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Paulo Leandro
Publicado em 2 de novembro de 2022 às 05:09
A Copa do Mundo tem servido como a oportunidade de troca de experiências entre múltiplas formas de jogar futebol, embora cada vez menos estas distinções, antes evidentes, venham se verificando, devido às táticas previsíveis.>
Um passeio no túnel do tempo revela culto ao defensivismo, substituindo-se o improviso pela crença nas peças fixas, o posicionamento do jogador em campo como valor superior ao talento e à capacidade criativa, com grave perda poética.>
Vamos começar por 1863, muito antes da primeira Copa: a bola era a caça, enquanto os jogadores, seus predadores, corriam desordenadamente para capturá-la, isolando-se um dos “players”, na linha de gol, como diligente vigia.>
Este “goal-keeper”, protetor da meta (goleiro), inspirou, com sua solidão, a primeira mudança defensiva, com recuo de um e depois, dois colegas para ajudá-lo, posicionados a sua frente. Nascia a parelha de “backs”.>
Já em 1872, por ocasião do primeiro jogo internacional, entre Escócia e Inglaterra, recuaram-se os primeiros “médios” chamados hoje “meias”, ganhando feições de 2-2-6, ao resultarem as precauções no equilíbrio de forças.>
A fonte é a “História Ilustrada do Futebol Brasileiro”, quatro volumes publicados pela Editora Documentação Brasileira, assinados por craques da pesquisa como Thomas Mazzoni e Marcos Carneiro de Mendonça, primeiro arqueiro mitográfico.>
Quando a bola rolou na primeira Copa, em 1930, já se tinha a formação clássica, com dois “backs”, a linha média com três jogadores, e o ataque de cinco com dois extremas abertos, tendo por variante o sistema em desenho “WM”.>
Oito anos mais tarde, na França, cresceu o investimento nos cuidados em não tomar gol, com a criação do ferrolho pela Suíça, adaptado para o catenaccio da Itália bicampeã, com um zagueiro situado atrás da linha de defesa: o líbero.>
A confiança na arte, tida como “irracional” por seus detratores, levou o Brasil a resistir a esta tendência, senão com a criação, mas seguramente no bom uso do 4-2-4, ao escalar o ponta-de-lança, aquele jogador-referência, o camisa 10 do escrete (Pelé).>
Nas Copas de 1958 e 1962, o recuo do ponta-esquerda (Zagallo) abria alternativa para o 4-3-3, até chegarem os anos 1970, quando a Holanda propôs a ocupação de espaços sem posição fixa: o carrossel do Ajax campeão mundial.>
Mesmo terminando vice na Alemanha-74, a revolução holandesa deixou seu legado. Mas nas décadas seguintes, três retrocessos abalaram o jogo, com as derrotas do Brasil de Telê em 1982 e 1986, além do tetra do Brasil de Parreira, em 1994.>
Marcar, combater, destruir, passaram a ser os verbos mais repetidos, enquanto se inventava a figura em diagonal do “atacante de beirada”. A insistência na “bola parada” virou o pior efeito do conceito hegemônico do “gol como um detalhe”.>
O mundo das copas entrou no século XXI carente de Maradona e Sócrates, deslocando-se o conteúdo de imaginação para a embalagem, com estratégias de marketing transformando jogadores apenas medianos em supostos craques.>
Vamos ver se no Catar surge uma surpresa, pois o jogo tem estimulado a força, misturando a bola ao MMA, uma modalidade menos fútil e mais útil, contrariando o “técnico” Nietzsche: “a arte existe para que a realidade não nos destrua”.>
Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade.>