Comerciantes de Cosme de Farias são extorquidos por traficantes de facção

Após denúncias no Lobato, vítimas dizem que pagam entre R$ 50 e R$ 200 semanalmente

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  • Bruno Wendel

Publicado em 10 de setembro de 2020 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/ CORREIO

O que parecia ser um problema exclusivo e recente do bairro do Lobato já acontece há bastante tempo em Cosme de Farias. Lá, a mesma facção, Comando da Paz (CP), vem cobrando taxas semanais aos comerciantes há, pelo menos, 15 anos. A maioria dos donos de lojas no entorno da Rua Cosme de Farias, a principal do bairro, com um pouco mais de 1 km de extensão, paga o “pedágio” para não ter seu estabelecimento arrombado ou assaltado pelos próprios traficantes da área. A obrigatoriedade do pagamento atinge também as lojas do bairro que ficam no entorno da Avenida Bonocô.

Os valores cobrados pela CP variam entre R$ 50 e R$ 200. “Eu pago R$ 50 todos os sábados desde quando cheguei, há mais de 15 anos. Quem tem mercadinho paga R$ 100, porque tem um fluxo maior de pessoas e é lógico que circula mais dinheiro. Agora, tem lugar aí que paga R$ 200, restaurante por exemplo”, disse a dona de uma lanchonete ao CORREIO. Ela e os outros entrevistados concordaram em falar sem serem identificados.  

Apesar da obrigatoriedade, não há relatos de comerciantes que tenham sido punidos pelo não pagamento. “Isso é um problema antigo, as pessoas meio que acham normal, uma forma de saber que eles (traficantes) não vão mexer com a gente. Todo mundo é nascido e criado aqui, comerciantes, traficantes. Como não tenho para onde ir, prefiro não arriscar e o meu pensamento é o da maioria”, disse o dono de um bar que paga o “pedágio” de R$ 50.

Mas no Lobato, onde a CP vem ganhando espaço, os comerciantes que não pagam a “taxa de segurança” são punidos com a morte, conforme denúncia exclusiva do CORREIO. Foi o que aconteceu com Robson dos Santos Batista, 35. Robson foi morto a tiros junto com o sobrinho, no ferro-velho da família, no Lobato, em julho do ano passado. Com medo, muitos donos de ferros-velhos têm fechado as portas.

A Polícia Civil informou, por meio de nota, que está “investigando a cobrança de ‘pedágio’ para os traficantes, inclusive com algumas prisões já representadas e deferidas pelo Poder Judiciário”.

Mas em relação à situação dos comerciantes extorquidos por traficantes em Cosme de Farias, a PC informou na nota que “não há registro relacionado aos crimes em questão, na 6ª DT / Brotas, delegacia da região, e nem no Departamento de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco). Contudo, o Draco realiza constantes investigações sobre atuação de grupos criminosos, em Salvador”. Procurada, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP) corroborou com a nota enviada pela Polícia Civil.

Denúncia Assim como no Lobato, o líder da CP em Cosme de Farias, José Carlos Ferreira dos Santos, o Zóio de Gato, é quem comanda o esquema de extorsão, que começa na entrada do bairro – defronte ao Largo dos Paranhos – e vai até o final de linha. Logo após o CORREIO publicar a matéria mostrando a situação no Lobato, comerciantes de Cosme de Farias tomaram coragem e resolveram falar. Uma das denúncias é de mais um dono de estabelecimento comercial que está no bairro há 15 anos:“Não aguento mais pagar pedágio semanalmente a essa facção criminosa CP. Toda semana são R$ 200, todos nós comerciantes temos que pagar, e quem não paga é roubado e pode ser morto. Cadê as autoridades para ajudar a gente? Cadê o Ministério Público para apurar isso? Várias denúncias já foram feitas e nada até agora foi feito para defender a gente. Até quando nós, comerciantes, pagaremos esse pedágio semanal?”, diz ele, em desabafo enviado à redação do CORREIO.Amigos A dona da lanchonete em Cosme de Farias contou também como é feita a cobrança. “Todo sábado tenho que pagar. Eles mandam dois homens numa moto cobrar. Param em frente e entram na loja. Nunca fizeram nada. Só dizem que é para garantir a segurança, que é ordem de Zóio de Gato. Quando não para dois homens numa moto, um deles vem a pé cobrando pela segurança”, disse ela.

“De fato, desde que venho pagando, minha loja nunca foi assaltada ou arrombada. Se polícia fizesse seu papel direitinho como manda o figurino, nada disso estaria acontecendo”, complementou. A dona da lanchonete contou ainda que há pessoas que não pagam a taxa. “Porque é amigo ou parente dos traficantes. Os bandidos daqui cresceram aqui mesmo e por isso conhecem todo mundo. Alguns são amigos de infância ou vizinhos de comerciantes”, relatou ela.

Bonocô O dono do bar ouvido pela reportagem disse que, desde que começou a pandemia, o pagamento passou a ser feito através de depósitos. “Agora, eles saem raramente para fazer a coleta. Dizem que é para não chamar a atenção da polícia. A ordem é fazer o depósito”, contou.

A cobrança não é realizada somente na via principal de Cosme de Farias. “É feita na parte de baixo também e se estende a ruas que dão na Avenida Bonocô. É muito dinheiro que eles pegam de todos nós, comerciantes. Poucos não pagam. Quem está isento da taxa é quem tem algum tipo de relação com eles”, relatou o dono do bar.

Ainda sobre Cosme de Farias, ele disse ainda que o único estabelecimento que não paga de fato é o supermercado Todo Dia, que fica no final de linha do bairro. “Eles não aceitam pagar e já foram arrombados várias vezes”. Rede Todo Dia não paga 'pedágio' aos criminosos, dizem funcionários (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) Festa do pó Já funcionários do supermercado Todo Dia disseram ao CORREIO que a loja só foi arrombada uma vez. “Foi na greve da polícia. Uma turma ligada a eles acabou presa pela polícia”, disse um dos funcionários. No dia 08 de outubro do ano passado, 31 pessoas foram detidas por arrombamento de duas lojas, uma delas o Todo Dia.

Eles disseram que a loja nunca pagou a taxa e que, certa vez, os traficantes exigiram bebidas e mercadorias para uma festa de fim de ano deles na comunidade. “Lá fora é esse o procedimento que acontece, mas aqui dentro, não. Aqui a gente não paga.  Uma vez vieram pedir para uma festa de Natal deles lá, uma festa do pó. Queriam cerveja, uísque e comida. Tentaram nos intimidar, mas a rede não pagou”.