo do Brasil, o que significou uma declaração de guerra contra Portugal.Não à toa, 25 de junho é a data magna da cidade. “Eu faço uma viagem no tempo quase todos os dias. Trabalhar aqui é lembrar da importância de ser livre”, diz Janete. A mais ou menos um quilômetro dali, a Casa de Número 23, um sobrado aparentemente qualquer em Cachoeira, foi o primeiro lugar onde a guerra foi pensada. Segundo registros históricos, ali foram feitas as primeiras reuniões antilusitanas.“No início de 1822, reuniões secretas articularam a guerra. Onde hoje mora uma família comum foi o início da movimentação toda”, afirma a historiadora Tamires Costa, mestranda na Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) que pesquisa os lugares de memória que fazem parte do cotidiano de Cachoeira. As ideias discutidas pela elite açucareira e proprietários de terra foram ganhando adeptos e conquistaram o povo. A essa altura, escravos, escravos libertos, pequenos comerciantes, representantes da igreja e até indígenas estavam revoltados com as condições econômicas impostas ao Brasil por Portugal. Com Salvador tomada pelas forças do general português Madeira de Melo, Cachoeira se torna o centro da formação do Exército. O número de combatentes aumenta com o êxodo de pessoas da capital rumo a Cachoeira.Aclamação Todos juntos participam do Te Deum (em latim: A Vós, ó Deus), na Igreja Matriz, outro local de memória que se mantém de pé. Missa em ação de graças, o Te Deum também aclama Dom Pedro. “Fala-se que se reuniram no local mais de mil pessoas”, diz a historiadora.

Nada disso teria ocorrido, porém, se não fosse o Rio Paraguaçu. É de lá, na manhã do dia 25 de junho, que a canhoneira lusitana começa a atingir Cachoeira. Portugueses locais, do alto dos seus sobrados, começam a atirar na população. Aí entra a importância da Casa Número 3, na Praça do Relógio, em São Félix. Na época, apenas uma vila se tornaria protagonista por formar o Batalhão dos Periquitos, onde serviu Maria Quitéria, mas também por ter sido ali, precisamente na Casa Número 3, que foi construída a cartucheira.O armamento respondeu ao ataque lusitano. “Na Casa 3, morou o avô do poeta Castro Alves, conhecido como O Periquitão, que serviu no Batalhão dos Periquitos. Assim como todo armamento do Exército brasileiro na época, a cartucheira foi feita de forma improvisada”, explicou o historiador Fábio Abelha, de São Félix. Fala-se que a vazão da maré tornou o rio pouco navegável e dificultou as coisas para a canhoneira. “Não há registros disso, mas a memória do povo local vai nessa direção”, diz Fábio. Atual barqueiro no Paraguaçu, Adimar Silva Costa, 55 anos, acredita na tese. “Tem muita armadilha aí, muito banco de areia, tem que fazer cálculo de maré para navegar. A maré toda baixa deixou a canhoneira envergada”, teoriza Adimar, mais um que mostra que, em Cachoeira, todo mundo é um pouco historiador.

SangueOnde se tem certeza de que houve derramamento de sangue é na Praça da Aclamação, onde Alder vende seus picolés. Foi na praça que a população festejou a aclamação de Dom Pedro e, em seguida, recebeu “chumbo grosso” do navio português. “O bombardeio veio depois que os portugueses ficaram sabendo do resultado da sessão”, diz Alder.Alder, vendedor de picolé, na Praça da Aclamação (Foto: Betto Jr/CORREIO)“O que se diz é que a canhoneira começou a atirar quando a tripulação ouviu os gritos de comemoração, após a sessão e o Te Deum”, confirma a historiadora Tamires Costa. Não se tem certeza se a embarcação foi atingida a ponto de naufragar, se os brasileiros tomaram a embarcação ou se ela foi embora. A memória dos cachoeiranos é de que ela veio a pique, e muita coisa foi encontrada no fundo do Paraguaçu.No dia 28 de junho de 1822, após três dias de batalhas, os brasileiros comemoraram a vitória em Cachoeira. A guerra se desloca para a capital e, nesse momento, já é bastante sangrenta também em Itaparica. Mesmo encerrada a batalha em Cachoeira, a cidade continua fundamental na guerra. A começar pelo rio, bloqueado pelos brasileiros para a passagem de alimentos - essencialmente farinha e carne - que eram enviados às tropas portuguesas na capital.O outro motivo está no Conjunto da Santa Casa da Misericórdia, um hospital transformado em sede do governo interino dias depois do 25 de junho - o último dos nossos sete passos da independência. Naquele momento, uma das salas do térreo da Santa Casa se tornou local de despacho da província da Bahia. Hoje, nesse espaço, Gilson Agrário, 68, trabalha como tesoureiro após 30 anos de voluntariado. “Dom Pedro I e II  passaram por aqui. Não é pouca coisa”, acredita Gilson.

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