Como Sapão, vários jovens negros sofreram genocídio artístico quando a fama acabou

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  • Da Redação

Publicado em 24 de abril de 2019 às 09:18

- Atualizado há um ano

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A morte de MC Sapão num hospital público no Rio de Janeiro na semana passada, depois de ter sido diagnosticado com pneumonia, deixa muito claro a situação dos artistas negros brasileiros que não conseguiram ficar milionários. Quase nenhum conseguiu essa façanha.

Mesmo fazendo da sua arte a alegria de muitos bailes, festas e encontros, o artista, com certeza, não recebia do ECAD, órgão falido há anos, responsável pela arrecadação e repasse dos impostos aos artistas da música, os seus direitos. Um outro motivo muito objetivo é a marginalização do funk por parte da sociedade demagoga brasileira que descrimina durante o dia e rebola o rabo até o chão à noite, regada a bebidas e drogas ilícitas.

Essa prática nefasta que nomeio de “genocídio artístico negro” praticada pela sociedade artistifóbica me faz lembrar um outro ponto dessa pauta que tem relação direta com essa ideologia. Estou falando dos vários jovens negros transformados em celebridades da noite para o dia, sem maturidade, sem formação, sem noção de autonomia, sem noção do valor que as suas histórias possuem, sem orientação empresarial nenhuma e que entregam na mão de exploradores suas histórias de vida por pequenos cachês, lanches e salas frias dos escritórios.

Quem os iludira no passado recente eram pessoas que ganharam milhões, reconhecimento no cenário artístico nacional e internacional, engrossaram seus currículos e abriram portas para si mesmos, deixando esses jovens negros e negras aspirantes a celebridades do lado de fora. Entenda isso como características imprescindíveis aos genocidas da arte negra brasileira.

Assim como Sapão, que morreu num hospital público com pneumonia, vários jovens negros receberam a verdade pelos peitos quando o tempo da “fama” acabou e a realidade passou a cobrar o que eles ganharam.Nada. Muitos morreram e nem sabemos, outros estão abaixo da linha de pobreza e nem percebemos, alguns presos ou morando na rua e nem queremos saber. Outros enlouquecidos e abduzidos pelo caminho sem volta da insanidade mental, solidão e ostracismo.

Só para ilustrar, uma vez encontrei uma dessas meninas que participaram num programa famoso e que mal pisava no chão. Ela nem sequer não me olhou quando a cumprimentei, nem sequer me respondeu a saudação de bom dia que lhe direcionei. Nas minhas reflexões percebi que ela era o reflexo da ilusão que tinham te enfiado goela abaixo e subira a cabeça. Na semana passada vi uma postagem dela numa situação deplorável. Mas o que me chamou a atenção é a vida de quem a liderava que inclusive continua voando e surfando no resultado da exploração da vida daquela garota negra e outros negros. Inclusive a de MC Sapão.

É evidente que nos anos 90 e 2000 vimos uma gama de realizações artísticas interessantes e que de certo modo colocaram o Brasil no hall dos países que produzem cinema, música, telenovelas, teatro, etc... Mas, o saldo negativo dessa exposição vai direto e totalmente para a conta dos artistas negros e negras, tanto os amadurecidos pelo estudo e prática como na conta dos emergentes sem causa e despreparados.

O que estamos vivendo hoje com a Lei Rouanet, por exemplo, é o reflexo denso desse tipo de exploração que mutilou a possibilidade de termos como contestar as medidas e atitudes do atual governo que prima por desmoralizar, desacreditar e marginalizar os artistas e seus feitos bancados pela lei de incentivo.

Não sou a favor do fim da lei mas tenho a certeza de que precisamos rever os limites para acessar o dinheiro público através dela, a descentralização da verba, os beneficiados e beneficiados da tal. Nenhum negro produtor, artista e empreendedor comprou uma mansão com dinheiro dessa lei. Isso é fato. Se alguém conseguir me provar que MC Sapão fez uma turnê com dinheiro da Lei Rouanet eu me retratarei.

Com certeza, MC Sapão foi vítima direta e indireta do esquema de estorção, falcatrua e desonestidade com os artísticas negros vigentes no país há décadas e que ganhou características bem específicas nos últimos 20 anos de genocídio artístico negro proveniente da artistofobia vigente em nosso país.

Que o além o tenha, assim como detém Negrinho do Samba, Pompeu, Grande Otelo, Zozimo Bull Bull, Cartola, Bezerra da Silva e outros que morreram pobres.

Após a publicação dessa coluna, o Ecad enviou ao CORREIO uma nota comentando o texto.; leia abaixo:

O Ecad lamenta a morte do artista MC Sapão, que tanto alegrou o público com suas canções. Também lamentamos que o nome do Ecad tenha sido usado por alguém sem o conhecimento necessário para emitir tal opinião. O autor do texto afirma que “o artista, com certeza, não recebia do Ecad” mas, nos últimos cinco anos, MC Sapão recebeu regularmente seus rendimentos oriundos da execução pública de suas músicas. 

Ao afirmar que o Ecad é um "órgão falido há anos”, Érico Brás ignora o importante trabalho que desenvolvemos em prol da música e dos artistas, além das altas cifras com as quais trabalhamos anualmente. No ano passado, distribuímos mais de R$ 970 milhões de reais e beneficiamos 326 mil compositores e artistas que vivem de sua arte.

Por último, esclarecemos que não arrecadamos e distribuímos “impostos”, mas sim o direito autoral tão necessário para manter produtivos e operantes todos que atuam na cadeia produtiva da música.