Como guerra entre facções afeta a vida de moradores em diferentes escalas

Professor da Ufba explica que insegurança é raiz de diversos problemas

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  • Wendel de Novais

Publicado em 20 de agosto de 2021 às 20:32

- Atualizado há um ano

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. por Arisson Marinho/CORREIO

O impacto dos confrontos entre as facções da Katiara e do Bonde do Maluco (BDM) não se limita a sensação de medo que está presente entre os moradores dos bairros que viraram palco da disputa. Além do temor pela vida, residentes destas localidades passam a enfrentar problemas em diversas atividades do cotidiano que são interrompidas pela guerra. Comércio fecha as portas, escolas interrompem aulas, transporte público para de circular e até as residências chegam a perder metade de seus valores de mercado. 

Um cenário trágico, mas que não surpreende o Sandro Cabral, professor de estratégia na Universidade Federal da Bahia (Ufba) e no Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e autor de diversos trabalhos na área de segurança pública, que vê a insegurança como raiz de múltiplos problemas. "A sensação de insegurança gera imprevisibilidade. E imprevisibilidade é inimiga do investimento. Você não investe em um comércio que não sabe quando vai poder abrir. É muito ruim, tem desvalorização de imóvel, de terreno e não é boa para ninguém. Não há quem lucre com isso", comenta Cabral sobre a desvalorização de residências e os prejuízos comerciais para as localidades afetadas pela disputa. 

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Para apontar outras perdas ocasionadas pelo conflito, o professor ainda cita as situações que se impõe sobre os moradores de forma global. "Para além dos sofrimentos e do medo nas famílias que já é muito, você tem os impactos econômicos, desvalorização, a não existência de atividades produtivas, a interferência em situações cotidianas. A insegurança modifica a vida das pessoas, mina cada parte da vida social", afirma.

Relações de medo

Para o professor, no entanto, os estragos e a sensação de medo, que são frutos da guerra entre os criminosos, não altera a situação entre população e facções. Isso porque, de acordo com Cabral, antes ou depois desses acontecimentos, essa relação é forjada pelo medo de represálias e se solidifica com o fato dos moradores, em muitos casos, dependerem dos bandidos. "É uma relação mediada por temor e coação, que, pela ausência do Estado, é também de dependência. Você não tem serviços ali e, por exemplo, quando precisa levar uma criança no médico e não tem posto de saúde, o tráfico que faz esse papel. É uma situação ambígua que, no final, ainda é baseada no medo e não se altera porque a facção ocupa esse lugar que deveria ser do Estado", declara. 

O que pode mudar com o conflito e a ocupação dos bairros é, geralmente, a visão que as pessoas têm da polícia, de acordo com o professor. Para ele, as ações truculentas já conhecidas pela população pesam contra os policiais. "Sobretudo para a população mais marginalizada, pelo histórico de violência da polícia, gera uma situação de desconfiança. Então, em situações como essa, pode acontecer de gerar um sentimento de descrença ainda maior em relação à polícia e ao próprio Estado", aponta.

Desconfiança que só irá embora a partir de uma articulação mais organizada das forças de segurança em parceria com a população. "Precisa ocupar os espaços e ter ações de inteligência para saber onde estão escondidas as armas, descobrir quem são e onde estão as pessoas do crime organizado e efetuar as prisões. Mas, pra isso, precisa ter entrosamento com a comunidade e ganhar confiança dos moradores", conclui Cabral, ressaltando que esse tipo de confiança não se constrói do dia para a noite. 

*com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo