Criação de roedores exóticos cresce cerca de 10% ao ano na Bahia

Animais ganham status de pets exóticos e atraem cada vez mais admiradores;

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  • Georgina Maynart

Publicado em 21 de abril de 2019 às 17:00

- Atualizado há um ano

A casinha branca, de janelas e cercas azuis, erguida bem na entrada da fazenda em Camaçari, na região metropolitana de Salvador, abriga pequenos moradores especiais. São as cávias, como são chamados os animais da família dos cavídeos. 

É neste lar de clima aconchegante que funciona o Caviário Dakadu, o maior da Bahia. A unidade conta com 250 animais de 5 espécies, entre eles porquinhos-da-índia, hamsters e gerbis. Todos são pequenos roedores, que nos últimos anos ganharam status de mascotes. 

Apreciados pela beleza do pêlo, formatos sinuosos, e pela fofura exuberante, a procura tem sido cada vez maior. Estima-se que este segmento de criação de animais vem crescendo cerca de 10% ao ano, depois que eles viraram uma febre como bichos de estimação.

“A procura tem sido grande e nos últimos cinco anos aumentou mais de 50%. As pessoas foram perdendo o medo de criar roedores, e eles foram se popularizando. Principalmente por serem muito independentes e não exigirem carinho o tempo todo. Se colocar comida uma vez por dia eles já ficam quietinhos”, afirma Kátia Santa Rosa, que faz parte da segunda geração da família de criadores. O criatório comercial começou há 10 anos com os pais dela, seu Antônio e dona Ermínia Kadosh, também apaixonados por estes animais. Eles participam de feiras agropecuárias para divulgar as espécies.  Porquinho-da-índia da raça Sheltie. Filhotes custam entre R$ 300 e R$ 400 reais. Foto: Caviário Dakadu. Cada tipo de roedor tem características únicas. A variedade de pelagens vai da lisa longa aos encaracolados. Os hamsters, geralmente da raça anão-russo, tem cauda curta e possuem uma bolsa nas bochechas, capaz de acumular comida. 

Já os gerbis, também conhecidos como esquilos-da-mongólia, possuem pêlo mais oleoso e só costumam emitir sons quando estão em perigo. Apesar do nome, podem ser da variedade asiática, africana ou indiana. Já entre os porquinhos-da-índia, as raças preferidas são a peruana e a sheltie.

“O nosso reprodutor é um porquinho-da-índia da raça peruana, mas que veio de Portugal. Ele garante o melhoramento genético das crias e a reprodução de animais de qualidade. Quanto mais peludo, maior é o valor agregado”, acrescenta Kátia.

Os preços dos filhotes de porquinhos-da-índia variam de R$ 60 a R$ 300. Os menos valorizados são os da raça inglesa. Eles têm pêlo curto, e na região Nordeste são popularmente chamados de preás.

Entre os moradores exóticos do caviário também estão os minicoelhos. Mas, ao contrário do que muita gente pensa, eles não são roedores, pertencem a família dos lagomorfos, uma outra ordem de mamíferos. Os minicoelhos são bem menores do que os coelhos comuns e chegam a caber na palma da mão.  Casinha foi construída em fazenda de Camaçari especialmente para abrigar um caviário. Foto: Kátia Santa Rosa. Nicho de mercado em expansão

Não há dados exatos sobre o volume de negócios gerados pelos criatórios de roedores no Brasil. Mas a apreciação por este animais se expandiu tanto que foi criada a Associação Brasileira de Roedores e Lagomorfos (ABRL), com sede no Maranhão. 

O grupo de criadores profissionais, que já existia desde 2016, foi registrado oficialmente em fevereiro deste ano, e já conta mais de 30 associados em todo o Brasil.

“Já há uma grande aceitação em relação aos porquinhos-da-índia. Mas nosso objetivo é ajudar a difundir também a criação de outros roedores. Porque as pessoas ainda confundem e têm preconceito, por exemplo, com as ratazanas que vivem nos esgotos e são consideradas pragas. Queremos mostrar que se esses animais forem criados da forma correta, eles também podem ser animais de estimação, assim como gatos e cachorros”, diz Arthur Mendes, presidente da ABRL.

