‘Carnaval’ da Netflix é sucesso mundial, mas tem baiano botando um monte de defeito

‘Detratores’ e atores comentam escolhas da ficção que se passa na folia de Salvador

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  • Da Redação

Publicado em 13 de junho de 2021 às 06:03

- Atualizado há um ano

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Fotos: Reprodução/Instagram Já imaginou você estar perdido no mês do São João e, do nada, aparecer falando de Carnaval? (Tá rolando em alta, e estará explicado antes do parágrafo terminar). E já imaginou você se ver perdida(o) na confusão do circuito Barra-Ondina e, de uma hora pra outra, brotar no Pelourinho? Bom, essa cena já é mais tranquila de realizar, ao menos para quem assistiu ao filme ‘Carnaval’, sucesso mundial da Netflix que fez muitos baianos matarem a saudade de botar defeito em ‘Segundo Sol’.

Antes de continuar, espero que já tenha entendido que esse texto só fará sentido para quem viu o filme ambientado na folia da Bahia – vai ter spoiler como a porra, embora a produção, em nome da Classificação 14 anos, não tenha colocado um “porra” na boca de nenhuma personagem.

Outro aviso é que neste mesmo CORREIO já rolaram as críticas mal-humoradas, saindo da boca de gente que entende do riscado. Meu colega Roberto Midlej, por exemplo, tascou um nada diplomático “Cotação: Ruim” em sua análise, citando clichês, lugares-comuns e piadas óbvias. Em um artigo no Textão, Vinicius Zacarias reforçou outros desconfortos: chamou ‘Carnaval’ de “surto sulista e estereotipado da cultura baiana”; mencionou descuido na pesquisa que deu numa ‘folclorização’ da cultura negra, mas, no final, autorizou o “besteirol legal para um domingo entediante”. 

Críticas sisudas e embasadas assimiladas, resta então falar das cornetadas bem-humoradas e descompromissadas (a zuêra pseudo-analítica da internet), que eu julgo serem entretenimento bônus, além de um importante catalizador de atenções – e a Netflix sabe, curte, só não compartilha.

Cornetadas Um dos primeiros analistas de conteúdo a viralizar foi o assistente comercial Icaro Prazeres, 30 anos, que liberou muita coisa no filme, mas não perdoou a falta de palavrão. 

“Tudo bem vc nao mostrar ninguém comendo uma melancia na Garibaldi ou um hot morte nas gordinhas. Tudo bem nao ter uma tomada do morro gato com uma fila de gente mijando e caindo no próprio mijo. (...) Tudo bem essa menina moscando na muvuca com um iPhone 12. A gente ate aceita por a PM no filme e ela nao estar batendo em ninguém… Mas 1:30 de filme e ninguém pra dar uma disgrassa? Em Salvador? No Carnaval? Aí vcs foram longe demais… Pode chamar de qualquer coisa, menos de Carnaval”, sentenciou Icaro, que sugeriu outros nomes para o longa como ‘Camarote’ e ‘Barbie na folia’. Icaro Prazeres e uma de suas análises fílmicas pautada na realidade dos fatos (Foto: Reprodução) Além do texto, postou um vídeo zoando a cena em que a personagem Mayra está perdida na muvuca da Barra e, do nada, brota no Pelô. Também viralizô. “Isso foi surpreendente. Muita gente me disse que assistiu só por causa das postagens, pra poder ficar por dentro do assunto. (...) Por incrível que pareça, [a atriz] Bruna Inocencio comentou minha postagem onde eu brinco com o teletransporte dela. Fiquei com medo dela se retar, mas ela riu muito e disse que adorou”, flutua Icaro.Ver essa foto no InstagramUma publicação compartilhada por Icaro Prazeres (@icaroprazeres90)

O descuido geográfico também foi um dos pontos de inflexão na obra para o criador de conteúdo Iuri Barreto, 32, administrador do perfil Soteropobretano. Inclusive aponta o deslize em mais de um momento. “Tem inúmeras liberdades poéticas, como o hotel ser na Praia do Forte e ser tratado como se fosse a poucos minutos do circuito. (...) Mas no final, foram esses momentos que valeram as melhores gargalhadas”, destaca Iuri, que postou vários stories com suas críticas informais, as quais acabaram despertando a curiosidade de um monte de gente. Série de stories do perfil Soteropobretano chamaram a atenção para o filme da Netflix (Foto: Reprodução/Instagram) “A repercussão foi maravilhosa. Um ou outro seguidor veio perguntar se eu estava sendo pago pela Netflix – pense aí! –, mas a maioria entendeu que era só uma comédia besteirol e disse que se divertiu. Por mim, já pode vir a continuação no Carnaval depois da pandemia”, torce. O folião e influencer Iuri Barreto assistiu o filme e foi comentando/escaldando: despertou o interesse nos seguidores e foi 'acusado' de fazer publi (Foto: Divulgação) Sequência Mas para ter ‘Carnaval 2’, a obra terá que sobreviver à ferrenha desconstrução feita pelo ator e influenciador Leozito Rocha, 29, que baseou suas críticas nos diálogos entre personagens, sufocantes desertos de gírias.

