Coveiro que estuda Psicologia ajuda famílias a superar perdas por covid em Salvador

Funcionário do Campo Santo, Rafael Rios, 28, foi 2º colocado em vestibular e está perto de se formar

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  • Thais Borges

Publicado em 15 de maio de 2021 às 07:00

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Foto: Paula Fróes/CORREIO

Rafael trabalha há 10 anos no Cemitério Campo Santo, na Federação (Foto: Paula Fróes/CORREIO) O filho não queria acreditar que a mãe tinha morrido. Ela tinha passado quase um mês internada com coronavírus em um hospital de Salvador. Por conta do trabalho, o filho não conseguira vê-la nem mesmo quando os profissionais de saúde faziam videochamadas, algo tão comum nas UTIs de covid-19. No dia do enterro, em março, no Cemitério Campo Santo, desmoronou. 

Outro irmão havia feito a identificação do corpo, mas, para aquele filho em questão, o corpo que estava prestes a ser sepultado não devia ser de sua mãe. Com o caixão lacrado, sem poder ser tocado por membros da família, achava que poderiam ter cometido um erro. No hospital, na funerária, em qualquer outro lugar - devia haver um erro. Foi quando o auxiliar de serviços diversos Rafael Rios, 28 anos, entrou em ação."Eu conversei com ele, fiz a escuta até que ele ficasse mais calmo. Depois expliquei que os corpos são identificados antes de sair do hospital. Pedi para que ele conversasse com o irmão, que o tranquilizou, garantiu que fez a identificação, que tinha certeza. Ele dizia que a única imagem que tinha da mãe era dela viva. Eu respondi que essa era a imagem que ele tinha que alimentar", lembra. Rafael trabalha há 10 anos no Campo Santo. No cargo, uma de suas funções lá é justamente a de uma das figuras mais importantes entre os serviços essenciais da pandemia: o profissional que enterra os mortos. Em alguns cemitérios, como os municipais, é o sepultador. No imaginário popular, não tem outro nome: é o coveiro. 

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No Campo Santo, há dois tipos de profissionais que enterram os mortos. São os auxiliares, como Rafael (que eventualmente também fica em outros setores, como a portaria), e os pedreiros, que estão mais diretamente envolvidos com a parte de manutenção ou de obra da sepultura. Mas, no caso dele, há uma particularidade: Rafael está a apenas um semestre de se formar psicólogo. 

Enquanto estudante do nono semestre do curso de Psicologia, ele já era acostumado a lidar com a morte. Diante do desespero de tantas famílias, não era incomum que o estudante desse algum tipo de acolhimento - algo que, inclusive, faz parte do curso e da profissão. Ouvia, dava uma palavra de conforto. Dialogava para que as pessoas pudessem ressignificar o luto.  Como auxiliar de serviços diversos, Rafael também faz sepultamentos (Foto: Paula Fróes/CORREIO) Mais mortes Mas a pandemia deu novos contornos a esse processo. Não se tratava apenas de enfrentar mais trabalho ou de ter que se adaptar aos novos equipamentos de proteção individual (EPIs). Com a covid-19, vieram os enterros sem velório. Sepultamentos em dois, três minutos, sem a presença de mais do que duas pessoas da família, em alguns cemitérios. "Já teve caso de um esposo que estava batendo no caixão da esposa. O filho segurava, pedia para o pai não fazer. Eu estava conduzindo o carro eletrônico, mas parei e dei um tempinho a ele, dizendo para ele não ficar muito próximo do corpo. Mas ele estava muito transtornado. A questão dele era contra o caixão, que estava impedindo de ver a esposa", conta. O homem deu quatro socos no caixão, até ser acalmado por Rafael.

Leia a reportagem completa que conta como o trabalho no cemitério foi crucial para que Rafael fosse aprovado em 2º lugar no vestibular para Psicologia.