A associação desenvolve trabalhos de conformação, que é a reprodução voltada para melhoramento genético, de acordo com padrões raciais internacionais. 

“Nós nos unimos para importar roedores e manter o registro genealógico, que é o pedigree. O carro chefe é a criação de porquinhos-da-índia, mas temos também a de coelhos, hamsters, ratazanas e camundongos”, acrescenta Arthur.

Os criadores também emitem um registro geral, uma espécie de carteira de identidade dos animais. Até agora, mais de 500 animais roedores, ligados a associação, já tem o registro no Brasil.

A associação também já planeja promover shows de animais, e concursos de roedores. Nestas competições, comuns em outros países, a comissão julgadora especializada avalia desde a beleza do pêlo, ao chamado aprumo corporal dos roedores, para verificar até que ponto os animais reproduzem as características peculiares de cada raça.

Membros da associação, dois criadores também já estão começando a montar os próprios caviários.  Os amigos Marcos Geovane e Matheus Passos estão criando novos caviários para expandir a criação de roedores. (Foto: acervo pessoal) Aos 21 anos, Matheus Passos reservou a laje da casa, onde mora com a família, para a criação de porquinhos-da-índia. O atendente de telemarketing tem os animais de estimação desde os 13 anos, mas há dois anos decidiu tornar a criação profissional. O Caviário Bonfim fica no bairro Machado, na Cidade Baixa, e já conta com cinco espécies de cávias selecionadas, trazidas de outros estados e de linhagens importadas da Eslováquia e de Portugal.

Os animais custam em média R$ 200. Mas nem todos estão à venda, como o reprodutor da raça Lunkarya, avaliado em R$ 500. Matheus diz que o caviário ainda não dá lucro, mas já cobre as despesas com a alimentação dos outros animais, que consomem muito feno, verduras, complementos vitamínicos e ração.

“Eu ainda considero o caviário um hobby e uma terapia. Estes animais me acalmam. Mas todos que coloco à  venda, eu consigo comercializar. Muitos clientes são adultos entre 30 e 40 anos, que na infância não tiveram oportunidade de ter animais de estimação quando criança. Compram para os filhos, mas acabam ficando para eles”, diz Matheus.

Já na casa do comerciário Marcos Geovane Filho, no bairro Cidade Nova, é a área da antiga lavanderia que está dando espaço para a instalação do Caviário Estrela. O nome é uma homenagem a porquinha-da-índia, da raça Merino, que deu origem ao plantel.

Ele garante que a mãe, a esposa e o filho, não reclamam da presença dos animais e já se acostumaram com os dez roedores mantidos na casa.

“Começei com a raça inglesa comum no Brasil, mas estou focando nas raças Sheltie, que tem pêlo longo, e na raça Coronet, que tem uma espécie de coroa na cabeça. Aqui seguimos todas as regras de melhoramento genético, como não cruzar raças diferentes, e nem misturar animais de pelos curtos com aqueles de pelos longos”, afirma o Geovane.

Conhecidos pela alta capacidade de reprodução e de gerar crias numerosas, com 1 a 4 filhotes por vez, os animais custam entre R$ 200   e R$ 400. Geovanne não revela quantos já vendeu até agora, e garante que o caviário é antes de tudo uma espécie de terapia.

“O carinho que eles demonstram não tem preço. São animais diferenciados, comem na mão, e ficam alegres quando chegamos perto. Eu costumo dizer que moro no lugar errado, sei que no futuro terei que viver na roça, na zona rural, para ter um espaço maior e criar mais animais”, acrescenta.

Em família

Quem conhece Adriana e Francisco Mayan já não se surpreende mais ao encontrar o casal passeando na companhia de pequenos roedores. Eles mantêm em casa mais de 25 animais, desde porquinhos-da-índia, esquilos, hamsters à twisters, conhecidos como ratinhos domésticos.

Quem iniciou a criação foi Francisco, que ganhou este nome dos pais devotos do santo protetor dos animais. O comerciário começou por acaso a criação de roedores.

“Eu queria camundongos, aí comprei um filhote. Mas depois percebi que ele começou a crescer, e que eu tinha comprado mesmo era um twister, um ratinho, sem pêlo, por engano. Como eu já tinha me apegado a ele, fiquei”, conta.

