Capacidade de criar o novo pode ser treinada, diz especialista

Oficina reuniu interessados em expandir criatividade

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 12 de novembro de 2018 às 05:55

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Ligue o som, coloque uma música, feche os olhos e comece a viajar. Perceba o ritmo, ouça as notas, solte a imaginação. Não se desespere se sentir alguma tristeza, curta se sentir alegria. Perceba que, em determinado momento, mesmo de olhos fechados, você vai enxergar algo. Aliás, você vai enxergar muita coisa! Pois então. Se, mesmo de olhos fechados você consegue ver, imagine de olhos abertos. Assim funciona a criatividade. 

Ao menos na proposta da consultora de design organizacional e de inovação Alessandra Terumi, a criatividade vem da imaginação. Foi ela quem propôs esse exercício durante a oficina Criative[se], do Seminário Humanize[se], uma das atividades do Fórum Agenda Bahia 2018, realizado na última quarta.

E a propostoa ecoou, pois os depoimentos de alguns dos participantes foram surpreendentes. “Vi uma orquestra tocando nas nuvens e, a cada instante, surgia alguém tocando um instrumento. No final, duas crianças, uma negra e uma branca, se abraçavam”, disse alguém na plateia entre muitas narrações no mesmo nível.

Mestre em Inovação pela NHTV University e pela Imagineering Academy, na Holanda, Alessandra mostrou o quanto nossa imaginação pode viajar. Sua proposta é transformar o poder dessa imaginação em criatividade. Por isso, ela mergulha na ideia do chamado Imagineering, braço de design e desenvolvimento da Disney, o setor responsável pela criação e construção de parques temáticos da empresa em todo o mundo.

“Para se chegar a uma ideia criativa, é preciso trazer essa capacidade de imaginação para a experiência do dia a dia. O imagineering busca a inovação a partir da experiência. As pessoas me perguntam: a criatividade é um talento? É um dom? Não necessariamente”, diz Alessandra. Para ela, a criatividade pode ser exercitada.

Cocriação 

O pout-pourri de músicas clássicas foi apenas um dos exercícios realizados. O tempo inteiro, durante o workshop, Alessandra incentivou a plateia a realizar exercícios em duplas ou em grupos. Isso porque ela trabalha com a ideia de cocriação, quando diferentes pessoas, de diferentes áreas, trabalham em cima de uma ideia ou na imaginação para criar algo novo. 

Portanto, diz Alessandra, é preciso estar aberto à perspectiva das outras pessoas. “A criatividade é individual, mas também coletiva. A gente tem uma limitação das nossas experiências, da nossa perspectiva. Tudo aquilo que você viveu torna você em quem você é. Quando você começa a criar com uma outra pessoa e você se abre à perspectiva daquela pessoa, você soma esse repertório de informações que ajuda a dar uma base mais ampla para se criar alguma coisa”.

Mas de que forma isso pode ser exercitado? Alessandra faz seções para desenvolver habilidades pessoais em cima da imaginação do outro. Até porque a imaginação de cada um é muito particular. “São exercícios de escuta do outro, de postergar o julgamento a respeito do que ele pensa, de interação. A cocriação é também um exercício. Eu preciso ser capaz de escutar você, estabelecer uma empatia e, então, criar junto”.

Alessandra afirma, ainda, que muitas das experiências de cocriação não dão certo porque as pessoas não desenvolveram essas habilidades. “Você tem que pensar com a cabeça do seu público-alvo. E você só vai fazer isso se for capaz ter empatia”. Ao citar algumas mentes brilhantes da história, personagens que fizeram da criatividade um estilo, Alessandra mostrou que esses pensamentos convergiam de alguma forma.

De Pablo Picasso a Steave Jobs, cada um tem sua definição sobre o ser criativo (ver frases). Mas todos falam de um momento de quebra, um instante em que repertório usual é desconstruído para dali surgir uma ideia nova. É justamente quando algo “genial” surge. “Picasso acreditava que todo ato criativo é um ato de destruição. Como destruição é uma palavra muito forte, eu diria desconstrução. É preciso desconstruir para criar”, destacou a especialista. 

Sentidos 

Para trabalhar a criatividade, Alessandra extrapola os cinco sentidos. Ela considera que tato, olfato, visão, paladar e audição não são as únicas formas de sentir. Por isso, aborda dezenas de outros conceitos, como temperatura, equilíbrio, som, imagem, sabor, sede e fome. 

Falando em fome, uma das frases do lendário criador da Apple, Steave Jobs. “Ele disse certa feita: ‘Stay Hungry, Stay Folish’. Eu traduzo essa frase da seguinte forma, ‘A fome pelo conhecimento é o maior alimento para a criatividade’”, citou Alessandra.  

