Chega de sensualizar de graça: como o OnlyFans se tornou uma renda de criadores de conteúdo

Conheça histórias de quem investiu na plataforma por assinatura que permite a venda de conteúdo sensual ou explícito

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  • Thais Borges

Publicado em 19 de fevereiro de 2022 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: Thais Silvestre/Sidney Teodoro/Acervo pessoal/Masculicidades

A soma foi ficando interessante: trabalhar de casa, com segurança, ganhando em dólar e fazendo o que lhe dava prazer. Quando a criadora de conteúdo Thamires Moura, 26 anos, coloca na balança, o trabalho com o OnlyFans - uma rede social por assinatura que permite a venda de todo tipo de conteúdo, inclusive sensual ou explícito - logo se tornou sua principal fonte de renda. 

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Desde o final de 2020, quando passou a investir com força em fotos e vídeos para os assinantes de seu perfil, Thamires - que, por lá, é conhecida como Folgosa - se divide entre o trabalho e a rotina em casa com o marido e a filha de 5 anos. Hoje, ela consegue faturar entre dois e três mil dólares por mês com o OnlyFans. Em dezembro, chegou a US$ 5 mil. “Quando você começa uma coisa nova, você tem que se informar sobre quais são os riscos e os bônus. O risco maior é ter seu conteúdo vazado e pessoas que você não quer que vejam aquilo verem. Foram coisas que eu tive que pensar: estou preparada para isso? Será que a grana vai valer toda essa exposição”, lembra ela, que já tinha tido uma experiência como camgirl.Em todo o mundo, são mais de dois milhões de pessoas como Thamires - criadoras de conteúdo no OnlyFans, de acordo com a plataforma. Mas não são só “anônimos” - ou seja, gente comum, que você pode encontrar na padaria. A lista de quem oferece o serviço inclui nomes como a atriz e ex-bbb Maria Andrade (desclassificada do programa esta semana); ex-Disney Channel Bella Thorne (a mesma que fazia dupla com Zendaya, na série No Ritmo) e Anitta. Foi em seu perfil no OnlyFans, inclusive, que Anitta publicou o famigerado vídeo em que estava sendo tatuada na região anal. 

De 2016, quando foi fundado no Reino Unido, para cá, mais de 180 milhões de pessoas se cadastraram no OnlyFans, no mundo - quase a população do Brasil. O fenômeno só cresce: diariamente, segundo a assessoria do site, são 500 mil novos usuários se registrando e pagando diretamente aos criadores de conteúdo que consomem. 

Financeiro A divisão dos lucros é bem parecida com a de outras plataformas de serviço online, como os aplicativos de motoristas e de entregadores por delivery: os criadores recebem 80% do valor da assinatura, enquanto a plataforma fica com o restante. Através da assessoria, o OnlyFans informou que já pagou mais de US$ 6 bilhões aos criadores, no período de atividade. 

É por isso que, para alguns, o OnlyFans se encaixa justamente em fenômenos recentes do mercado de trabalho, como a chamada ‘gig economy’ (economia do bico) ou a própria ‘uberização’. Ainda que estudos sobre a rede social sejam recentes - no Brasil, quase não há publicações científicas sobre a plataforma - pesquisadores estrangeiros decretaram a relação com os conceitos. 

“Criadores assumem os riscos financeiros e sociais de ingressar no mercado sexual, enquanto OnlyFans se torna uma empresa bilionária com seus esforços”, conclui a pesquisadora Ariana Safaee, em sua dissertação de mestrado na San Diego State University, nos Estados Unidos, defendida no ano passado.

Esse contexto fica ainda mais notório quando o cenário local é observado - só no Brasil, são mais de 12 milhões de pessoas sem ocupação, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

“Essa questão financeira hoje, ao menos no Brasil, vem ser cada vez mais preponderante para esses criadores de conteúdo, por conta da nossa economia fragilizada e da necessidade de renda”, diz o pesquisador César Belém, mestrando em Gênero e Feminismo na Universidade Federal da Bahia (Ufba). “O que temos que pensar é que quem produz conteúdo hoje no Onlyfans está produzindo e vendendo um produto muito mais voltado ao lucro e à subsistência do que numa exploração da própria sexualidade”, opina. 