Atualmente o principal xodó de Francisco é Cauana, uma ratinha de 1 ano e 2 meses, sem pêlo, da variedade hairless.

“As pessoas acham estranho e fazem cara feia. Mas eu não ligo, foi amor à primeira vista e ela é minha paixão. Dorme no meu ombro, confia em mim e as vezes sussurra no meio ouvido, como se estivesse conversando”, completa o comerciário. Ele costuma levar o animal constantemente ao veterinário para tratar dos problemas na visão, comuns na raça, e usa creme hidratante no animal para evitar ressecamento do corpo.

Quando conheceu Francisco, Adriana até demonstrava aversão aos roedores. Mas depois do casamento a secretária começou a criar gosto pelos animais. Hoje é ela quem mantem a maior parte dos roedores de estimação em casa. Até em festas como o carnaval, o casal Adriana e Francisco Mayan levam os pets roedores de estimação para passear. (Foto: acervo pessoal) Em 2017, Adriana ajudou a fundar a União dos Roedores da Bahia. O grupo já conta com 114 criadores e se reúne, mensalmente, para realizar palestras e trocar experiências em algum lugar público da cidade. O próximo encontro está marcado para o próximo domingo (28/04), no Parque da Cidade em Salvador.

“O objetivo é acabar com o preconceito contra os ratos. Eles ainda são muito discriminados, e as pessoas confundem com os ratos que vivem nos esgotos e que transmitem doenças. Agora estamos conseguindo mais simpatizantes desta causa, e reforçamos que, na hora de adquirir estes animais, as pessoas comprem nas mãos de criadores responsáveis”, conta Adriana.

Até em ocasiões especiais, quando viaja ou sai para se divertir, o casal leva os bichinhos de estimação para passear. Foi assim, por exemplo, durante o último carnaval. Os preferidos de Adriana são Dique e Tororó, dois ratinhos exóticos, tratados como pets, alimentados com ração especial, e criados de acordo com as normas internacionais de higiene.

"Sempre coloco em dupla, por que sozinhos eles ficam tristes e adoecem”, completa.

De Cinema

Há cinco anos, depois que assistiu o filme “Dr. Dolittle”, em que o protagonista fala com os animais, a rotina da vendedora autônoma Vivian Souza não foi mais a mesma. “Foi a primeira vez que vi um porquinho-da-índia. Achei um bichinho fofinho e decidi comprar um casal”, conta.

De lá para cá, a admiração pelos roedores se fortaleceu. Hoje ela mantêm quatro animais desta espécie em um cercadinho na varanda de casa.

São todas fêmeas e receberam nomes de personagens de filmes de hollywood. São chamadas de Linda, Bibi, Lilica e Belinha, que é a mais velha de cinco anos, e vem sendo chamada também de Veinha. 

“As pessoas ainda têm preconceito, mas é por falta de conhecimento. Quando elas passam a conhecer, fica tudo bem”, garante a vendedora que também mantem hamsters e um casal de chinchila, roedor com cauda mais peluda.  As quatro porquinhas-da-índia de Vivian Souza tem nomes de personagens famosos do cinema. Quem também não está nem aí para o preconceito é a cuidadora de crianças Isabel Costa. Aos 34 anos, ela cria dez ratinhos, quatro esquilos-da-mongólia, dois porquinhos-da-índia e um casal de hamsters.

“Virou uma paixão, são meus bichinhos, considero como meus filhos, até meu marido já se acostumou. Tem gente que me chama de Louca dos Ratos, mas eu não me importo. Só não gosto quando falam mal deles. Para mim, eles são tipo cachorro e gato, merecem o mesmo amor”, explica.

Os animais de Bel dos Ratos, como é conhecida, também ganharam nomes de personagens famosos no cinema, como Simba, Nemo, Zeus, Hercules, Fiona, Belinha e Kiara. Isabel Costa cria vários roedores, mas prefere os ratinhos exóticos tratados como pets. (Foto: acervo pessoal) O que dizem os especialistas

Os roedores não são carnívoros, e em geral consomem feno, verduras, suplementos vitamínicos e ração. No Brasil, eles são considerados animais domésticos, e também são chamados de pets não convencionais. Não existe uma legislação específica que regulamente os criatórios.

