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Grupo faz lavagem de igreja antes de arrastar mais de 500 mil foliões em BH
Da Redação
Publicado em 21 de fevereiro de 2020 às 05:31
- Atualizado há um ano
Os mineiros gostam tanto dos artistas baianos que até Tuca é idolatrado por eles. Por sorte, é coisa recíproca: curtimos o Clube da Esquina com a mesma alegria que o clube do Sesc Piatã em Dia dos Comerciários. E nesse pacto de amizade, debaixo de sete chaves dentro do coração, não será tão estranho pra você descobrir que o maior bloco de rua do Carnaval de Minas Gerais tem DNA da Bahia.
E nem tem como se enganar: batizado de Baianas Ozadas, o bloco carnavalesco criado em 2012 tem levado, desde 2017, pelo menos 500 mil pessoas às ruas da capital mineira, feito que promete se repetir na próxima segunda-feira (24), nona edição em que desfila, desta vez homenageando o maior ser humano vivo: Gilberto Gil. Multidão acompanha o desfile do Baianas Ozadas no Carnaval de Belo Horizonte em 2019 (Foto: Reprodução) No comando dos batuques e salamaleques da turba vestida de branco e turbantes (colares coloridos no pescoço) está o jornalista, publicitário e agitador cultural Geo Cardoso, 41 anos, natural de Ilhéus, Sul da Bahia. É ele quem pretende manter a hegemonia na folia rediviva de BH, que já tenta rivalizar com outros carnavais de grandes capitais num processo iniciado há quase uma década.
“Aqui não tem essa tradição de Carnaval. A gente tá vivendo em Belo Horizonte, desde 2012, um momento talvez que Salvador viveu em 1950 com Dodô e Osmar, quando de fato iniciou-se um Carnaval popular”, explicou Geo à coluna Baianidades, num dos poucos intervalos da agenda que a Baianas Ozadas - sim, eles também são uma banda! - nestes dias de folia. São, ao todo, 17 shows em seis dias tanto na capital quanto no interior mineiro.
“É um dos blocos mais conhecidos e que mais circulam no interior (de Minas)”, explica ele, sobre a fama que precede os 10 (às vezes 12) integrantes da trupe formada por músicos profissionais. Geo é um dos vocalistas.
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Primórdios Mas o que precede esse sucesso todo? Como começou mesmo a brincadeira? Rew até 2012, quando nosso entrevistado estava de passagem comprada para curtir o Carnaval de Salvador, mas decidiu abortar a decolagem.“Cancelei a passagem a uma semana da festa. Um primo meu tinha acabado de se divorciar, tava meio mal, e aí eu decidi ficar aqui com ele, pra tentar animá-lo e curtir os bloquinhos de BH, que eram ainda muito pequenos. Ainda tava florescendo”, recorda.Foi nessa que Geo e outros seis amigos (quase todos baianos viventes nas alterosas) tiveram a ideia de se fantasiar de baianas e invadir bloquinhos que já desfilavam. Munidos de timbau, surdo, tamborim, ozadia e alegria, vingaram.
“Me deu um insight. ‘Pô, a gente tem uma turma de baianos que sempre se reúne pra resenha, tocar violão’... E aí a gente criou uma ala para invadir outros blocos, e já nasceu com o nome Baianas Ozadas. Uns dias antes, saí, entrei numa loja de tecidos e comprei uns brancos. Pedi pra minha mãe costurar sete saias, pra nós sete, e saímos”, recorda.
No ano seguinte, os sete se multiplicaram e já viraram 50 tocando bateria e fazendo estripulia. Não estavam na Avenida Sete, mas por algum momento parecia, especialmente pelo ponto de encontro escolhido para sair em cortejo: o edifício Sulacap (também tem um lá em BH), e a porra começou a inchar. Aliás, parecia mesmo a avenida em dia de Kannário pela quantidade de gente que apareceu.
“Em 2013, já não éramos mais uma ala, pois já cadastramos como bloco. Imaginamos um público de 500 pessoas e deu mais de 10 mil. Foi a primeira vez que a cidade viu um bloco assim. E já, visualmente, todo mundo vestido de baiana, saia, turbante”, revela Geo, entregando o traje típico do bloco criado no bairro de Santa Teresa, o mesmo de origem do já mencionado Clube da Esquina, grupo musical que pariu Milton Nascimento.
