Com medo, estudantes da UFSB deixam de usar computadores com programa espião

Mais de 40 estudantes identificaram o programa funcionando; sindicância interna corre em sigilo

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  • Gabriel Amorim

Publicado em 29 de outubro de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação UFSB

Conversas de WhatsApp, senhas de banco e até fotos íntimas salvas por um programa espião instalado no computador. Foi exatamente isso que viveram pelo menos 42 estudantes da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). Eles descobriram um programa de monitoramento funcionando nos computadores entregues pela universidade para acesso às aulas - que acontecem de forma remota por conta da pandemia. 

Segundo o Diretório Central dos Estudantes (DCE), 265 universitários foram beneficiados por edital publicado pela Pró-Reitoria de Ações Afirmativas com o empréstimo de notebooks para que os alunos pudessem acessar às aulas on-line. Duas semanas atrás o órgão estudantil recebeu a denúncia da primeira estudante que identificou o programa espião funcionando. Desde então, outros 41 jovens já reportaram o mesmo problema, todos estudantes do campus Sosígenes Costa, em Porto Seguro.

“Todas as conversas em WhatsApp Web que eu tive no computador estavam lá salvas. No meu caso não fui tão exposta porque coloco adesivo na câmera do computador, então não tinha foto pessoal minha. Não sei o que teria sido salvo se eu não tivesse tido esse cuidado. Eram quase dois mil prints da tela do meu computador em todas as atividades que fiz”, conta uma das estudantes atingidas pelo problema, que pediu para não ser identificada. 

Depois das denúncias feitas pelos estudantes, a UFSB instalou uma sindicância formada por pró-reitores e servidores para investigar o caso e determinar a origem do programa. A instituição nega qualquer prática que viole a privacidade dos alunos. “A Administração esclarece que respeita a privacidade de seus acadêmicos e que não adota nenhum mecanismo que fira esse direito”, disse em nota publicada na última quinta-feira (22), quando a sindicância foi anunciada. 

Procurada pelo CORREIO, a universidade informou que, até o momento, foram recolhidos cinco notebooks pela sindicância, que tem até 60 dias para concluir as investigações, que correm em sigilo. “Foram recolhidos os computadores dos estudantes que assim desejaram, fazendo um novo empréstimo aos estudantes que solicitaram. Nenhum dado ou software instalado será removido nesse momento. Os computadores estão em análise pericial pela equipe técnica da Protic e estarão à disposição da Polícia Federal para continuidade das investigações”, diz a nota enviada pela UFSB. 

Ainda segundo a instituição, os trabalhos realizados pela sindicância podem gerar processos administrativos disciplinares internos, que não impedem ações penais movidas pela Polícia Civil. “Internamente, após os resultados conclusivos da comissão de sindicância, a Universidade pode encaminhar para abertura de processos disciplinares administrativos. Em paralelo, para além das ações da comissão de sindicância, a UFSB deve solicitar junto à Polícia Federal o pedido de abertura de investigação do caso”, diz a nota. 

Medo Quem teve a vida privada invadida pelo programa diz que não se sente mais seguro em utilizar o equipamento da universidade para assistir às aulas.“Entre os estudantes que acharam o programa instalado nos computadores, teve gente que encontrou fotos íntimas salvas pelo programa, dados bancários, incluindo senhas. Tudo encontrado na pasta do aplicativo. Está todo mundo muito fragilizado, sem querer falar muito no assunto”, relata uma das vítimas. Juntos, os alunos dizem estar buscando meios de reparação judicial independentemente dos resultados da investigação interna realizada pela UFSB. O CORREIO procurou o Ministério Público Federal (MPF) para ouvir um parecer sobre o caso, mas não teve resposta até o fechamento deste texto. 

Quanto aos computadores, o DCE orientou os alunos a não fazer qualquer uso das máquinas. Quem passou pelo susto de ver suas informações salvas também não quer usar. “Mesmo quando o computador não está conectado a internet ou quando fechamos o programa no gerenciador de tarefas ele segue funcionando. Então não vou usar. Porque não sabemos quem instalou, qual a intenção dessa pessoa, se é servidor da universidade, um estudante, quais as intenções das pessoas, se ela vai conseguir acesso à informação ou não. Então não vou me expor mais”, diz a aluna

Responsabilidade objetiva Apesar da negativa da UFSB que alega não ter instalado os programas nas máquinas, especialistas apontam que a instituição deve responder objetivamente - ou seja, independentemente de culpa - pelos danos causados aos alunos que tiveram sua privacidade violada. O que ocorreu com os estudantes é, segundo profissionais, o chamado crime de roubo de informações e está previsto na Lei 12,737/12.

“Esses computadores não poderiam ter sido entregues aos alunos sem antes ter passado por uma triagem no setor de tecnologia. Teria que ter sido feito feito uma varredura no equipamento para garantir que ele não tivesse nenhum programa ou vírus que viesse a roubar informações de terceiros. Isso precisava ter sido feito pelo próprio setor de tecnologia da Universidade”, explica a advogada especialista em direito digital, Ana Paula de Moraes. 

Segundo a profissional, a ausência de verificação prévia  - que teria identificado e retirado os programas - faz com que a UFSB responda pelos prejuízos causados independente da origem do programa. “Na medida que a Universidade entrega um computador comprometido com um programa que roubava informação dos alunos existe no mínimo má-fé, podendo ser considerado inclusive crime de roubo. A responsabilidade é da universidade, e é objetiva”, diz Ana que explica que, em paralelo à investigação policial do crime, os alunos podem solicitar indenizações por danos morais em razão de terem tido suas informações roubadas. 

A profissional chama atenção, ainda, sobre cuidados a serem tomados por quem usa computadores de terceiros “Toda as vezes que alguém vai usar um aparelho emprestado, alugado, é importante fazer um rastreamento, passar um antivírus, instalar programas de barreiras que impeçam o acesso de outras pessoas, antes de inserir qualquer informação, como forma de proteger os dados e imagens que vão ser inseridos ali”, orienta.  

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro