Como um plano de saúde de sucesso virou pivô do maior escândalo médico na pandemia

Defensora do tratamento precoce, Prevent Senior é acusada de omitir mortes por covid

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  • Jairo Costa Jr.

Publicado em 25 de setembro de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

Plano de saúde alinhado ao governo Bolsonaro entrou na mira da CPI Criada em 1997, a Prevent Senior é uma estrela em ascensão no  mercado de planos de saúde. O  foco em pacientes acima dos 60 anos, permitiu que a empresa sediada na capital paulista experimentasse saltos gradativos. Em 2019 e 2020, o lucro da operadora atingiu, respectivamente, R$ 432 milhões e R$ 496 milhões. Hoje, conta com mais de 500 mil beneficiários, a maioria na Grande São Paulo. Com a pandemia, caiu nas graças do presidente Jair Bolsonaro, ao defender e propagar o tratamento precoce por remédios do "kit covid". Mas o sucesso escondia o lado obscuro da Prevent, exposto a partir do último dia 16 por um furo de reportagem da GloboNews.

Naquela data, o canal de telejornalismo da Rede Globo revelou o conteúdo de um dossiê, no qual o plano de saúde era acusado de ocultar mortes por covid em pacientes submetidos a um estudo para testar a eficácia do kit. O objetivo era comprovar resultados positivos no uso de hidroxicloroquina associada à azitromicina na cura de pessoas acometidas pela doença. Em 18 de abril de 2020, a pesquisa chegou a ser anunciada e elogiada por Bolsonaro nas redes como exemplo de eficiência do tratamento precoce, principal bandeira do presidente, mesmo após sucessivos estudos atestarem a ineficácia dos medicamentos e alertarem para os riscos no uso deles.     

“Segundo o CEO Fernando Parrillo (fundador da empresa), a Prevent Senior reduziu de 14 para 7 dias, o tempo de uso de respiradores e divulgou hoje, às (sic) 1:40 da manhã, o complemento de um levantamento clínico feito", postou Bolsonaro em seu perfil do Facebook. A publicação foi amplamente compartilhada pela tropa digital do presidente. Além de escancarar a omissão das mortes por covid, o dossiê baseado em denúncias de médicos que trabalham ou trabalharam na operadora aponta que o estudo foi realizado sem o aval dos pacientes  e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).  Iniciados em 26 de março do ano passado, os testes só receberam sinal verde da Conep em 14 de abril. Para completar, o dossiê encaminhado à CPI da Covid no Senado indica um suposto elo da Prevent com o governo. A ligação se daria através do chamado "Gabinete Paralelo", que seria formado por médicos considerados negacionistas que atuam junto ao Ministério da Saúde para defender o kit.

Apesar da forte repercussão causada pelo escândalo  e das suspeitas de que o plano de saúde agia em acordo com o governo, Bolsonaro chocou a Assembleia Geral da ONU na última terça, ao enaltecer o tratamento precoce em seu discurso. No dia seguinte, a CPI ouvia o diretor da operadora, Pedro Benedito Batista Júnior, convocado a esclarecer as denúncias.  Em depoimento marcado por bate-bocas, o executivo negou as acusações, mas se  esquivou sobre as mortes omitidas.

Batista Júnior, entretanto, foi pego no contrapé ao ser confrontado com uma mensagem em que ele próprio determinava mudanças no CID, código mundial de doenças, de pacientes com suspeita ou diagnóstico  de covid. De acordo com o texto, o CID deveria ser alterado para outra enfermidade 14 dias após a internação ou 21 dias em UTI — ciclo do vírus no organismo. O executivo admitiu a prática. 

A alteração permitia maquiar as estatísticas sobre infectados e também de óbitos. Na sequência de capítulos do escândalo, veio a descoberta de que entre os mortos com CID modificada estavam a Regina Hang, mãe do empresário bolsonarista Luciano Hang, dono da Havan, e o médico  Anthony Wong, próximo do governo  e defensor do kit. Ele morreu em 15 de janeiro deste ano, com diagnóstico de úlcera e hemorragia digestiva. Mas foi atendido na rede da Prevent com sintomas de covid e tratado com hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina por quatro dias.  A revelação dos nomes abriu ainda mais o baú clandestino da operadora na pandemia e ampliou a artilharia contra o Planalto.