Conheça humoristas de Salvador que bombam com memes e vídeos engraçados

Personalidades da capital baiana levam a graça daqui para o mundo por redes sociais

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  • Victor Villarpando

Publicado em 29 de março de 2019 às 05:50

- Atualizado há um ano

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Todos os dias, eles fazem rir um bocado de gente. Juntos, têm mais seguidores do que Salvador tem de moradores. Entre Instagram, Youtube e Facebook, esses soteropolitanos somam mais de 3.258.000 fãs nas redes sociais. São 582 mil pessoas de diferença, o equivalente às populações somadas de Vitória da Conquista, a terceira maior cidade da Bahia, e Juazeiro, a quinta no ranking. 

Entre bê, binha, man, oxe, miséra e “me deixe viu coisinho”, eles levam nossa alegria para o mundo.

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O CORREIO foi atrás de quatro dos principais humoristas influencers de Salvador para desvendar o que faz essa turma ser tão criativa na hora de fazer graça. Da jornalista Maíra Azevedo, a Tia Má, que faz rir, mas fala de assuntos sérios, a Leo Marques, que usa conversas das amigas como inspiração, passando por Rick Bandeira, que tira o riso do prosaico, e por Leozito Rocha, todos têm em comum a inspiração nas peculiaridades de ser baiano. Confira:

Leo Marques - 817 mil seguidores no Instagram Leo Marques (Fotos: Renato Santana) ‘Oi, amiga!’ Se não tiver essa frase, o vídeo não é de Leo Marques, 23. As amigas são as personagens oficiais dos esquetes do baiano e nasceram em plena ladeira dos shoppings Piedade e Center Lapa (Rua Conselheiro Junqueira Ayres), no Centro. Na época, no final de 2017, ele já gravava vídeos imitando a mãe. “Não tava legal eu fazer graça imitando minha mãe com camisa na cabeça pra fingir que era cabelo. Aí fui na Avenida Sete comprar uma peruca. Dentro da loja me bateu um negócio me dizendo pra eu comprar duas ao invés de uma só. Aí fiquei pensando no que ia fazer com elas. Cheguei em casa e gravei o primeiro vídeo das amigas, sobre dieta”, conta Leo, que gastou R$ 30 nas compras.

Foi nessa que a vida do rapaz começou a ganhar mais graça. Ele, que era designer e sócio de uma agência de publicidade que tinha como clientes artistas e bandas como Leo Santana, Psirico, Solange Almeida e Tomate, começou a investir na carreira de humorista e digital influencer. “De 40 comentários, meus vídeos foram para mil ou mais. Era assustador, eu abria meu celular e tinha um bocado de notificação”, diz ele, que chegou a entrar na faculdade de Design, mas largou para se dedicar a alegrar a vida alheia. Leo Marques (Fotos: Renato Santana) Se as primeiras inspirações vieram da mãe, a cabeleireira Valda Marques, as seguintes brotaram de amizades que Leo fez na capital baiana. “Salvador é uma cidade bem-humorada. As pessoas daqui são divertidas, elas contam histórias, falam muito... Fora o sotaque. Vejo minhas amigas falando daquele jeito dos vídeos. Às vezes as histórias são delas mesmas. Fico observando conversas no fim de festas e assim pego várias situações. Até o jeito de uma amiga pedir para a outra passar uma foto pelo zap é engraçado”, explica ele.

Salvador Ele, que é fã de descer a Ladeira da Barra – subir tá puxado –, diz ter curiosidade de conhecer mais bairros populares. “A famosa Cajazeiras, eu ainda não conheço e tenho a maior vontade. Tenho muitos seguidores de lá e a resenha com eles é muito engraçada. Um dia desses, uma menina falou que tava apaixonada por um boy, mas que tava difícil continuar porque era R$ 30 de Uber só pra ir pra Cajazeiras (risos)”, afirma. Mas talvez demore um pouco para esse rolé sair: “Sou o mesmo menino que chegou aqui com 15 anos. Eu tenho medo de ir ali de ônibus, do ônibus passar do ponto e eu me perder”.

A guinada do design para o humor não foi a primeira na vida dele. Natural de Inhambupe, ele escolheu Salvador como casa há 8 anos, quando tinha apenas 15 anos. “De lá do interior eu mandava mensagens para as redes sociais de artistas como Lincoln Sena, Kart Love e a dupla André e Mauro, mostrando meu trabalho como designer e oferecendo serviços”, lembra. O empresário Nenel Rebouças, que era um dos empresários dos artistas na época, gostou do trabalho e chamou Leo para ser sócio de uma agência na capital. E ele veio. Morou por três anos com os tios no bairro da Graça. Depois se mudou para um apartamento num prédio imenso e todo espelhado na Avenida Tancredo Neves, “pra ficar mais perto do escritório”.

