Comércio abre parcialmente, e clima ainda é tenso em São Marcos

Ônibus voltaram a circular na região nesta sexta-feira (30)

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  • Bruno Wendel

Publicado em 30 de agosto de 2019 às 16:53

- Atualizado há um ano

. Crédito: Bruno Wendel/CORREIO

Os ônibus já voltaram a circular na Via Regional, no entorno do bairro de São Marcos. Os motoristas, que tinham suspendido as atividades no local na manhã de quinta (29), retornaram no início da tarde desta sexta (30). Apesar disso, o clima segue tenso no bairro. 

A Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA), inclusive, apura uma denúncia de que houve toque de recolher no bairro. A suspeita veio após moradores denunciarem que a facção criminosa Bonde do Maluco (BDM) teria enviado mensagens por um aplicativo, informando que haveria um "toque de terror” em São Marcos. A polícia não confirma as ameaças e investiga a situação. Mesmo assim, o policiamento está reforçado no local há três dias porque desde quarta-feira (28) manifestações, ataques e mortes estão ocorrendo na localidade.

Como hoje tem jogo entre Vitória x Botafogo-SP no Barradão, às 21h30, o clube anunciou que todos os ônibus que habitualmente saem da Via Regional sairão a partir da Avenida Mário Sérgio e seguirão para seu destino através de uma rota alternativa. 

Por conta desse clima de terror, nesta sexta-feira (30), por exemplo, o dia amanheceu com o comércio aberto apenas parcialmente na região, já que alguns comerciantes sentiram medo de manter a rotina normal de trabalho. Esse é o terceiro dia consecutivo de problemas desde que dois ônibus foram atravessados na Via Regional, e suspeitos ameaçaram atear fogo.

“Eles [comerciantes] não estão errados. Ontem (quinta-feira), a polícia subia e descia e, mesmo assim, os bandidos agiram pela manhã, com tudo aberto. Ou seja, eles não estão nem aí, estão desafiando a polícia. É lógico que quem tem seu comércio está com medo. E isso reflete na gente, porque é sinal de que as coisas não estão bem por aqui”, disse o almoxarife Fernando Sodré, 40 anos, morador da região.

Ele fez referência ao fato de dois homens armados terem tomado a chave de um ônibus na Via Regional na manhã de quinta, com intenção de atear fogo. Eles fugiram com a chegada da Polícia Militar e o veículo não chegou a ser incendiado. Foi depois disso que os motoristas decidiram suspender as atividades por cerca de 24h.

Os ônibus voltaram a entrar na Via Regional pouco depois das 12h. Pela manhã, quem precisou do transporte público teve que completar o percurso andando. Foi o caso da costureira Maria da Glória Santos e Santos, 45 anos, que teve que saltar do ônibus na entrada da Via Regional.

“Antes de chegar, já ali no hospital (São Rafael), o motorista gritou: ‘Quem vai para a Via Regional vai descer mais à frente e seguir andando’. Ele explicou que era recomendação do Sindicato dos Rodoviários. Preciso chegar à casa de minha irmã, que fica perto do Barradão, e não tenho mais dinheiro. Vou andando”, lamentou ela, que precisou andar por cerca de 1 km. 

No ponto de ônibus que fica em frente ao Hospital São Rafael, estava o comerciante Jorge Palma, 58. Para não ter que concluir o seu percurso "paletando no sol quente", negociou com um mototaxista.

“Preciso pegar meu carro que está numa oficina na Via Regional, mas ir daqui até lá andando é difícil, é desumano pra mim. São quase dois quilômetros nesse sol. Infelizmente, numa situação assim, a gente não tem o que fazer. O mecânico me ligou dizendo que o serviço está pronto e eu trabalho com meu carro, não posso esperar”, contou.  Comércio ficou apenas parcialmente aberto (Foto: Bruno Wendel/CORREIO) Motoristas O CORREIO conversou com Antônio Francisco, 50, que é motorista de um ônibus que faz a linha Boca da Mata/Lapa. Ele tinha acabado de parar em frente ao São Rafael para o desembarque de passageiros, quando seguiu direto, sem entrar na Via Regional.

