Com o pé no acelerador: multas por velocidade crescem 32% no primeiro semestre

Outras infrações de fiscalização eletrônica, como avanço de sinal, também subiram no comparativo com 2019

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  • Gabriel Amorim

Publicado em 20 de julho de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Evandro Veiga/Arquivo CORREIO

Desde que a quarentena começou, ainda em março, foram apenas algumas saídas até a casa da mãe. Em uma das poucas vezes em que fez o caminho entre o Rio Vermelho e Piatã um resultado indesejado. Mesmo em isolamento, a empreendedora Ticiana Amorim, 29, recebeu uma multa por ultrapassar em cerca de 3 km/h o limite de velocidade de um dos trechos do trajeto - ela e outras 174.438 pessoas. O número de multas por excesso de velocidade em Salvador, no primeiro semesre de 2020, foi 32,1% maior do que no mesmo período de 2019.

A infração cometida por Ticiana, quando a velocidade é excedida em até 20% do permitido, é a campeã do ranking de multas soteropolitanas e cresceu na quantidade de ocorrências quando comparados 2019 e 2020. Chama a atenção o fato de o número de notificações ter saltado de 132.039 no primeiro semestre de 2019 para 174.439 agora em 2020, mesmo com a redução do número de veículos nas ruas, segundo dados da Transalvador.“Eu sou, realmente, muito desatenta, então costumo sempre receber multas de velocidade. Nunca passa muito mais que dois ou três quilômetros do limite, mas acaba sendo recorrente, de chegar a receber umas dez multas no ano”, relata a empreendedora.Se, no caso de Ticiana, a desatenção é a culpada, para os especialistas não é esse o motivo que acabou gerando o crescimento no número de infrações de maneira geral. A redução no número de carros na rua pode estar diretamente ligada a esse aumento. 

“Os equipamentos de fiscalização estão funcionando. E justamente pelo fluxo menor de veículos, as ruas estão mais livres, e com as ruas mais livres, percebemos que as pessoas estão abusando um pouco mais da velocidade. Então, existem locais em que, em alguns momentos do dia, você não tinha nem como desenvolver velocidade em razão do volume de carros, dos congestionamentos, e isso não está acontecendo, o que acaba estimulando e levando as pessoas a excederem o limite de velocidade”, acredita Fabrizzio Muller, superintendente da Transalvador. 

O aumento no número de infrações de velocidade acende um alerta justamente em razão de uma característica preocupante desse tipo de ocorrência: os acidentes.“Isso nos preocupa principalmente porque velocidade ainda é um dos principais motivos de acidentes com gravidade e o que a gente não pode ter agora é um risco no aumento dos acidentes de trânsito para não causar uma pressão maior no sistema de saúde”, alerta Muller. O CORREIO solicitou o número de atendimentos em hospitais da capital por acidentes de trânsito durante a pandemia. A Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) informou o número total de atendimentos este ano, até o dia 7 de julho: 8.522 em todo o estado. O número corresponde a 32% do total de atendimentos do mesmo tipo  em todo o ano de 2019, quando 26.078 pessoas deram entrada em hospitais do estado por conta de acidentes de trânsito.

Fluxo Desde 17 de março, quando começaram as medidas de isolamento, o trânsito da cidade vem sendo monitorado diariamente. O número de veículos nas ruas teve seu recorde máximo de redução - em 66% - no dia 21 de abril, uma terceira-feira, feriado de Tiradentes. Neste dia, ao invés da média normal de carros de 619.728, circularam pela cidade 211.006. O dia com menor redução no fluxo foi também o primeiro dia em que o monitoramento registrou alguma queda - 13% a menos de carros nas ruas, no dia 19 de março, uma quinta-feira.

Desde o dia 11 de maio, no entanto, Salvador não registra uma redução de fluxo de veículos superior a 50%. No início do monitoramento, as maiores quedas aconteciam justamente nos finais de semana e feriados, sobretudo aos domingos. Até o dia 1º de maio, duas sextas-feiras registraram redução considerável (-59% no dia 10 de abril e -61% no dia 1º de maio). Desde junho, as segundas e terças-feiras têm sido os dias com mais carros nas ruas.

Os cálculos são realizadas levando em conta os números de circulação em cada dia em comparação com um dia correspondente do chamado mês de referência. Esse 'mês' é obtido através de uma média da circulação de veículos em dias comuns, onde o trânsito não sofre qualquer tipo de alteração em razão de eventos, feriados ou até férias escolares.

Além da redução de veículos nas ruas, o que também caiu foi a arrecadação. Apesar do crescimento do número de algumas infrações, uma determinação especial suspendeu os prazos de defesa das notificações durante a pandemia, o que impede as cobranças de serem efetivadas. 

“Houve uma queda de arrecadação em relação a anos anteriores porque o aumento no número de notificações não reflete de imediato. O período de recurso ao qual o motorista tem direito está suspenso, então as notificações não estão se convertendo em penalidades”, detalha o superintendente, que explica que os recursos gerados pelas multas são destinados por lei geralmente a ações ligadas ao próprio trânsito. 

