Como evitar o colapso da Barra-Ondina: atores do Carnaval sugerem alternativas

O circuito recebeu 6,9 milhões de pessoas nos dias oficiais da folia; o Campo Grande teve metade disso

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  • Thais Borges

Publicado em 29 de fevereiro de 2020 às 05:47

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Betto Jr./Arquivo CORREIO

Sábado, domingo e segunda do Carnaval de 2020. Das 15h até depois da meia-noite de cada dia, o circuito Barra-Ondina reuniu pelo menos dez das maiores atrações da folia baiana. A circulação ficou difícil, o aperto aumentou, os foliões reclamaram e uma dúvida ficou: o quanto a Barra aguenta? No fim, restou até o vislumbre de um possível colapso.  

Algumas das principais autoridades comentararam o problema. “Foi evidente que esses foram dias hiperlotados e que não cabia mais nenhuma pessoa lá na Barra”, avaliou o prefeito ACM Neto, na Quarta-feira de Cinzas.

No mesmo dia, o coronel Anselmo Brandão, comandante-geral da Polícia Militar, decretou: tinha gente demais no circuito Dodô. Enquanto a Barra-Ondina chegou a registrar 6,9 milhões de pessoas nos dias oficiais da folia, o público do Campo Grande mal chegou à metade disso, com 3,4 milhões pessoas, segundo a Polícia Militar.“Nós observamos mais pessoas com menos espaço e obviamente trouxe a sensação de que não havia policiais com número adequado”, analisou o secretário estadual da Segurança Pública, Maurício Barbosa, na última semana. Ao mesmo tempo, o circuito Campo Grande (Osmar) padece da falta de atrações. No domingo (23), considerado o mais fraco pela prefeitura, sequer houve desfile de blocos com cordas. Em compensação, na Barra, algumas das mais tradicionais agremiações privadas desfilaram: do Camaleão, com Bell Marques, ao Coruja, com Ivete Sangalo, passando pelo Me Abraça, de Durval Lélys, e pelo Crocodilo, de Daniela Mercury. Arrastão da Quarta-feira de Cinzas atrai uma multidão para a Barra (Foto: Marina Silva) Artistas  Na pipoca, os principais artistas a tocar no Osmar foram Mudei de Nome, La Fúria, Denny Denan e Pabllo Vittar. O prefeito ACM Neto já tinha revelado: foi difícil conseguir uma agenda mais forte. Alguns artistas não têm agenda, outros têm resistência ao Campo Grande.

"Tivemos algumas negativas. Prefiro não citar nomes, mas tivemos", admitiu o presidente da Saltur, Isaac Edington. O que também acontece, segundo ele, é que muitos artistas tocam na Barra e dobram - ou seja, no mesmo dia, se apresentam também nos camarotes do circuito. 

Assim, acabam evitando o Campo Grande."Se tiverem um pouco de sensibilidade e cada um planejar pelo menos uma apresentação no Centro, a gente pode começar a trazer essas atrações pra cá", disse. Edington também entende que o poder público chegou ao limite da contratação de artistas. Agora, para equilibrar os dois circuitos, é preciso de vontade de artistas e empresários. “Lógico que o circuito da Barra merece todo o atrativo, por ser virado para o mar. Mas agora a gente precisa que o pessoal dos blocos e os artistas considerem trazer produtos novos para a Avenida em prol do Carnaval", defendeu. 

Saulo, por exemplo, foi um dos artistas que fizeram questão de tocar no Campo Grande. No sábado (22), ele levou a Pipoca das Cores para o Centro. "Chegou a hora de a iniciativa privada e a sociedade civil incorporarem ações práticas. Chega de retórica e achar que o poder público vai fazer sozinho".

