'Caiu como uma luva', diz baiano nota 1000 no Enem sobre filme de Chaplin

Estudante falou sobre obras citadas em redação: 'conscientiza dos perigos de governo antidemocrático'

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 23 de janeiro de 2020 às 18:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Acervo pessoal

No calor de uma prova de redação, seja em qualquer tipo de seleção, nem sempre é fácil para a pessoa lembrar de boas referências que possam embasar a argumentação sobre o tema proposto. Muitas vezes, o nervosismo toma conta e a pessoa não se sente segura para usar as fontes corretas e citar números.

No caso do estudante João Pedro Silva Bonfim, 19 anos, morador de Vitória da Conquista, sudoeste do estado, isso não foi um problema durante a prova de Redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2019, cujo tema foi “Democratização do acesso ao cinema no Brasil”. Ele, inclusive, foi o único baiano que tirou nota 1000 na avaliação.

Após fazer a introdução da sua dissertação falando que o cinema surgiu como entretenimento e arte, João Pedro citou o filme “O Grande Ditador” (1940), de Charles Chaplin, e, depois, o documentário “A Guerra no Brasil” (2017), do jornal O Globo, para exemplificar o cinema como meio disseminador de informações e formador de opinião.

A produção de Chaplin, inclusive, é um dos três filmes que serão cobrados no vestibular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), cujas provas serão aplicadas nos próximos dias 2 e 3 de fevereiro. O estudante será um dos candidatos e tentará vaga no curso de Medicina.

Como já conhece a obra de Chaplin, João Pedro disse que “o filme caiu como uma luva” na hora de fazer a redação nota 1000. “Pensei em citar na parte onde falei que os filmes conscientizam as pessoas, porque [O Grande Ditador] fala de preconceito e de ditadura, o filme mostrava o antissemitismo [contra os judeus]”.“É um assunto muito atual, as pessoas discutem preconceito de etnia, de cor, orientação sexual, e essa parte da ditatura. O filme tinha material suficiente para eu dizer a importância deles na conscientização das pessoas e para formar opinião nesses assuntos mais polêmicos e complicados”, disse ao CORREIO.Na época do Enem fazia um ano das eleições para presidente, que ficou marcada também pela atuação de grupos que defendiam a volta da ditadura e medidas mais autoritárias e antidemocráticas. “E esse filme consegue conscientizar as pessoas dos perigos de um governo antidemocrático”, declarou João Pedro.

Na análise do estudante, o documentário do jornal O Globo sobre segurança pública no Brasil “traz dados relevantes sobre a violência no país e captura a atenção dos espectadores devido à dramaticidade das cenas”. “Dessa maneira, os documentários conseguem unir a beleza da arte à transmissão de informações”, ele escreveu.

No Enem, a nota da média geral de João Pedro foi de 755, que pode subir ou diminuir na busca por uma vaga em curso de Medicina em instituições de todo o país, já que o peso das notas varia de acordo com os critérios utilizados por cada instituição de ensino.

O exame, realizado pelo Ministério da Educação, é utilizado para ingresso em diversas universidades públicas e particulares do Brasil. Na Bahia, em 2019, foram 395.437 inscritos, e no Brasil – incluindo os baianos – mais de 5 milhões fizeram a prova. Somente 53 estudantes – incluindo João Pedro – tiveram nota 1000 na Redação.

Leia a reprodução da folha de rascunho da redação. O texto pode ter sido modificado na folha definitiva da prova.

O cinema surgiu como um mecanismo de registro de momentos e tinha um cunho científico, mas, pouco antes do início do século XX, foi apresentado ao mundo como uma arte, além de ser um entretenimento e, ao longo dos anos, ganhou forte repercussão internacional. Foram representados em vídeo personagens famosos, como Mickey Mouse, o Batman, o Superman, entre outros, que conseguiram grande sucesso ao redor do mundo. Apesar disso, o cinema evoluiu e hoje não é apenas uma forma de diversão para as massas, mas também um meio que expõe visões de mundo e consegue formar opiniões de grande valor. Assim, devido aos seus muitos benefícios, é imprescindível que seja democratizado o acesso ao cinema no Brasil.

O cinema cumpre um importante papel de conscientizar as pessoas. O filme "O grande ditador", de Charles Chapllin, por exemplo, traz consciência a respeito do preconceito contra os judeus, pois retrata a Alemanha por volta de 1940, época em que era dominada por um regime nazista, o qual pregava o antisemitismo.

Esse filme também apresenta um contexto que se assemelha ao cenário político atual no Brasil, já que retrata a opressão de um governo ditatorial, fenômeno cujo conhecimento é muito importante na contemporaneidade, uma vez que grupos que defendem o autoritarismo e outras medidas antidemocráticas têm surgido e ganhado espaço no território nacional. Desse modo, os filmes têm grande peso na conscientização do povo brasileiro acerca de problemas, como o preconceito e ameaça à democracia.

Além disso, a sétima arte, como é chamada o cinema, funciona como uma importante fonte de informações. Os documentários, filmes que, como sugere o nome, documentam períodos, acontecimentos históricos e contextos geopolíticos são de extrema importância para a construção de opiniões por parte dos brasileiros. O documentário "Brasil, um país violento", da Rede Globo, como exemplo, traz dados relevantes sobre a violência no país e captura a atenção dos espectadores devido à dramaticidade das cenas. Dessa maneira, os documentários conseguem unir a beleza da arte à transmissão de informação; são, pois, indispensáveis à nação brasileira, haja vista que contribuem sobremodo para a formação do pensamento crítico nacional.

Portanto, em vista da grande relevância que essa arte possui, o governo brasileiro e os shoppings (locais onde os filmes em sua maioria são exibidos), em parceria, devem fornecer universal e democraticamente, cinemas aos brasileiros, principalmente nas zonas rurais, nas tribos indígenas, que queiram acesso aos filmes, nas periferias das cidades e nas favelas, visto que essas áreas foram, historicamente, deixadas à margem da sociedade durante muitas décadas. Tal ação deve ser feita por meio do estabelecimento de salas de cinema próximas a esses lugares. Essas salas, por sua vez, precisarão ter seus ingressos parcialmente custeados pelo governo, de modo a baratear o acesso dos mais pobres às obras cinematográficas. Isso será realizado para que, como consequência, todos os habitantes da nação, ricos ou pobres, tenham acesso digno a essa tão importante forma de arte. Ao fazer isso, o Brasil conseguirá, por fim, democratizar o acesso aos filmes.

Clique em cima da imagem para ampliar e ler o rascunho da redação nota 1000 escrita por João Pedro:  Foto: Acervo Pessoal