Choro e sangue no posto de saúde: refém relata 3h de medo

Vítimas ficaram de pé durante negociação na Santa Cruz; bandidos estavam feridos

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  • Tailane Muniz

Publicado em 13 de dezembro de 2018 às 01:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Almiro Lopes/CORREIO

Algumas delas sequer se conheciam. Outras, já haviam se visto algumas vezes, mas não tinham proximidade. As 16 pessoas que foram mantidas em cárcere privado por quatro suspeitos que invadiram, na tarde de segunda-feira (10), o Centro de Saúde Osvaldo Caldas Campos, no bairro de Santa Cruz, em Salvador, compartilharam, no entanto, os sentimentos de medo e insegurança durante as três horas que ficaram sob o domínio dos criminosos.

Após negociação com militares do Batalhão de Operações Especiais (Bope), intermediadas por mães de suspeitos, todas as vítimas conseguiram sair da unidade sem qualquer ferimento. Em contato com a reportagem, um dos reféns afirmou, nessa quarta-feira (10), que ninguém foi ameaçado durante a ação.

Sem se identificar, o rapaz revelou que uma das vítimas mais abaladas era a menina de 12 anos. Filha de uma agente comunitária, a garota chorou durante todo o tempo.

Divididos em duas salas, sendo 15 na administração e um na farmácia do posto, todos permaneceram de pé, já que os dois ambientes estavam "tomados pelo sangue" dos suspeitos feridos. 

A vítima contou que Caíque Silva Cerqueira, 19, último a se render, estava armado, dentro da farmácia, com uma das vítimas - uma mulher. Já os demais reféns ficaram sob a fiscalização de Jeferson Oliveira Silvany, Erick dos Santos Batista e Danilo Santos Nascimento, 28, que não tinham armas. Conforme a vítima, apesar do ocorrido, ninguém foi ameaçado de morte ou agredido.

Segundo o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), todos os suspeitos tiveram prisão em flagrante convertida para preventiva em audiência de custódia realizada nessa quarta. Os quatro já foram encaminhados para o Complexo Penintenciário da Mata Escura, onde estão à disposição da Justiça. 

Veja o relato do refém:

Eu estava na sala da administração, junto com outros funcionários, quando eles chegaram. Pouco antes da invasão, ouvimos tiros. Eles chegaram com medo, estavam acuados, entraram lá por isso. Ali é uma rua sem saída, eles teriam entrado em qualquer outro lugar que pudesse servir de fuga.

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A princípio, apenas disseram que deveríamos ficar ali naquela sala [outras pessoas que aguardavam em outros corredores foram levadas para lá]. Então ficamos ali com os três, que não estavam com arma.  Eles avisaram, sim, que havia um outro rapaz, mas não deram detalhes do que ele faria, estava fazendo, nem ameaçou nesse sentido.

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Nós ficamos por três horas em pé, porque a sala tinha muito sangue espalhado pelo chão. Era um ferido no pé, outro no braço, outro na perna. Não havia onde sentar, mas isso era o de menos. Eles fecharam as portas do posto e permaneceram por quase todo momento dizendo que não matariam a gente, mas que precisavam fazer aquilo para garantir as vidas deles.

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Imprensa e famíliaEu não vi Caíque. Fomos avisados que ele estava em outra sala pelos três, mas nós não vimos e nem ouvimos a voz deles. Apenas de longe, quando o policial do Bope se aproximava para negociar. Eles falavam o tempo inteiro: 'a gente só vai sair e liberar todo mundo se nossas mães chegarem e a reportagem ou nada feito'. Não falavam em matar a gente, mas falavam em não sair.

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A presença da mãe de Caíque e do outro rapaz foi muito importante para nossa liberação. Apesar de não ter sido agredido, eu tinha medo, porque eles tinham muito medo também.

PânicoHouve pânico de alguns, porque a gente sentia insegurança, já que eles mesmos estavam inseguros. Uma pessoa, paciente, passou um pouco mal, ela é hipertensa. Ficou apavorada, com medo de morrer. Eu tive muito, mas muito medo de morrer. Trabalho ali há algum tempo, mas nunca tinha visto nenhum deles, então não tinha uma relação de qualquer amizade ou proximidade.

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A adolescente de 12 anos também entrou em pânico, ficou traumatizada. Ela estava com a mãe, uma agente comunitária, e não parou de chorar durante todas as horas que ficaram ali dentro com a gente, todo mundo de pé.

TranquilosEles estavam tranquilos, apesar do medo. Quando as mães chegaram, ficaram ainda mais. Eles também comemoraram a chegada da imprensa. Eu sei que Caíque foi o último a ser liberado, porque nós já estávamos do lado de fora quando ele ainda ficou dentro da farmácia, sem querer se render, e a mãe lá, tentando convencer ele.

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PazA sensação de passar por aquela porta andando, bem, sem ferimentos, foi de paz e renascimento. Nem moro ali, mas foi como se eu tivesse chegando na minha casa, só de ver a rua de novo. Felizmente, tudo correu bem. Eu tenho muito que agradecer a Deus, pela minha vida e daquelas pessoas que, junto comigo, viveram aquela pesadelo. 

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Eu já prestei depoimento à polícia, no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), como a maioria. Hoje, não gosto nem de comentar e eu fico arrasado só de pensar nisso. Tudo o que mais quero é esquecer.