Outros aumentos  Além do excesso de velocidade, outras infrações também aumentaram dentre as dez situações que mais geraram multas em Salvador no comparativo entre o primeiro semestre de 2019 e o de 2020. Subiram também os números para avanço em sinal vermelho e para o tráfego em via exclusiva de ônibus.  Em comum, todas essas infrações são fiscalizadas por meio eletrônico. 

Para Muller, o tipo de fiscalização, em conjunto com mudanças que o próprio isolamento causou, é o que gera o aumento.“Existem infrações que são completamente fiscalizadas pelos agentes. Com o início da pandemia, por uma necessidade de apoio, concentramos os agentes nas ações de proteção à vida, sobretudo na área de saúde. De certa forma, isso diminui a fiscalização de infrações por parte dos agentes”, explica o superintendente, destacando que o mesmo não ocorre com as situações em que a fiscalização é eletrônica.Além do limite de velocidade, infração que é dividida em três categorias a depender do quanto se está acima do permitido, outras duas infrações apresentaram aumento em relação a 2019. O avanço de sinal vermelho foi o que mais aumentou, com um crescimento de  75,7%  (passando de 8.365 para 14.603). O aumento fez a infração saltar da 5ª colocação em 2019 para a 3ª mais recorrente no primeiro semestre deste ano. Já a multa por transitar em faixa exclusiva de ônibus passou do 4º para o 2º lugar, com um aumento de 71,5% (de 10.301 para 17.670 casos)

Sensação de liberdade Quem foi pego dirigindo na faixa de ônibus foi o engenheiro Maurício Sousa, 44, que levou duas multas por transitar na faixa dos ônibus da Avenida Paulo VI, na Pituba.“Foi numa saída rápida para ir no mercado, e eu acabei me descuidando. Confesso que também achei que por conta  da pandemia os radares não estivessem funcionando, até receber as notificações em casa", relata. Este é, segundo especialistas, um dos motivos que podem gerar também esse aumento. “Um fenômeno não acontece só por uma razão, é claro que as vias mais livres colaboram para que a pessoa e acabe cometendo as infrações, mas existe um outro fator que está ligado à sensação de anonimato que já existe por se estar dentro do carro, e que nesse período pode se intensificar”, explica o professor Rodrigo Ramalho especialista em comportamento humano no trânsito.

Ele explica que o veículo já funciona como um disfarce que possibilita certos comportamentos e que, durante a pandemia, isso pode ganhar força e acabar gerando mais infrações.“Com o isolamento a sensação de não estar sendo vigiado pode aumentar, e nós fomos educados a obedecer uma autoridade e não a regra. Por isso, quando não sentimos que estamos sendo vigiados, achamos que a fiscalização não está acontecendo, somos mais propensos a avançar o sinal, dar uma roubadinha, ou exceder o limite de velocidade”, detalha o professor.  Para além das mudanças de comportamento, o isolamento modifica também o trânsito, o que não deixa de gerar alterações na intensidade da fiscalização. “Com menos carros, algumas situações comuns do trânsito de uma grande cidade acabam diminuindo. Congestionamentos, locais mais complicados em função das escolas. Então os problemas mudaram, diminuíram em um sentido. O foco então, como não poderia ser diferente, foi a saúde”, explica o superintendente da Transavador  

Essa mudança de foco, que gerou a realocação dos agentes de trânsito, contribuiu também  para a alteração no  comportamento dos motoristas até em infrações que não tiveram aumento refletido no número de ocorrências justamente por dependerem de um agente para notificar. Com a proximidade de flexibilizações, e a reabertura da cidade, os agentes devem intensificar novamente as fiscalizações “É notável um desrespeito ao estacionamento, um aumento do estacionamento irregular, então a medida que a flexibilização for acontecendo, vamos precisar ampliar de fato a fiscalização, para que a gente não tenha prejuízos no momento do retorno”, acredita Muller.

Quanto custa? Veja quanto custam - em dinheiro e em pontos na carteira - as dez infrações mais cometidas em Salvador esse ano. Os valores e gradações são determinados pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e 20 pontos acumulados podem gerar a suspensão do direito de dirigir. 

- Transitar em velocidade superior à máxima permitida em até 20% - Média - 4 pontos - R$ 130,16 - Transitar na faixa ou via exclusiva regulam. p/transp. públ. coletivo passag.- Gravíssima - 7 pontos - R$ 293,47 - Avançar o sinal vermelho do semáforo - fiscalização eletrônica - Gravíssima - 7 pontos - R$ 293,47 - Estacionar em desacordo com a regulamentação - estacionamento rotativo - Grave - R$ 195,23 - Transitar em velocidade superior à máxima permitida em mais de 20% até 50%  - Grave - R$ 195,23 - Transitar em local/horário não permitido pela regul estabelecida p/autoridade Média - 4 pontos - R$ 130,16 - Estacionar em local/horário proibido especificamente pela sinalização Média - 4 pontos - R$ 130,16 - Estacionar no passeio  - Grave - R$ 195,23 - Dirigir veículo manuseando telefone celular - Gravíssima - 7 pontos - R$ 293,47 - Deixar o condutor de usar o cinto segurança  - Grave - R$ 195,23

*Com orinetação da subeditora Clarissa Pacheco