Nascido no litoral sul baiano, Geo se mudou ainda na infância para São Paulo e depois para Minas, mas não perdeu o vínculo com a Bahia. Longe disso. Nas duas férias que tinha no ano, quando guri, passava na cidade eternizada por Jorge Amado em livros e personagens, e sempre curtiu São João e Verão por essas bandas.
Triciclo elétrico Mas a banda Baianas Ozadas, que hoje bota um trio elétrico no Centro de Belo Horizonte e já gravou com gente grande como Moraes Moreira, Alice Caymmi e Magary Lord, não tinha o mesmo aparato técnico como se prevê numa empreitada baseada no improviso.
“No início, era um triciclo adaptado, com a carroceria soldada numa base, mais duas bases para pendurar duas caixas ligadas a inversores de energia com baterias automotivas alimentando a mesinha de som de quatro canais com duas vozes e a guitarra”, descreve tecnicamente Geo, antes de resumir de forma mais prática os efeitos da invencionice: “Se gritasse demais no microfone, o som desarmava”.
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Lavagem do Bom início Ainda no segundo ano de brincadeiras e experimentações, uma paródia/pastiche da Lavagem do Bonfim caiu no gosto de quem embarcou no simulacro de folia baiana.
A liturgia da profanidade começou mesmo no Sulacap, mas aí o fermento trouxe a massa e a celebração mudou de endereço.
“A gente fazia o rito em referência à Lavagem do Bonfim, mas aí o bloco cresceu demais. Do triciclo, fomos para um carro de som pequeno, depois para um carro maior e, em 2017, já viemos com um trio elétrico tradicional, grande, e saímos patrocinados pela Ambev. Mas esse trio grande não chegava na Praça da Liberdade e passamos a sair na Afonso Pena. Em 2018, a gente negociou com os padres da Paróquia São José, que é uma igreja de 120 anos, e todos os padres deram a anuência de a gente fazer a lavagem lá, lavando as escadarias da igreja”, destaca Geo.
A concentração esse ano acontece a partir das 9h, na Avenida Afonso Pena, bem pertinho da Igreja São José. Antes da lavagem, no entanto, tem a ala infantil do bloco, chamada de ‘Os Baianinhas’, que reúne os filhos dos membros e seguidores da agremiação que se vestem com fantasias tipicamente baianas e estarão, esse ano, sob a coordenação do animador Geovanne Sassá.
Num release, divulgado pela assessoria do Baianas Ozadas (os caras já têm assessoria, pra você a noção da coisa), Geo fala da expectativa para a lavagem deste ano: “Considero um dos momentos mais bonitos do desfile do Baianas e chego a ficar emocionado. E neste ano, que, com o nosso tema, estamos levantando a bandeira contra qualquer tipo de intolerância, discriminação e desrespeito, a lavagem tem um significado ainda mais especial, ainda mais por ter a anuência dos 13 padres da paróquia de São José”.
Imitões e dissidentes E é bom que esses padres, além de anuir à celebração (que também costuma contar com representantes de religiões de matriz africana), façam também boas orações para que o bloco continue gigante como Léo Santana. O olho grosso é cada vez mais espesso.“O Baianas virou referência no Carnaval de Minas. Dezenas de blocos surgiram espelhados na gente, que tocam só axé. Tem bloco que tocava samba-enredo e passou a tocar música baiana depois da gente”, relembra Geo, ao destacar leis locais que limitam o financiamento dos blocos.Uma ajuda de custo da prefeitura local, por exemplo, não pode passar de R$ 12 mil, e a venda de camisas a R$ 45 (bem mais barato que o preço médio de um abadá) acaba sendo uma alternativa (ainda que modesta) para botar o bloco na rua.
Entre os que fazem coisa parecida, já existe até um bloco dissidente, o Havaianas Usadas, além de outros que também vão na mesma fórmula de só tocar música baiana como Então Brilha, Juventude Bronzeada, Bloco de Belô, Batuque Coletivo e, o nome mais legal, Belourinho.
Mas o Baianas já não fica só no axé retrô, aposta bem feita e vencida lá no iniciozinho. “A gente também toca Caymmi, Caetano e esse ano Gil, claro. A gente passeia pelo cancioneiro baiano mais amplo”, propagandeia Geo, antes de botar ‘Baianidade Nagô’, ‘Milla’ e ‘Faraó’ no pódio das músicas que mais agitam a galera no clube ou nas esquinas do Carnaval de Minas.
*O CORREIO Folia tem o patrocínio do Hapvida, Sotero Ambiental, apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador e apoio do Salvador Bahia Airports e Claro.