O grande diferencial do OnlyFans, em comparação a outras plataformas que permitem conteúdos sensuais ou pornográficos, para o professor Antônio de Freitas Netto, dos cursos de Comunicação e Marketing da Unifacs, é justamente a possibilidade de qualquer pessoa monetizar o conteúdo. Ou seja: não precisa ser Anitta“Alguns conteúdos sequer precisam ter a pornografia explícita. Um dos exemplos é o famoso pack do pezinho, em que as pessoas têm fetiche em pés e pagam para receber fotos dos seus pés”, explica. É diferente da época em que as capas de revista com ensaios nu ou sensuais tinham apenas famosos ou pessoas com destaque midiático. “Em termos de conteúdo, você também tem uma diferença muito grande, porque antigamente as revistas pornô tinham uma superprodução. Filmes tinham produtoras específicas para isso. Agora, é uma lógica diferente, de conteúdo feito com celulares ou gravações amadoras. É o conceito da descentralização de uma produtora ou de personalidades para a coisa comum, de pessoas comuns”, analisa.  

Conheça histórias de pessoas que decidiram investir na criação de conteúdo no OnlyFans 

‘Tento produzir o que não me sentiria mal se vazasse’

A publicitária Juliana Santana, 28, já usava o Instagram, onde é mais conhecida como Baddie, para falar de sensualidade. Foi pela amizade com outras criadoras que trabalhavam com a venda de conteúdo adulto que ela percebeu que a ida para o OnlyFans era um movimento que estava crescendo. Um dos motivos era justamente o fato de o próprio Instagram ter começado a censurar qualquer conteúdo com mais exposição. Em julho do ano passado, ela se cadastrou no OnlyFans e, em novembro, decidiu criar conteúdo de fato. "O OnlyFans não tem a garantia de que os conteúdos não podem vazar. Então, eu tento produzir o que eu não me sentiria mal se vazasse. Faço só conteúdo sensual, como se fosse uma plataforma de fãs mesmo. Um conteúdo que é um plus ao que faço no Instagram", explica. A relação dela com a plataforma, portanto, é de complemento. Hoje, o OnlyFans representa cerca de 20% de sua renda, já que Baddie também trabalha em uma agência de publicidade. Por mês, consegue faturar, em média, US$ 200, com a plataforma. "Eu não divulgo muito e não tenho a ambição de tornar o meu trabalho principal, até porque não é o meu objetivo profissional. Meu objetivo é trazer conteúdos mais acessíveis".  Juliana não usa o OnlyFans como sua principal fonte de renda (Foto: Acervo pessoal) De certa forma, ela já tem experiência na área: Juliana já faz ensaios sensuais há 10 anos. Em casa, a família sabe do trabalho, mas ela tem medo de como poderiam reagir, em caso de algum vazamento. Ainda assim, a publicitária diz que fica feliz em ver o crescimento da plataforma. 

"Tenho poucas pessoas, 20 pessoas assinam meu conteúdo, mas traz um pouco de representatividade as pessoas se sentirem à vontade para mostrar o corpo. Acaba quebrando o estereótipo, porque antes a gente só via mulheres magras com corpo no padrão midiático", opina.  

No Instagram: @baddiesantana

‘Eu tenho meu trabalho CLT em paralelo a isso’

O OnlyFans também entrou de forma despretensiosa na vida do criador de conteúdo Kawan Godoy, 25. Encontrou uma conhecida que vivia da plataforma e, de brincadeira, começou a falar com os amigos que faria. Em julho, ele criou um perfil no Twitter para postar fotos mais sensuais, daquelas que possivelmente seriam derrubadas pelas diretrizes do Instagram. No Twitter, começou a ter novas conexões, com o próprio público. Os seguidores que interagiam falavam de comprar o conteúdo ou até de fazer parcerias para gravar algo pornográfico. 

"Entre 2015 e 2016, eu fiz alguns meses de câmera privê, mas era muito novo e não tinha empolgação para fazer. Depois que criei o Twitter, surgiu o interesse de criar como um produtor de conteúdo", lembra. 

O Twitter costuma ser uma ferramenta importante para os criadores. Ao contrário de redes como o Instagram e o TikTok, o OnlyFans não tem uma aba 'explorar' ou 'descobrir'. Portanto, para encontrar o perfil de uma pessoa, precisa buscar diretamente por ela. Assim, muitos recorrem ao Twitter para a divulgação. "Tem gente no OnlyFans que posta lifestyle, trilha, praias, estilo de vida. Mas, no caso do conteúdo adulto, o segredo está no Twitter", explica Kawan. 

