Cadê o povo? Com festa tímida, Dois de Julho é celebrado em Salvador

Cerimônia restrita reuniu apenas autoridades no Largo da Lapinha

  • Foto do(a) author(a) Gil Santos
  • Gil Santos

Publicado em 2 de julho de 2020 às 09:07

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Estranho. Essa pode ser a palavra usada para descrever 2020 e também as celebrações do Dois de julho deste ano. Na manhã dessa quinta-feira (2), a Lapinha não lembrava nem de longe as ruas cheias para celebrar uma das principais festas da Bahia. Nada de fanfarras e estudantes de uniforme. Nada de gente fantasiada dos heróis da independência baiana. Nada de fieis atrás dos Caboclos, os carros até  deixaram o barracão, mas não teve desfile. Tudo culpa do novo coronavírus e sua obsessão por aglomerações. 

Esse ano teve hino. Teve hasteamento das bandeiras do Brasil, da Bahia, e de Salvador. Teve deposição de flores no monumento do General Labatut em homenagem àqueles que deram a vida pela liberdade do povo baiano, mas se em 1823 uma multidão foi às ruas comemorar a expulsão dos exércitos portugueses, em 2020 a cidade se recolheu. O governador Rui Costa participou das tímidas celebrações e comparou a luta de 1823 com o cenário atual da pandemia no Brasil.

"Essa é uma festa importante. Em 1823, a independência do Brasil se materializou, se concretizou aqui na Bahia. E no Brasil de hoje vivemos outra batalha, a luta contra um ser invisível que a ciência ainda busca explicar o seu modus operandi, porque em algumas pessoas os sintomas são tão leves que, às vezes, a pessoa nem sabe que está com o vírus, e em outras ele é tão letal que mata rapidamente. Essa é uma batalha que tem sido longa demais e infelizmente o Brasil não escolheu a estratégia correta de enfrentar o vírus e minimizou o adversário", afirmou.

Apesar de a prefeitura ter pedido para as pessoas ficarem em casa e ter avisado que o acesso do público seria proibido no Largo da Lapinha, onde tradicionalmente acontece a festa, teve gente que desrespeitou. A mudança no clima das celebrações chamou a atenção do prefeito ACM Neto.

"Todos nós estamos acostumados com o Dois de Julho a atravessar a praça em direção ao monumento do General Labatut no meio de uma multidão. Sair da Lapinha em direção a Praça da Sé ou ao Terreiro de Jesus no meio de uma multidão. Aliás, os grandes eventos da Bahia, as grandes datas da nossa terra pressupõe isso, junção de pessoas e aglomeração de gente", pontuou o prefeito.

Ele disse que o ato simbólico foi uma forma de respeitar o povo no atual cenário de pandemia. "Nesse momento nós todos, eu, o governador e todas as autoridades que estão aqui presentes pretendemos com esse gesto simbólico mostrar que a forma da gente melhor homenagear a todos que lutaram ao longo de toda a história pelo nosso estado e pela nossa cidade é respeitando a distância e entendendo que nesse momento a proximidade infelizmente pode matar", disse. 

Os presidentes da Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), Nelson Leal, da Câmara de Vereadores, Geraldo Júnior, e do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), Eduardo Morais de Castro, participaram da solenidade.

Sem decoração Os moradores da Ladeira da Soledade não enfeitaram as fachadas das casas esse ano, quebrando uma tradição secular. Nem mesmo o exército de políticos e assessores que todos os anos lotam a praça onde fica o barracão apareceu. O resultado das ruas pouco movimentadas foi um silêncio ensurdecedor onde era possível ouvir até o barulho do motor de um Chevrolet que passava alguns metros distante. 

Do lado de fora das grades que separam o monumento aos heróis da independência da Bahia do povo, pouco mais de 50 pessoas prestigiavam o evento solene. Um deles foram os artistas Adilson Guedes, 52 anos, e Djalma Santos, 46 anos, que carregavam nas fantasias o estandarte de Santa Dulce e a cruz fitada. "Não viemos chorar ao pé do caboclo e rezar ao pé do cabloco para o fim da pandemia", disse Adilson.  Foto: Daniel Aloísio / CORREIO Foi por causa do novo coronavírus que a festa não pode acontecer como sempre foi. Mas isso não impediu a fisioterapeuta intensivista Daniele Freitas, 33 anos, de participar do evento, mesmo trabalhado numa UTI voltada para covid. "Minha vida tem sido de casa para o hospital, mas eu frequento esse evento desde criança. Era levada pelo meu avô. Não podia deixar de vim, já que moro aqui mesmo na Liberdade e acontece tão perto da minha casa", disse. Esse é, inclusive, o segundo ano seguido que Daniela leva o cachorrinho Guti para a celebração. "Estou estimulando a civilidade nele", disse, aos risos.

A professora Nilza Barbosa colocou a bandeira do Brasil na fachada da casa, em um ato de civismo. "Para mim, o 2 de julho representa isso. É a liberdade do nosso povo. Não pode passar em branco", disse.  Mulheres foram as únicas a enfeitar a varanda (Foto: Daniel Aloísio / CORREIO) Os carros do Caboclo e da Cabocla foram colocados do lado de fora para fotos e receberam borrifos de uma mistura de hipoclorito de sódio com água para fazer a assepsia. Os dois homens que faziam o serviço vestidos com roupas brancas impermeáveis eram a novidade desse ano. Duas senhoras no segundo andar de um prédio que fica na esquina da praça estenderam uma bandeira do Brasil na sacada e enfeitaram o parapeito com flores. Foram as únicas em todo o quarteirão. Sem dúvida, assim como em 1823, o Dois de Julho de 2020 vai ficar para a história.