Cena a cena, com a proposta de reformular as frases para a forma ‘como nós falamos realmente’, ele vai colocando as coisas no lugar. “A gente vai bebemorar” vira “a gente vai comer água hoje, a gente vai se foder”; “perder o namorado” é corrigida para “perder o pivete”; até o aparentemente adequado “oxente, vocês são amigas, rei” acaba sendo censurado para dar lugar a “qual foi, disgraça? Tão com fogo no chicote?”

Entre os mais de 900 mil que riram do recall, muitos famosos, incluindo a galera do filme. “A maioria dos atores comentou no vídeo. Riram muito. O próprio Micael falou comigo que teve que estudar muito o sotaque, teve que assistir vários vídeos. Se esforçou bastante para poder pegar”, contou à coluna.

Mas apesar da boa fotografia, e de mostrar “a alegria do nosso povo, a energia da festa para os turistas”, Leozito lamentou a falta de mais atores baianos para “representar de verdade nossa linguagem”.

Atores e meio consultores Sem baianos entre protagonistas – ‘Carnaval’ conta a história de quatro amigas de fora, que vêm curtir nossa festa –, coube aos atores Jean Pedro e Rafael Medrado representarem os locais como coadjuvantes de destaque e, até onde deu, consultores de baianidade.

“Isso foi um ponto muito positivo. Nós tivemos um trabalho de pré-produção, preparação, de sentar numa mesa todos nós, elenco, roteiristas, diretor, enfim, pra poder discutir possíveis questões polêmicas, de conexão, o que não fazia mais sentido para o baiano contemporâneo. Mudamos algumas coisas, eu e Rafa, se não nesse processo de pré-produção, durante as gravações, quando havia uma liberdade, com certas fronteiras. E muita gente interferiu, porque havia essa abertura”, explicou Jean à Baianidades. Cria da Liberdade, em Salvador, Jean Pedro defende certas 'inconsistências' na ficção: "não tem que ser 100% fiel à realidade" (Foto: Reprodução/Netflix) Rafael também destacou que a obra veio “com o roteiro fechado mesmo”, especialmente pelo fato de a Netflix ser produtora associada: “Ela é sócia da criação, quer decidir junto algumas coisas”. Mas, lembra ele, o diretor Leandro Neri “tem a filosofia de deixar o filme aberto para coisas que podem acontecer”, inclusive minutos antes de rodar.“Então, se a gente tivesse alguma ideia, alguma proposta melhor, ele estava totalmente aberto para trabalhar, para alterar dentro do programável”, contou Medrado.Sobre as críticas (bem ou mal-humoradas), Jean Pedro as considera bem-vindas, na medida em que, pelo menos, demonstram o interesse pelo trabalho.

“As pessoas vão sempre relatar o que gostaram, como se identificaram, o que fariam se fossem elas os diretores ou os componentes daquela produção. (...) E tem esse lado da rede social no qual precisamos falar sobre temas para gerar engajamento, burburinho, e isso importa também”, pontuou o intérprete do guia Salvador. Morando em Portugal, o baiano Rafael Medrado conta que 'Carnaval' é um sucesso em vários países da Europa (Foto: Reprodução/Netflix)  Rafael Medrado também considera que um trabalho feito para apreciação está sujeito a críticas, e tudo bem. “Algumas vão gostar e outras não. Algumas enxergam imperfeições, têm um olhar mais sensível, mais detalhista para aquele ponto ou outro. E daí, as críticas fazem parte mesmo do trabalho. Mas é uma obra de ficção, acima de tudo, e é um recorte de uma realidade de uma pessoa X que vive uma circunstância Y e que agora está na condição Z”, conclui o intérprete do guia Samir. 

Independente do tanto de gente que enxerga defeitos e derrapadas (a sério ou pra tirar um sarro sadio), ‘Carnaval’ conquista multidões ao redor do globo: segundo os próprios atores, chegou ao Top 6 mundial de filme mais visto da Netflix***, e figura em dezenas de países entre os 10 mais assistidos desde a semana passada. Folia fora de época mais do que bem-vinda. 

***A assessoria da Netflix informou à Baianidades que "oficialmente não divulgou nenhum dado [de audiência] sobre Carnaval".