Depois que começou com a plataforma, contou para a família e os amigos. A maioria ficou tranquila; as perguntas eram apenas se ele estava bem. Mas houve quem se afastasse - inclusive crushes. Foi de setembro para cá que ele decidiu investir com mais frequência. Ainda assim, Kawan se sente 'preguiçoso', em comparação a criadores que se dedicam mais tempo às postagens.   Kawan começou a postar na plataforma em setembro (Foto: @masculicidade) "Eu também tenho meu CLT (emprego de carteira assinada), meu trabalho paralelo a isso. Tenho uma casa para cuidar, uma vida além disso. Mas tem sido uma experiência bem divertida, é uma cena muito grande", conta o jovem, que trabalha em um cargo de suporte para uma empresa de tecnologia. Ele já faturou US$ 85 com o conteúdo, que vai se conteúdo explícito a ensaios sensuais completos, como as pessoas pedirem. Para Kawan, ainda é algo que está 'brincando', mas não descarta que, no futuro, se torne sua atividade principal. "Eu sempre gostei desse tipo de coisa, de exibicionismo, de aparecer, dessa troca, esse flerte. Estar em segurança é a parte que mais me atrai, poder me expressar do jeito que eu quero por foto, vídeo. De início, entrei por gostar. Depois, veio o interesse maior no lucro", completa. 

No Instagram: @kawangodoy 

‘Divido meu tempo entre meu trabalho, casa e filha’

A primeira tentativa da criadora de conteúdo Thamires Moura, 26, com o OnlyFans não prosperou muito. Era 2019 quando viu que uma amiga estava divulgando o próprio conteúdo dessa plataforma nova. Thamires criou a conta, mas não deu seguimento porque não sabia como usar. 

Até que, no fim de 2020, conheceu outra colega de rede social que estava dando um curso de OnlyFans. "Ela me colocou gratuitamente no grupo dela e começou a me ensinar o que podia dar certo, o que não podia, o que o público gringo poderia gostar. De 2020 para cá, tem sido minha principal fonte de renda", explica Thamires, que é conhecida nas redes como Folgosa. 

O foco dela passou a ser mesmo os usuários estrangeiros, inclusive os que têm fetiches. Thamires já tinha sido camgirl antes, entre 2014 e 2016. Nas lives que fazia, os clientes perguntavam: 'Você faz pacote?'. Ela não sabia do que se tratava.

"Em 2016, fiquei grávida e não podia fazer tantas lives, então comecei a investir em fotos e vídeos para os pacotes, os tais packs. O pack do pezinho é uma categoria, mas existem várias", conta. 

Hoje, é ao OnlyFans que Thamires se dedica mais, até por conta da moeda. A facilidade de poder programar os conteúdos - e não ficar presa em frente a um computador como nas lives - foi um dos atrativos. Assim, consegue ter um faturamento médio mensal de US$ 2 mil a US$ 3 mil. Em dezembro, fez US$ 5 mil. Thamires valoriza a possibilidade de trabalhar em casa (Foto: Thais Silvestre e Xplastic) "Mas conheço meninas que faturam muito mais, como essa do curso, que vai de US$ 15 mil a US$ 20 mil por mês. Só que ela não trabalha sozinha, tem já uma equipe na produção dela, que fica respondendo mensagens em tempo real. Os gringos gostam muito de sexting. Eu trabalho sozinha e divido meu tempo entre casa, trabalho e filha". Como tem um público fetichista, Thamires investe nesses conteúdos, mas também em postagens de seu cotidiano - quando acaba de acordar, tomando café da manhã ou em um banho de piscina. De seus 770 assinantes, ela acredita que apenas cinco sejam brasileiros. 

Em casa, o marido é um de seus grandes apoiadores. "Quando eu comecei, foi mesmo por questões de grana. Eu sempre gostei do exibicionismo. Quando comecei a namorar meu marido, com 16 anos, a gente brincava de se exibir na webcam, no MSN, e eu achava aquilo o máximo. Não imaginava que, dez anos depois, seria a minha profissão", diz. 