“Eu sempre quis ser artista, só não sabia do que seria, se cantor, ator ou o que. Eu subia no muro da casa de minha avó, Marieta, e ficava cantando o dia todo. Se era Verão, cantava axé e pagode. Se era Inverno, Forró. Ela mandava eu descer do muro pra não cair e eu dizia que ela ainda ia me ver na Globo”, conta ele, que se define como um ‘influencer engraçado’.

Para chegar a ser humorista, Leo diz que ainda falta, mas que já está no caminho. “Acho que vou me sentir humorista quando eu entrar num palco e toda a plateia estiver dando risada. Já tô me preparando, montando um show, fazendo aula de teatro, fonoaudióloga...”.

No início, ele diz que não contou com muito incentivo. “Muita gente do mercado do entretenimento, colegas de trabalho, clientes e familiares diziam que não ia dar certo. No começo, foi tudo muito complicado. Até para eu entender se era isso mesmo que queria. Graças a Deus continuei".

Do ponto de vista financeiro, digamos que o rapaz está bem: tem até empresário e assessora. “O sonho falou mais alto e fui abdicando de algumas coisas num processo que demorou cerca de um ano até ficar quase 100% influencer. Hoje ainda faço alguns trabalhos como designer, mas bem pouquinha coisa. Quando você começa a fazer sucesso vem uma cobrança muito grande. Se não tem vídeo novo, as pessoas começam a perguntar o que aconteceu”.

Como ele se imagina daqui a 10 anos? “Com a mesma cara (risos)”. E comandando um talk show na TV. “Pode ser de Leo, mas também pode ser de amiga. Me sinto muito à vontade quando tô de amiga. Nisso, Tatá (Werneck) é referência”, diz ele, que também tem como referências o youtuber Carlinhos Maia – “é um precursor, foi ele foi quem fez a gente usar o humor do jeito que usa hoje” -, Tirullipa, Whinderson Nunes, Renato Piaba, Ney Lima e Nininha Problemática.

Tia Má - 488 mil no Facebook, 331 mil seguidores no Instagram e 82 mil seguidores no Youtube Tia Má (Foto: Renato Santana) “Tira o sapatinho e bota o pé no chão”. O bordão da personagem Tia Má é também a frase da jornalista, humorista e parceira do Encontro com Fátima Bernardes Maíra Azevedo, 38, no WhatsApp. Para ela, não existe diferença entre a criatura e a criadora. “Tia Má sou eu: mulher, preta, gorda, soteropolitana, baiana, nordestina.  Um dia um hater entrou em minha página para querer me ofender dizendo que eu sou preta, gorda e nordestina. Eu perguntei logo: ‘e você descobriu isso agora?’, conta ela, que diz talhar os conteúdos a partir de recortes do dia-a-dia em Salvador. Tia Má (Foto: Renato Santana) “Minha cara é a cara da cidade. Negros e gordos são maioria aqui. O próprio povo me inspira. Às vezes tô andando, percebo o diálogo entre duas pessoas e dali surge algo. A gente é um povo muito engraçado, que conversa até pelo olhar. Faz fuxico sem dizer nada! Dá um dichote com o olho e todo mundo entende. Essas coisas daqui mexem muito comigo. Outro diz fiz até um vídeo falando disso. Acho que só nasce em Salvador quem merece”.

O jeito com que Tia Má fala comprova o pertencimento. “Uso o linguajar de becos e vielas de Salvador; falo como a periferia fala. Você pode ter um discurso intelectual, mas que seja fácil de qualquer pessoa entender. Dessa maneira, faço questão de abordar assuntos como violência contra a mulher, gordofobia e intolerância religiosa”, conta ela.

O primeiro vídeo de Tia Má foi postado em 20 de novembro de 2015, quando Maíra era assessora de imprensa do vereador Silvio Humberto e repórter do jornal A Tarde. O que mudou de lá pra cá? De primeira, ela responde que nada. Depois pontua a autonomia sobre o próprio tempo. “Hoje sou minha própria funcionária e patroa. Posso me recusar a fazer o que não quero, as coisas das quais discordo. Essa é a melhor parte”, afirma.

