Correr atrás da sorte é correr atrás do vento

Não se morre quando (se) quer. Morre-se quando chega a (nossa) hora. Não pode ser postergada. Ou antecipada. A morte é concessão

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  • Da Redação

Publicado em 28 de abril de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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A morte é certa, feito 2 + 2 = 4. Caprichosa, venha de onde vier, chegue de onde chegar, materializa-se  quando quer e em quem quer, de maneira aparentemente aleatória. Meu pai dizia: - A morte só chega na hora certa. A sorte – (p)rima rica e forte da morte – é incerta, substantivo abstrato que, a depender do curso da história ou do rumo da prosa, nunca se concretiza. Ou aparece, fica pouco tempo, e vai embora pra nunca mais voltar. [Por que alguns teriam mais sorte do que outros? Sabe-se lá. A vida é para ser vivida – decifrá-la é correr atrás do vento – apud Eclesiastes].

Além de rimas, e primas, são soluções. A morte, absoluta, déspota esclarecida, acaba, literalmente, com todos os nossos problemas, dúvidas e dívidas terrenos. Todos os nossos queixumes e lamúrias, todas as nossas glórias e inglórias, são abduzidos pelo nada, sem direito a replica.

Não à toa os suicidas, criaturas pelas quais sinto enorme compaixão, se deixam fascinar pela possibilidade de morrer quando bem quiserem. [Apenas pensam que podem. Cada um pensa o que quiser. Absolutamente errado(s). Milhares tentam se matar das maneiras mais criativas e variadas. Nem sempre conseguem. Suicídios fracassados acontecem com frequência mundo afora – os efetivados de fato, idem].

Conclusão lógica e dedutiva. Não se morre quando (se) quer. Morre-se quando chega a (nossa) hora. Não pode ser postergada. Ou antecipada. A morte é concessão. Quem a decreta? Há controvérsias. Eu prefiro todas.

A sorte, sempre relativa, também pode acabar com todos os nossos problemas, dúvidas e dívidas terrenas. Mas não para sempre – nada é para sempre, como é de domínio público. Pode nos bafejar, pode nos confortar, pode nos alentar, pode nos alegrar. Mas, de uma hora para outra, vai embora pela mesma porta que entrou. [A propósito, nenhuma sorte nos livrará da morte].

Há quem acredite: neste mundo cruel no qual vivemos desde sempre a morte é sorte – afinal nos livraria do massacre diário que é a existência humana. Pode até ser indubitável em circunstâncias absolutamente extremas. Fato? Há controvérsias. Eu prefiro todas.

O que as tornam primas, e rimas, tão ricas? Ambas são soberanas. Entram em cena quando querem. Nesse ínterim dormitam ou brincam de estátua pelas coxias do teatro sideral. De repente, num átimo, algo as tonifica e voltam à faina. A morte é democrática. Ninguém escapa da gula que lhe é peculiar. A sorte é seletiva. Bate na porta apenas de alguns privilegiados. [Neste sentido crio blague talvez incômodo para alguns: a morte é de esquerda; a sorte, de direita].

A morte nunca é comezinha. Por mais banalizada que esteja, é sempre trágica – em  tempos de redes sociais no cio são esbravejadas como se acabasse de ser inventada e o primeiro ser humano tivesse morrido sobre a face da Terra. A sorte pode ser, imagina-se, comprada na lotérica ou no ponto de jogo do bicho. Total disparate. Caixão não tem gaveta. No frigir dos ovos – quando a ‘indesejada das gentes’ nos abduzir – carregaremos apenas nossos ossos. ‘C´est tout’!