Segundo explicou, o motorista disse que seguiu a orientação do sindicato, mas confessou não se sentir seguro no local.“Não estamos seguros em nenhum momento. Ontem, eu estava atrás do ônibus que teve a chave levada pelos bandidos. Isso aqui é tensão o dia todo”, reclamou. Motorista da mesma linha, Carlos Antônio disse que também não entrou na Via Regional, mas apenas porque quis obedecer às orientações. “Eu me senti seguro aqui. Não vejo a necessidade desse medo todo”, admitiu.

Ataques O clima de tensão no bairro ficou  mais intenso na noite de quarta-feira (28), quando dois ônibus com passageiros foram abordados e atravessados na pista na Via Regional. A situação ocorreu momentos depois de traficantes da facção criminosa Bonde do Maluco (BDM) invadirem o bairro de São Marcos, que é dominado pelo grupo rival Comando da Paz (CP). Como o CORREIO contou  na edição desta sexta, a disputa entre as duas facções ficou mais intensa há cerca de 20 dias, quando um dos integrantes mudou de lado.

Apesar disso, segundo alguns moradores, o ato foi uma manifestação em relação a outra situação ocorrida no bairro, o  assassinato do adolescente Demilson Santava de Jesus, de 15 anos. Ele foi morto no Coroado, localidade de São Marcos, na tarde da própria quarta, quando jogava futebol com amigos.

Moradores da localidade acusam policiais militares como os responsáveis pela execução e, inclusive, filmaram o garoto sendo abordado por um PM no mesmo local onde foi encontrado morto. Um protesto foi realizado por parentes e amigos na tarde de quinta. O enterro de Demilson ocorreu na tarde desta sexta, no Cemitério Municipal de Plataforma. 

Por meio de nota, a PM informou apenas que orienta que a família denuncie o fato na Corregedoria da Polícia Militar, para formalizar o registro de queixa. Só assim será possível "realizar a devida apuração". O CORREIO buscou a Corregedoria na tarde desta sexta, mas não obteve retorno se a denúncia já foi registrada.

Na quinta, os dois homens armados pararam o motorista de um ônibus na Via regional e tomaram as chaves, ameaçando incendiar o coletivo. O policiamento foi reforçado, mas a população segue com medo. Adolescente foi morto na quarta-feira (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Relembre a morte do adolescente Segundo a mãe de Demilson, a dona de casa Roberta Santos Santana, 35, o filho foi jogar futebol com outros três amigos quando foi assassinado. Ela contou que por volta das 16h o adolescente foi à Baixa do Coroado para se divertir no campinho improvisado que há no local, quando policiais militares apareceram.

“Os amigos deles correram, mas o meu menino não, porque eu sempre dizia para ele que, quando a polícia chegasse, ele não deveria correr. Foi o que ele fez, mas não adiantou. Mataram ele”, disse emocionada. 

Roberta contou que uma vizinha escutou o diálogo dos policiais com o menino. “Eles disseram para o meu filho: ‘você vai morrer, viado, vai morrer, prepara para morrer’ e atiraram. Depois, encontramos o corpo dele numa vala, perto de onde o policial aparece no vídeo. Eles mataram um menino que não se envolvia com nada, que não bebia, não fumava, nunca parou numa delegacia”, desabafou a mãe. 

Outra morte Demilson não foi o único morto na localidade essa semana. Um outro crime foi registrado nas proximidades de São Marcos na terça-feira (27), quando Pablo Ruan Garcia dos Santos, 27, foi assassinado a tiros na rua Jota Silvestre, em Sussuarana. O local fica perto da Avenida Gal Costa e do próprio bairro onde ocorre a briga entre CP e BDM. 

Segundo o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), o homem foi vítima de disputas pelo tráfico de drogas e já existem alguns indícios de autoria, que não serão revelados para não atrapalhar as negociações. Pablo Ruan tinha passagem pela polícia por tráfico, mas não há informação ainda se a morte dele tem alguma relação com a briga entre as facções.

Por meio de nota, a Polícia Militar informou que a 48ª Companhia Independente (CIPM/ Sussuarana) foi acionada para atender a uma ocorrência de disparo de arma de fogo nessa região e, quando a viatura chegou no local, encontrou o jovem baleado. Os militares socorreram o homem para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA/ São Marcos), mas ele não resistiu.