Esse tipo de fome não faltava na plateia. Nos grupos de trabalho da oficina, estava gente como a produtora cultural Priscila Piedade, 33 anos. Ela diz que seu problema não é falta de criatividade, mas de foco. “Fico digerindo uma ideia muito tempo. Quero aprender a gerir melhor isso”, diz. “Já tive muitas ideias geniais e larguei de mão. Hoje aqui vimos que é possível transformar nossa imaginação fértil em uma experiência real”, fala Roberta Oliveira, 24 anos.

Dicas para ser criativo Postergar o julgamento - Tente não julgar previamente uma ideia antes de ter a certeza  de que ela não é uma ideia criativa 

Desconstruir - Para ser criativo, é preciso descontruir ideias e conceitos preestabelecidos

Imaginação aplicada - Tente trazer sua imaginação para a realidade e aplicá-la no dia a dia 

Tentativa e erro - A criatividade não é um processo fácil. É preciso tentar (e errar) até acertar

Observação - Procure ter um olhar diferenciado sobre coisas aparentemente comuns

Aproveita a pressão - A proximidade do prazo costuma despertar a criatividade. Muita gente só é criativa aos 45 do segundo tempo. Aproveite o momento de pressão

Associação - Aplique conceitos e informações de forma associada. Isso costuma dar vazão a ideias criativasDisney usa método para criar parques e atrações

Imagineering é uma contração das palavras imagination (imaginação) e engineering (engenharia). O termo é o nome de um setor da Walt Disney, a Disney Imagineering, responsável pela criação, design e construção dos parques e atrações da empresa. O setor emprega principalamente engenheiros, arquitetos, programadores e designers. 

Segundo o Draft, um projeto editorial dedicado a cobrir a expansão da inovação no Brasil, a metodologia Imagineeering, lecionada na Imagineering Academy, da NHTV Breda University, na Holanda, é uma abordagem para inovação empresarial que propõe a descoberta da convergência entre o que os consumidores desejam e a forma de as empresas atrai-los e mantê-los em contextos de transformações estruturais, a exemplo de mudanças de valores, novas tecnologias, novos modelos de negócios etc. 

O Draft destaca que a metodologia propõe a troca de métodos convencionais de mudança comportamental pelo foco na mudança de mindset (mentalidade), fazendo a transformação pela inspiração. Sua base é fundamentada na cocriação, mas ela utiliza técnicas como investigação apreciativa (olhar para o que realmente importa), construcionismo social (palavras têm o poder de construir realidades), storytelling e psicologia positiva (visão apreciativa do potencial humano). 

Segundo Itamar Olímpio, um dos quatro brasileiros formados pela Imagineering Academy, o imagineer é um profissional treinado para trabalhar com conceitos, produtos, serviços e experiências cocriados com as pessoas e não somente para elas. “Isso significa que a cocriacão é um convite para que pessoas e organizações desenvolvam, colaborativamente, soluções para o mercado, para um desafio social ou organizacional, onde todos participam na construcão da solução”, afirmou ao draft Itamar. Ele é cofundador da Co-Viva, consultoria de inovação de negócios especializada em cocriação. 

A especialização em Imagineer engloba gestão de pessoas, comunicação, design e marca, estratégia de negócios, marketing, Sociologia e Psicologia. O profissional aprende a desenvolver competências analíticas, de design organizacional, gerenciamento de times multiculturais e multidisciplinares e liderança de processos colaborativos e de criatividade.

Um imagineer pode atuar de diversas formas e em diferentes segmentos. Dentre eles estão a cocriação da cultura de inovação, novos modelos de negócio, novos designs organizacionais, novas abordagens de marketing e ainda auxiliando na identidade e no propósito de diferentes iniciativas. Segundo o material de divulgação da universidade holandesa, “as organizações que trabalham com imagineers têm o benefício de ter um profissional especialista em transformação, processo criativo, inovação e cocriação”.

O Fórum Agenda Bahia 2018 é uma realização do jornal CORREIO, com patrocínio da Braskem, Sotero Ambiental e Oi, apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador, Consulado-Geral dos EUA no Rio de Janeiro, Federação das Indústrias da Bahia (Fieb) e Rede Bahia; e apoio do Sebrae e da VINCI Airports.

Destaques da oficinaDê asas à imaginação, escute músicas com  olhos fechados e viage nos sons, nos ritmos, na melodia e nos arranjos. Deixe as imagens surgirem livremente em sua cabeça 

Tenha empatia, se coloque no lugar do  outro, escute e absorva suas experiências para somar às suas e assim criarem coisas juntos. Esse é o conceito de cocriaçao, que leva em conta que a criatividade pode ser algo coletivo