Para ela, é uma forma de exaltar a sensualidade de mulheres que estão fora dos padrões. Pela própria experiência, Thamires acredita que seu público gosta de mulheres com aparência natural. "Meu lugar de fala é de uma mulher negra gorda. É difícil a gente ser aceita pela sociedade como uma mulher bonita e meu trabalho me ajudou muito. Eu amo o exibicionismo também pela questão da autoestima. O dinheiro acaba sendo um bônus que deixa tudo melhor ainda". 

No Instagram: @folgosa.sgh

‘A exposição na internet é um caminho sem volta’

"Eu sempre tive um perfil exibicionista e, em 2020, eu estava sem dinheiro, morando com meus pais, preso em casa pela pandemia e descobri o Onlyfans através de outro criador, no Twitter". Esse é o relato do criador de conteúdo Pinky Kinky, 28, que, dali mesmo, diante das dificuldades financeiras, decidiu experimentar o site. 

Naquele momento, foi pegando dicas com o colega de profissão, que acabou se tornando um mentor. Pinky começou a desenvolver o próprio conteúdo - erótico ou pornográfico amador. De acordo com ele, ao menos 90% de seus vídeos são gravados com o celular até para valorizar a estética amadora. Logo chegou o público fetichista - e o nome pelo qual se tornou conhecido é até uma maneira de atingir os estrangeiros. 'Kinky', no inglês, diz respeito ao que é excêntrico. Na sexualidade, pode indicar práticas ou fantasias pouco convencionais. 

Dois anos depois, Pinky segue sem um 'trabalho CLT', apesar de ter se tornado um pesquisador no mestrado na Universidade de São Paulo (USP), Sem bolsa, sua renda vem hoje da pornografia. "Digo que é da pornografia e não especificamente o OnlyFans porque trabalho com outras plataformas também. Hoje, o OnlyFans representa 50% da minha renda. No começo, era difícil, bem sofrido conseguir seguidores. Conforme fui crescendo nas redes sociais, Twitter e Instagram, fui conseguindo captar um público maior", explica. 

A renda é variável, mas ele estima que, em alguns meses consegue faturar até R$ 2 mil com o OnlyFans. Em outros, fica em torno de US$ 1 mil. Mas, para ele, o melhor é a segurança, que nem sempre faz parte de todos os tipos de trabalhos sexuais ou sensuais. "Você se sente desejado na internet, recebe mensagens, é assediado nas redes sociais. Isso faz muito bem pro ego. Por outro lado, eu percebo uma dominância de certos tipos de corpos sobre outros que não é sadio nem para a indústria nem para a sociedade em geral. A gente vê quais tipos de corpos fazem sucesso e quais sofrem para conseguir sucesso", avalia.  Com o trabalho em plataformas como o OnlyFans, Pinky conquistou independência financeira (Foto: Joaquim Araújo) Entre a família e os amigos, a nova carreira não foi uma surpresa. Quem conhecia já sabia que sempre tinha sido o oposto da pessoa envergonhada. Mas Pinky ressalta que a independência financeira não vem sem alguns problemas que devem ser analisados. Criadores de conteúdo adulto não estão livres de haters com suas mensagens de ódio, por exemplo. 

"É importante as pessoas pensarem se realmente bancam o personagem que querem colocar nessas redes. Você está com seu corpo, seu rosto, seu sexo. As pessoas comentam e às vezes sai um pouco de proporção. A exposição na internet é um caminho sem volta. Tendo dito isso, diria que é um caminho bem gostoso", acrescenta. 

No Instagram: @pinky_kinky 

Passo-a-passo para se tornar um criador de conteúdo no OnlyFans 

>> Abra o site www.onlyfans.com e clique em 'Inscreva-se'. >> É preciso confirmar que você tem mais de 18 anos, por isso, o site tem um processo de verificação das suas informações e da identidade.  >> O processo inclui o envio de uma foto da frente de algum documento de identificação válido no país - passaporte, CNH, RG, etc.  >> Além disso, você precisa enviar uma selfie segurando o documento. Deve tomar cuidado para que o rosto e o documento fiquem visíveis.  >> Uma vez enviadas as fotos, é preciso esperar um prazo de 72 horas para que os documentos sejam revisados. Se tudo for aprovado, sua conta pode ser criada.  >> As assinaturas podem ir de US$ 4.99 a US$ 50. Cada criador deve escolher o seu valor.