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Da Redação
Publicado em 23 de dezembro de 2019 às 05:10
- Atualizado há 2 anos
O chulé de um traficante foi a peça chave para que policiais militares de Valença, no sul da Bahia, conseguissem prender, neste ano, ele e mais dois comparsas. No desespero da fuga, o homem, ‘cinderelo do crime’, deixou para trás uma sandália, elemento decisivo para que os oficiais identificassem a rota de fuga dos criminosos do bairro da Graça, região conhecida do município pelo tráfico de drogas. Quem ajudou a seguir o rastro do fedor foi Kyra, uma cadela da raça pastor-belga malinois, pertencente à 33ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM).>
Em todo o país, tradicionalmente os cães sempre foram usados para a identificação de entorpecentes. Agora, a PM da Bahia quer apostar nestes animais como ferramenta para a busca de foragidos. Desde o ano passado, a corporação tem oferecido um curso chamado de ‘mantrailing’, uma técnica de busca de odor popular nos Estados Unidos. Só nesta última semana, 18 cães do estado e também de Sergipe foram capacitados pelo Grupamento de Busca e Resgate Brasil, através do Batalhão de Polícia de Choque da Bahia.>
“Os policiais desconfiavam que os suspeitos fugiam por uma determinada rota e aí, através das sandálias que eles deixavam para trás quando fugiam, nós aplicamos Kyra e ela descobriu uma rota diferente da que os policiais suspeitavam, ela achou uma trilha”, comenta o tenente-coronel Alexandre Costa de Souza, comandante da 33ª CIPM, que possui ainda outros três cães da raça bloodhound: Surah, Blood e a caçula Brunna, de apenas quatro meses.>
Após o treinamento finalizado neste domingo, Brunna tornou-se a primeira cadela com a certificação mais rápida do país para realizar a busca de pessoas. Em Salvador, as atividades práticas do curso foram realizadas na Praia do Flamengo, Dique do Tororó, Pelourinho e em áreas da Força Aérea Brasileira.>
Desafios urbanos De acordo com a capitã Samanta Lacerda, da Companhia de Operações com Cães, a polícia já tinha um procedimento de busca de foragidos em áreas de mata, mas nessa técnica os cães buscavam qualquer pessoa que estivesse embrenhada na vegetação. O foco da polícia agora é capacitar os cães para encontrar pessoas no meio urbano, em locais onde há grande circulação de gente. A atuação dos cachorros na cidade é bem mais complexa. Enquanto o meio rural costuma ser mais silencioso e com menor circulação humana, a urbanização impõe outros desafios aos bichos, como barulho de carros, maior diversidade de odores e presença de animais de rua, que podem tirar o foco nas buscas. Fatores como vento, vegetação e temperatura também interferem no olfato do animal.>
“A gente quer buscar o máximo de situações em que se possa usar os cães como ferramenta. Na cidade, temos locais que tornam mais difícil a busca e a gente vai analisando o comportamento do cão e direcionando para que ele fique mais focado”, explica Lacerda.>
Uma das possibilidades de aplicação dos cachorros na cidade é, sobretudo, no auxílio à elucidação de roubos de veículos. Se um criminoso rouba um carro e depois o abandona, os policiais podem colher material biológico do banco e volante do veículo e colocar os animais no encalço dos suspeitos. “O treinamento auxilia a encontrar a pessoa específica, em qualquer ambiente, através do cheiro dela. Para o cão, isso funciona como uma impressão digital”, afirma a capitã. >
Cadela pioneira Depois de ter participado dos dois treinamentos da PM, Kyra já conseguiu grau máximo na atividade e ela é, atualmente, a primeira cadela no Norte e Nordeste formada com a técnica de ‘mantrailing’.>
As habilidades dela são descritas pelo seu tutor, o tenente-coronel Alexandre. “Quando coletamos o odor e tocamos fogo, ela é capaz de identificar a pessoa pela fumaça do objeto. Se num grupo de pessoas, alguém se afastar, ela vai identificar o cheiro de quem está faltando. Depois desse treinamento de simulação, ela também é capaz de encontrar alguém dentro do mar com água até o pescoço, para casos de pessoas que entraram na praia e se afogaram”, enumera.>
Mas como entender a linguagem do animal no meio do processo? O oficial ilustra com a situação hipotética de busca numa trilha, em que a cadela, orientada pelos policiais, segue um determinado cheiro. Se o indivíduo passou pelo local, o cão pode latir e sinalizar a presença de algum indício. Se não houver nada por ali, o cão costuma sentar e ficar parado, como se dissesse que não há nada para averiguar ali.>
Foi a partir da troca de conhecimentos nos treinamentos que a polícia vem aprendendo que a raça bloodhound é a mais indicada para essas atividades. Em abril deste ano, a Polícia Civil também adquiriu um animal para reforçar o canil da Coordenação de Operações Especiais (COE). Com uma média de 450 milhões de células olfativas, um bloodhound tem olfato superior ao dos cães pastor-alemão e malinois. “É uma raça com um faro muito aguçado, com o dobro da capacidade dos outros cães. Ele é inteligente e tem impulso de caça. Para essa técnica específica, eles são os ideais porque têm também uma resistência física maior e suporta longas caminhadas”, explica a capitã da Companhia de Operações com Cães.>
Interior A técnica de busca com cães já está sendo expandida para as unidades da Polícia Militar no interior do estado nas cidades de Feira de Santana, Vitória da Conquista e Barreiras, que até o momento estão trabalhando com cães filhotes recém-treinados.>
“Começamos a divulgação em dezembro do ano passado com as formações continuadas, palestras e nas reuniões com comandantes, que vão passando para os seus efetivos. É uma técnica nova e o nosso pessoal está começando a conhecer, iniciando as solicitações de animais para solucionar os crimes”, afirma a capitã Lacerda.>
Origem do mantrailing data do século XII Foi por volta do século XII, na Bélgica, que surgiu o método apelidado de mantrailing, empregado na busca de pessoas desaparecidas ou fugitivas. De acordo com Ana Beatriz Albernaz, instrutora do Grupamento de Busca e Resgate Brasil, a tradição surgiu a partir de um nobre que se converteu ao cristianismo e passou a criar cães da raça bloodhound no Convento Santo Humberto, localizado no país europeu. Depois, passou a utilizá-los para a busca de pessoas perdidas na comunidade.>
“A gente tem registro da polícia norte-americana utilizando o método há pelo menos dois séculos, sobretudo no estado da Virgínia, e também de fazendeiros que no passado usavam para buscar escravos negros fugitivos”, afirma Albernaz, que conheceu o mantrailing há cerca de 15 anos. Desde então, a profissional vem ajudando a disseminá-lo pelo Brasil.>
Quer ajuda canina? Serviço Se você tem um familiar ou conhecido desaparecido e acredita que os cães podem ajudar a encontrá-lo, basta fazer o Boletim de Ocorrência informando o sumiço e solicitar o serviço pelo ramal 190. Outra opção é entrar em contato com o Grupamento de Busca e Resgate (GBR Brasil) através do e-mail grupamento.gbr. [email protected]. O GBR Brasil é uma instituição sem fins lucrativos formada por voluntários, que inclui policiais, bombeiros, guardas municipais e adestradores civis de todo o país.>