Financeiramente, ela diz que as coisas melhoraram, mas não entra em detalhes. “As pessoas têm um deslumbre de achar que quem passa na TV tá rico. E não é o caso, sou muito pé no chão. Tenho uma vida organizada. Pude reformar minha casa, trocar de carro, oferecer coisas para minha mãe... Mas nada significativo. Essa é uma vida muito ingrata e que pode mudar a qualquer momento. Posso dizer apenas que não tô mais no cheque especial e não tô mais no SPC. Agora é só no Serasa (risos)”, pontua Maíra, que mora no bairro de Plataforma desde que se entende por gente.

Fama Abordada por admiradores três vezes em menos de uma hora durante a entrevista e a produção das fotos no Mercado Modelo, ela conta que chegou a ser ridicularizada no início, mas que também já recebeu feedbacks poderosos sobre seus vídeos. “Fui motivo de chacota, várias pessoas vieram falar comigo. Sou vaidosa, filha de Oxum, e fiquei na dúvida se devia continuar. Um dia, tava no shopping conversando com uma amiga sobre isso. E uma menina começou a seguir a gente. Pensei logo que era discriminação racial. Tava pronta pra dar na cara dela quando ela veio até mim e perguntou: ‘você é Tia Má? Posso te dar um abraço?’ Isso foi bem no começo, eu não tava acostumada com pessoas me abordando na rua. Ela queria me agradecer. Falou que assistiu aos vídeos e riu muito, mas que depois se tocou que aquilo falava sobre ela. Chorou, tomou coragem e terminou um relacionamento abusivo. E ela disse a seguinte frase ‘por favor, não pare’. Nunca mais ví essa menina na vida. Já falei em Fátima, postei, mas nada. Queria muito poder dizer um muito obrigada para ela”.

“Mas ó, eu recebo também muita história absurda. Outro dia teve uma mulher que era casada com um homem que não podia ter filhos. Só que ela tava traindo ele e engravidou do vizinho! Veio me perguntar como ela ia contar isso pro cara. Imagine? Falei logo, que não sabia o que dizer, que esses homens às vezes não lidam bem com traição”.

Fora das redes sociais, Maíra comanda o espetáculo Tia Má com a Língua Solta, em formato stand up comedy, que já fez apresentações em Salvador, Brasília e São Paulo. “Cinco pessoas trabalham comigo na produção. Fora isso, me tornei uma microempresária. Faço stand up e palestras sobre gênero, raça, inclusão social... Atuo como mestre de cerimônias, eu faço o que for. Meu negócio sou eu”, afirma Maíra, que levará seu espetáculo ao palco do anfiteatro do Parque da Cidade amanhã e domingo, às 13h, com entrada grátis, como parte da programação do Festival da Cidade.

Rick Bandeira - 317 mil seguidores no Instagram, 135 mil no Youtube e 19 mil no Facebook Rick Bandeira (Foto: Renato Santana) Ele chega, ele fecha, ele lacra. Rick Bandeira, 31, ator e repórter da TV Aratu, é um garimpeiro de risadas nas coisas mais prosaicas: a limpeza de casa; o trajeto dentro carro até o metrô; uma brincadeira de pedra, papel e tesoura com a mãe... Tudo vira graça nos vídeos do rapaz. E quando não tem, ele inventa. Já teve vídeo com teste para ver quem consegue enfiar mais uma cenoura na garganta e paródia de clipes famosos, como Sua Cara (Major Lazer feat. Anitta & Pabllo Vittar), que teve mais de 2,2 milhões de visualizações.

“Eu gosto de mostrar o dia-a-dia, falar sobre minha vida... Vejo as pessoas que me cercam como grandes personagens. Minha mãe me inspira muito no jeito como leva a vida e na naturalidade com a qual ela enfrenta os problemas”, conta ele. A geniosa dona Juciara, vulgo Mainha, e o marido dela, Antonio – ou Nengo - são figuras frequentes nos vídeos. Ela, dona de casa, ele, vendedor autônomo. “A gente não segue roteiro, até porque minha mãe é superdifícil de seguir roteiro. Eu acordo, ligo o celular e posto. E isso cria uma identificação com as pessoas”, diz Rick.

Natural de Salvador, onde já morou no Lobato e nos Barris, Rick se mudou para Lauro de Freitas, mas vive pelos lados da capital. “Minha cidade me inspira em tudo. Não tem outro lugar que eu escolheria para viver. Amo o clima, as pessoas, e me sentir inserido nesse universo do qual conheço cada canto, cada beco e viela. Ela me inspira com essa energia, esse jeito baiano de ser, que é uma comédia. Não tem como não enxergar personagens por aí: baiano não nasce, baiano estreia”, afirma.

