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Da Redação
Publicado em 11 de julho de 2021 às 19:12
- Atualizado há 2 anos
Alvo de suspeitas de corrupção na compra de vacinas, o Ministério da Saúde escolheu uma empresa multada e advertida pelo menos 75 vezes por descumprir contratos com o próprio governo federal para fornecer diluentes a imunizantes da Pfizer contra a covid-19. O negócio com a FBM Farma, selecionada num processo sem licitação, chamou a atenção da Controladoria Geral da União (CGU), que identificou uma série de falhas, além do histórico de problemas. Relatório da CGU, ao qual o Estadão teve acesso, aponta sobrepreço de R$ 2,5 milhões no valor do produto, além de critérios adotados para a compra que limitaram a participação de outros fornecedores.>
O processo de compra dos diluentes, que começou em abril e ainda está em negociação, envolve duas áreas que já enfrentaram denúncias de irregularidades na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. A primeira é a secretaria executiva do Ministério da Saúde, na qual trabalhava Roberto Ferreira Dias, ex-diretor do Departamento de Logística; a segunda, a Secretaria de Vigilância em Saúde, onde dava expediente Lauricio Monteiro Cruz, ex-diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis.>
As duas áreas são subordinadas diretamente ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Tanto Dias - que chegou a ser preso na quarta-feira, após depor na CPI - quanto Cruz foram demitidos recentemente, após denúncias de fraude envolverem a importação de vacinas contra o novo coronavírus. Com a tarefa de investigar ações e omissões do governo de Jair Bolsonaro no enfrentamento da pandemia, a CPI faz um pente-fino em contratos e negociações em andamento.>
Bolsonaro responde a inquérito aberto pela Procuradoria-Geral da República para apurar suspeita de prevaricação no caso da negociação da vacina indiana Covaxin. A omissão teria ocorrido porque o presidente não determinou abertura de investigação sobre a compra da Covaxin após ser informado dos indícios de irregularidades pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) e pelo irmão dele, Luis Ricardo Fernandes Miranda, servidor de carreira do ministério.>
Embora a compra do produto da FBM Farma ainda não tenha sido concluída, a negociação prevê que, ao todo, sejam fornecidos 18 milhões de unidades do diluente (soro fisiológico), suficientes para preparar 100 milhões de doses da Pfizer.>
No relatório, a CGU fez recomendações para que o ministério possa mitigar os riscos na contratação da FBM Farma, uma indústria sediada em Anápolis (GO). Um dos sócios e diretores da empresa é Marcelo Reis Perillo. Ele já foi alvo de investigações da Polícia Federal e tem parentesco com o ex-governador tucano Marconi Perillo.>
Ampolas. O diluente que o Ministério da Saúde precisa comprar é o cloreto de sódio (NaCl) 0,9%, o soro fisiológico, necessário para permitir a aplicação das vacinas contra covid-19 da Pfizer. Diferentemente de outras duas vacinas usadas no País, como a Coronavac e a AstraZeneca, o imunizante da Pfizer é fornecido pelo fabricante ao governo em ampolas concentradas, que rendem seis doses cada. O produto deve ser diluído em soro fisiológico, pouco antes da aplicação. Esse insumo é adquirido pelo Ministério da Saúde para distribuição aos Estados e municípios.>
Os apontamentos da CGU começam nesse capítulo. O governo pediu que o diluente fosse fornecido em frascos de 10 ml. Só que, para evitar a contaminação, os agentes de saúde só podem extrair e usar 1,8 ml de cada frasco de cloreto de sódio, para diluição correta da vacina, a fim de produzir seis doses da Pfizer a partir da ampola concentrada.>
Assim, os 8,2 ml restantes de cloreto de sódio têm de ser descartados.>
Por isso, para os auditores da CGU, o governo deveria ter previsto e feito pesquisas de preço com o soro fisiológico apresentado em frascos menores, de 2 ml ou 5 ml, por exemplo, e não apenas de 10 ml, para ampliar a competitividade no mercado fornecedor.>
A quantidade de ampolas exigidas também restringiu a escolha. O Departamento de Logística determinou que uma única empresa fornecesse 18 milhões de unidades de cloreto de sódio. Isso limitou a quantidade de firmas capazes de suprir a demanda, segundo os auditores. Mais de 200 empresas foram contatadas, mas a maioria não atingiu esse número. Somente a FBM Farma apresentou proposta de negociação, representando conjuntamente cinco fabricantes. A entrega das 18 milhões de doses, porém, seria feita em cinco etapas até agosto, e não de uma só vez. Para a CGU, o ministério poderia reduzir os custos aceitando propostas em menor quantidade, que, somadas, chegassem ao total>
"Esses dois fatos podem ter sido suficientes para que tivesse apenas uma única empresa interessada em contratar com o Ministério da Saúde e, consequentemente, que o preço aceito pelo gestor, de R$ 0,47, fosse maior que o valor da mediana calculado pelo Ministério da Saúde, de R$ 0,33, produzindo um sobrepreço de R$ 2.524.900, 00", apontou o relatório da CGU.>
O valor total da compra é de R$ 8,5 milhões, acima das médias de mercado pesquisadas. O preço de cada unidade do diluente será de R$ 0,47. O ministério tentou negociar uma redução para R$ 0,33, mas a FBM Farma, única fornecedora encontrada, recusou. O governo considerou a proposta apta e dispensou a estimativa de preço menor.>
A CGU também encontrou outro indício de gasto excessivo. O Ministério da Saúde usou uma reserva técnica incomum. Em vez de 5% do total, como é habitual, as secretarias pediram 8,2%, sem apresentar justificativa. Assim, ao fim dos cálculos, o governo estaria comprando 534.800 frascos de cloreto de sódio a mais do que de costume.>
Os auditores consideraram que há riscos na compra e cobraram do Ministério da Saúde justificativas, ajustes e revisões, além de vigilância por parte dos fiscais de contrato, caso seja firmado com a FBM Farma.>
Novo chamamento. Questionada, a FBM Farma afirmou que trabalha com "altos padrões de integridade e comportamentos éticos", mas não deu detalhes sobre o fornecimento do diluente. Em nota, o Ministério da Saúde disse ter adotado orientações da CGU e publicou um novo chamamento público, no mês passado, permitindo a entrega parcelada e em doses menores da solução de cloreto de sódio 0,9%.>
"O Ministério da Saúde informa que foram acatados os apontamentos feitos pela CGU. A pasta esclarece, ainda, que o processo de aquisição dos diluentes está em andamento, portanto, nenhum empenho ou pagamento foi realizado". No entanto, o ministério não disse se manterá a negociação em andamento com a empresa ou se recebeu outras propostas mais vantajosas.>