Caminhar na chuva é puro deleite; sinto vontade de saltitar feito Bambi

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Publicado em 9 de dezembro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Gosto de crer: tempestades iansânicas como as que bombardeiam os céus dos sertões baiões nesta primeira semana de dezembro podem lavar as almas das pessoas. Até mesmo as almas mais sebosas, mais fedorentas, mais tacanhas,  mais pusilânimes. Ledo e rogeriano engano. Não lavam não. Pau que nasce torto morre torto, ensina a sabedoria popular. [Almas sebosas morrem leprosas].

Sertanejanos adoramos chuva. Eu adoro chuva. Quando criança fingia – só fingia – que não gostava. A chuvarada desvairada se desgovernando lá fora, despenteando árvores, e tangendo cachorros como se fossem gravetos, e eu me grudava no vidro da janela e chorava de pura emoção. Medo nenhum.

Comportamento recorrente, meu irmão, minhas 2 irmãs, meu pai e minha mãe agiam do jeito que eu gostava que eles agissem. Acarinhavam-me o cocuruto, beijavam-me na face, e me cochichavam a mesma frase: - Vai passar logo, Roge. Daqui a pouco sai o sol, Roge! [E pior que passava mesmo, e eu queria que nunca passasse. E pior que o sol saía logo, e eu queria que nunca mais saísse].

Imaginava: se achassem que eu chorava de alegria, não me acarinhariam o cocuruto nem me beijariam na face nem cochichariam calidamente no meu ouvido. [Talvez só neste texto que ora escrevo, eu confesse aos meus familiares e à posteridade: chuvas sempre me alegram. Nunca me entristecem].

Todo o aparato bélico que prenuncia as grandes tempestades me deixa em frenesi: trovões, relâmpagos, raios. Quanto mais o céu rimbomba e não deixa nuvem sobre nuvem, mais eu me deixo invadir por bem-vinda sensação de felicidade. [Amo o sol. Mas amo menos. Não consigo chorar de alegria e emoção com aquela estrela coruscante e causticante  cozinhando e  fritando e esturricando tudo ao redor, eu, inclusive].

Caminhar na chuva é puro deleite. Sinto vontade de saltitar feito Bambi serelepe quando deixo o meu corpo se encharcar e a camisa virar segunda pele.  Água fresca e endorfina juntas e mancomunadas liquidificadas dentro de mim são diretamente proporcionais a um estado d´alma sempre etéreo e prazeroso – chuá, chuá, chuá.

A tentação é grande, é a grande tentação dos loucos, estar sempre em movimento, não parar nunca – se eu paro eu penso e se eu penso eu choro e se choro eu perco o juízo. [A loucura é o caminho]

Gostava, e gosto, tanto de chuva que, na minha infância, eu achava, e desejava:  quando chovesse na minha rua choveria também no mundo inteiro, no céu, na terra, no mar. Não era bem assim. Certa tarde, saltitando feito Julie Andrews em A Noviça Rebelde, subia sob chuva pesada o topo do morro.

Ao chegar ao topo e olhar para baixo, percebi, embasbacado: não caía gota d´agua sequer 1 centímetro além do meu nariz. Não captei. Como podia não chover no mundo todo quando chovia em mim? 

Fiquei perplexo. Zonzo. Estava sozinho – não havia irmãos ou pai e mãe por perto – e eu não conseguia entender o que então para mim era inexplicável. Então chorei. Chorei até cansar de chorar. Então aprendi: a chuva não nasceu para todos. O sol, também.