Covid-19: 'O medo hoje é soberano entre nós', diz técnica de enfermagem

Dia do profissional é comemorado em 20 de maio; Bahia tem 82.667 técnicos

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  • Gabriel Amorim

Publicado em 20 de maio de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

São 48h por semana nos principais hospitais da cidade. No caminho entre os quatro plantões semanais que realiza, a técnica de enfermagem Adriele Carvalho da Silva, 32 anos, precisa conviver com uma mistura de emoções. Trabalhando diretamente no enfrentamento ao novo coronavírus, o medo e a gratidão por poder ajudar acabam se misturando à rotina. Apesar da intensidade que a doença trouxe para a vida de quem trabalha na saúde, para Adriele um sentimento é sempre maior: o orgulho de ter escolhido se tornar técnica de enfermagem. Nesta quarta-feira (20) é comemorado o dia desses profissionais.

Adriele faz parte dos 82.667 técnicos em enfermagem que trabalham no estado, segundo o Conselho Regional de Enfermagem da Bahia (Coren). Para ela, que se especializou em hemodiálise e há 12 anos faz parte da equipe da Base de Serviços de Nefrologia Hospitalar da Fresenius Medical Care, a escolha profissional é carregada de orgulho.

“A arte de cuidar nāo é pra todos. Prestar assistência não é só o conhecimento técnico. Você tem que ter humanidade, saber olhar pelo outro. Quando você tem um paciente, você não trata só a doença do paciente, você lida com o emocional, com a família. Ele tá frágil e entregue a pessoas estranhas pra ele. Se você não tiver esse lado humano, tudo fica muito mais difícil. Por isso, eu me orgulho tanto da minha profissão”, relata. Ainda segundo o Coren, junto com os auxiliares de enfermagem, os técnicos representam 75% da força de trabalho da Enfermagem na Bahia, que conta, ao todo, com 134.285 profissionais dos quais 89% são mulheres.

“Somos em maioria mulheres, negras e chefes de família. Talvez por isso ainda somos tão invisibilizadas, contudo, seguimos nos capacitando para a cada dia prestar uma assistência segura à população. Que neste momento de pandemia, tanto a sociedade quanto os gestores possam perceber a nossa importância, promover mais segurança e condições de trabalho dignas para cumprirmos nosso papel sem nos colocarmos em risco. São as nossas mãos que executam o cuidado aos pacientes”, opina Aline Soares, enfermeira, técnica de enfermagem e primeira tesoureira do Coren-BA.

Diariamente, Adriele sente na pele o que é estar, de fato, na linha de frente. A profissional nota como agora todos olham diferente para quem se expõe para cuidar. “O cuidar quem faz é a equipe de enfermagem. É a equipe que lida diretamente com o paciente, que vai de fato acolher, prestar o atendimento e assistência direta do dia a dia. Todos os profissionais têm sua importância. Mas é a equipe de enfermagem que vai estar de fato em contato com o paciente. Quando o paciente tem uma queixa, é um enfermeiro ou técnico que ele vai ver primeiro na frente dele”, sinaliza. 

No trabalho diário da técnica, ela lida com casos mais graves da doença, Por conta da especialização em hemodiálise, Adriele acaba atendendo casos onde o coronavírus acabou por afetar funções renais dos pacientes. “Acontece com alguns pacientes que são infectados pelo vírus, da doença acabar gerando uma sobrecarga da função renal e precisar realizar o tratamento da hemodiálise”, explica, Segundo pesquisas internacionais, o quadro acomete  entre 14% e 30% dos pacientes com a covid-19.

Em casa Quando o plantão acaba, na volta para casa em São Cristóvão, onde mora com a mãe, o esposo e a irmã, que também é técnica, a sensação de medo aumenta em Adriele. “O medo hoje é soberano entre nós trabalhadores da saúde. Ainda mais porque a gente tá vendo colegas se contaminando. Eu mesmo já atendi colegas da área da saúde que chegaram, inclusive, a precisar do atendimento de hemodiálise. Aí a gente percebe que essa doença não está distante de ninguém”.

Por conta da rotina de trabalho, uma infinidade de novos hábitos tomou conta do dia a dia da família, tudo pela proteção. Uma roupa diferente para chegar ao trabalho, outra para realizar suas atividades, uma terceira troca para voltar para casa, e mesmo assim sem misturar com as coisas de quem não tem que estar diariamente em hospitais são só alguns exemplos.

“A gente luta com algo que não vê. A gente está vulnerável, ainda que tome todas as precauções no hospital e que mude a rotina da casa. A gente fica apreensivo e toma tanto cuidado para, pelo menos, ter a consciência mais tranquila de estar fazendo a nossa parte para não trazer o vírus pra dentro de casa”.

Foi de dentro de casa também que veio a inspiração. O caminho profissional não é só dividido com a irmã, mas também com a madrinha, que foi o exemplo que a ajudou a escolher o ofício que tanto a orgulha. “É uma honra poder ver que o meu trabalho salva vidas. E a sociedade passou a valorizar ainda mais os profissionais de saúde. Ver uma pessoa grave se recuperando é muito gratificante”, finaliza. 

*Com orientação da subeditora Clarissa Pacheco