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Do primeiro emprego em um call center, aos 18 anos, à fama na internet, ele diz que o que mudou mesmo foi o reconhecimento do público. “Porque dinheiro mesmo tá na mesma de antes. Têm surgido alguns posts patrocinados e consigo levantar um dinheirinho. Uma vez ou outra, a gente dá a sorte de ter um dinheiro pra comprar um sorvete a mais. E mudou também porque eu consigo fazer permutas. Eu não ganho dinheiro, mas também não gasto com roupas, óculos, médicos”, explica Rick, que sonha em conseguir a casa própria e ajudar a mãe.

Tudo começou em 2005, com cursos livres de artes cênicas. Depois um curso técnico na mesma área. “Sou ator, mas não penso em fazer stand up comedy porque não me considero engraçado o suficiente pra segurar o público olhando pra minha cara. Faria algo no teatro, mas tendo um roteirinho”, explica ele, que foi parar na TV em 2012. “Fazia uns trabalhos como cover da personagem Valéria Bandida, do Zorra Total. Aí fui convidado pelo cantor Tomate para puxar o trio com ele e me viram. Entraram em contato comigo pelo Twitter e me chamaram”, lembra.

Na retransmissora do SBT nasceu a persona feminina de Rick, a personagem Ana Célia, que aparece no Youtube em entrevistas com artistas baianos numa banheira. “Surgiu do pedido de uma ex-produtora artística, Celisa Felicidade, em 2016, para eu criar uma personagem pra fazer matérias engraçadas”.

Leozito Rocha – 674 mil no Instagram e 248 mil no Youtube Leozito Rocha (Foto: Renato Santana) Aniversário infantil de rico x Aniversário infantil de pobre; Tipos de casal dançando arrocha; Fases de um brigão no Carnaval; Dicionário de baianês (gírias da favela); e O que é Porra? são os títulos de alguns dos vídeos de Leozito Rocha, 27, no Youtube, onde ele acumula a marca de mais de 8 milhões de visualizações. Tudo inspirado em lembranças da infância no bairro da Liberdade e das vivências onde mora hoje, no bairro de Itinga, em Lauro de Freitas.

“Salvador me inspira de todas as formas. Tanto no linguajar quanto no cotidiano e na forma do baiano levar as coisas, o jeito de se expressar, as gírias... Essas coisas são naturalmente engraçadas, muitas pessoas de outros estados que falam comigo amam nosso linguajar. O povo aqui é guerreiro, trabalhador e divertido”, conta ele.

A vida de humorista começou a ganhar força em 2013 quando, inspirado em canais de humor como +1 Filmes e Porta dos Fundos e juntamente com alguns amigos do bairro, ele criou o canal Os 10 ocupados, que soma mais de 3,3 milhões de inscritos no Youtube e conta com uma equipe de 15 pessoas na produção. “O canal é assistido por artistas como Leo Santana, Tony Salles, Márcio Victor e Xanddy do Harmonia. Eu comecei a fazer vídeos com as músicas deles e os marcava”, relembra.

Depois, ele - que já trabalhou como jovem aprendiz numa concessionária de carros, fez fantoches infantis e até vendeu bonés, roupas e relógios trazidos de São Paulo – criou seu canal solo, que foi hackeado ao completar 100 mil seguidores. “Fiquei desmotivado, mas alguns meses depois resolvi criar outro. Diferentemente de no 10ocupados, lá eu faço mais vlogs retratando algum assunto popular. Já no perfil do Instagram, criado em 2013, foco em tudo que vira meme e gosto de conteúdo musical misturado com humor”, explica.

Os frutos já começaram a ser colhidos. “Como jovem aprendiz eu ganhava R$ 250 por mês. Hoje, o faturamento é 10 vezes maior, dependendo do mês. Minha maior conquista foi ajudar meus pais”, conta Leozito. Outro sonho realizado foi a compra do primeiro carro, em 2018: um Fiat Palio Attractive 2012 preto: “Foi uma realização incrível na minha vida, algo que almejei muito, até antes da fama. E mais feliz ainda porque comprei com o dinheiro de meu trabalho”.

Para ele, no entanto, o reconhecimento profissional é o que mais o motiva a continuar com a escolha de ser humorista. “Ser pago para fazer o que amo e construir amizades com artistas de quem eu era fã não tem preço. Fora os feedbacks positivos dos fãs, relatos de pessoas que saíram de quadros de depressão e estresse. Dinheiro nenhum paga esse reconhecimento”, pontua.

Leozito, que já esteve em cartaz com o espetáculo O Filho do Meu Pai, junto com o também humorista baiano Cristian Beell já tem próximos projetos na área do teatro: “vou participar de um projeto junto com Renato Piaba e Psit Mota, mas ainda não posso dar detalhes. Em breve vocês terão mais informações”.