A artista que desbravou a Barra, na década de 1990, Daniela Mercury sugeriu justamente um chamado à população. Para a Rainha do Axé, é preciso resgatar a história da cidade – e isso inclui o próprio Centro, além da Praça Castro Alves. Uma possibilidade de envolver a sociedade, além da própria classe artística, é de recontar a história desses locais, sensibilizando novas gerações e jovens artistas. Os grandes artistas, enfatiza, não deixam de ter responsabilidade, já que renovam seu público a cada ano.“Mas também há a necessidade de sensibilizar a cidade e a população, fazendo coisas direcionadas ao sentido emocional do Centro. Tanto prefeitura e governo quanto a sociedade podem fazer eventos culturais durante o ano falando da importância de movimentos como a Caetanave, a Tropicália e o trio elétrico”, enumerou, em entrevista na última quarta-feira.Daniela voltou a tocar no Campo Grande em 2015, após quase 20 anos.

As emissoras de televisão também podem ser dispostas ao longo do circuito do Campo Grande, assim como acontece na Barra-Ondina. Isso permitiria que os foliões acompanhassem os artistas ao longo de diferentes trechos da folia. 

"Cada TV tem autonomia para isso. Para a prefeitura, seria muito bem-vindo e a gente seria um facilitador", garantiu Isaac Edington.

Vendas Mas, para o empresário Joaquim Nery, sócio da Central do Carnaval, existem outras variáveis envolvidas. Por dois anos, no começo dos anos 2000, a empresa manteve o Camarote da Central no Campo Grande. 

“O camarote precisa de espaços amplos para ser implantado. É muito difícil no Centro, por isso, o único que estabeleceu lá foi o da Central”. O espaço migrou para Ondina e foi encerrado definitivamente após o Carnaval de 2017. 

Já os blocos, para ele, dependem da demanda. Dos dois blocos da Central, o Nana sempre foi na Barra. O Camaleão, já quadragenário, migrou definitivamente para o Dodô em 2015. 

Uma hipótese, para o empresário, é que todos os trios sem corda – ou boa parte deles – sejam patrocinados no Campo Grande, reduzindo essas atrações na Barra. “Querer um bloco na Avenida não é garantia de sucesso para ele. Por isso o Carnaval que não é vendido, que é o sem corda, devia ser direcionado para a Avenida, porque não depende da venda do tíquete”, sugeriu.A grande dificuldade, acredita, era o fluxo na Rua Carlos Gomes, no fim do circuito. “Essa imagem que se passou da Barra era o que acontecia na Carlos Gomes”.

Moradores Entre os moradores da Barra e da Ondina, há praticamente consenso de que o Carnaval chegou a um peso maior do que os blocos conseguem sustentar. A Associação de Moradores e Amigos da Barra, por exemplo, tem reivindicado a revisão do modelo da folia no bairro desde 2015. 

Para o presidente da entidade, Valdson Campos, o padrão privilegia camarotes e trios elétricos em detrimento do folião. “Esse ano foi a prova disso. Já não tínhamos condições no passado, hoje menos ainda, porque o bairro continua do mesmo tamanho”, disse. 

A maior preocupação, segundo ele, é com a segurança. O aperto gerou dificuldades nas rotas de fuga. “O nosso medo é que essa é uma tragédia anunciada. Essa é uma panela de pressão que vai explodir mais cedo ou mais tarde”. 

Para ele, uma solução seria reforçar o modelo de Carnaval com marchinhas e bandas de sopro. Trazendo mais atrações desse tipo, como ocorre no pré-Carnaval, haveria mais dispersão. "É preciso dividir as atrações com o Campo Grande, gerar alternativas. A gente não quer transferir o problema de um bairro para o outro, mas buscar um novo modelo para trios e camarotes", disse.O analista de TI Marco Aurélio Gasse, 55 anos, morador de Ondina e membro do grupo de amigos do bairro, disse que recebeu uma proposta de um ambulante para o comércio informal: "Ele sugeriu isopores menores, como os de picolé. Quando terminassem os produtos, teriam pontos de venda das cervejarias para repor. Aquele monte de isopor ocupa espaço e você não teria aquela coisa fechando", disse. Para facilitar a circulação, ele acredita que os camarotes devem ficar em apenas um dos lados da via.

De fato, a remoção das estruturas já está no radar da prefeitura. Na quarta-feira, o prefeito ACM Neto disse que essa é uma estratégia que pode ser adotada, reduzindo as estruturas colocadas dentro do circuito, a exemplo de postos de órgãos públicos, e instalando-as nas ruas próximas.