Em entrevista ao CORREIO, o médico veterinário Rodrigo Arapiraca, especializado em animais silvestres e exóticos, membro da Associação Brasileira de Animais Selvagens, tirou dúvidas sobre a criação de roedores. Há 4 anos o profissinonal atendia cerca de 3 roedores por semana. Atualmente, a média é de 1 a 2 animais da espécie por dia. O médico veterinario Rodrigo Arapiraca tira dúvidas sobre criação de animais exóticos. * Quais os cuidados que se deve ter antes de começar a criar um roedor, como porquinhos-da-índia? 

"A pessoa tem que se perguntar se tem espaço, e se tem condição de criar um animal que vai viver cerca de seis a oito anos. Porquinho-da-índia não se cria em gaiola, o ideal é cercado, onde ele pode ser condicionado inclusive a usar como banheiro. Ele também não pode ser mantido em chão liso, tem que ser no mínimo um chão antiderrapante. As vezes as pessoas compram o animal para criança, mas isso tem que ser muito pensado e planejado. O recomendado é que a criança tenha no mínimo a partir de 8 anos, que já tenha noção de responsabilidade sobre o animal, para aprender a alimentar e a cuidar".

* Quais os custos de manutenção de um criatório?

"Depende de muitas variáveis. Além de toda a estrutura que deve ser preparada com cercados e espaço adequado, cerca de 70 e 80% da alimentação destes animais é baseada em fibras vegetais, feno e capim. Alimentos que não são baratos. Os outros 10 a 20%  da alimentação são complementados com ração, e cada roedor exige um tipo de ração específica. Isto tambem representa um custo. Quanto a estrutura, o gasto vai ser com a reserva de um lugar arejado e planejado, geralmente feitos com tela aramada. Fora isso tem o gasto para manter a higiene do lugar, a lavagem constante e a manutenção geral do espaço".

* É possível criar estes animais soltos?

"Pode criar solto, mas não é recomendado. Primeiro, porque na cadeia alimentar estes animais são considerados presas, e podem virar alvo de predadores como aves. Os gaviões, por exemplo, podem passar e levar. Quando for passear com um roedor, o passeio tem que ser monitorado. Segundo, porque eles têm uma capacidade de roer muito grande e pode se acidentar com fios elétricos, cabos de notebook e carregadores de celular. Por isso o ideal é que eles tenham o espaço deles". 

*É frequente a ideia de que os roedores são animais propensos a provocar doenças nos humanos. Quais os riscos disso acontecer?

"Animais de vida livre, como ratazanas, que vivem soltos na natureza, realmente têm a capacidade maior de transmitir doenças para as pessoas. Mas os animais que são criados em criatórios, monitorados e tratados, bem condicionados, não apresentam risco de transmitir doenças. Estes têm a mesma propensão que cachorros e gatos. As pessoas falam muito de rato com leptospirose, mas, por exemplo, um animal pet é muito mais frágil que um animal de esgoto, que é mais resistente e demora para apresentar os sintomas. Se o pet ficar doente, ele morre rapidamente, não teria nem tempo de transmitir a doença para humanos. O mesmo acontece com as doenças de pele e as doenças provocadas por fungos. Se um animal pet contrair, ele vai apresentar sintomas bem rápido e adoecer. O importante é levar regularmente para a consulta veterinária, para verificar se o animal continua saudável".

*E para quem quer montar um caviário comercial, para comercialização de filhotes, quais as recomendações?

"Não existe licenciamento específico para montar um caviário. Existe uma portaria do Ibama que considera os roedores como animais domésticos. Portanto é a mesma regra usada para criar um canil. Mas o ideal é procurar um técnico que possa acompanhar e aplicar os padrões de criação que existem nos criatórios mais modernos, onde são aplicados procedimentos sanitários e nutricionais. A maioria dos animais pet que atendemos, chegam para a consulta devido a problemas no manejo, o que pode ser evitado se o ambiente de criação for adequado e o dono receba orientações corretas. Ter um animal de estimação não é obrigação, é uma opção, e isso deve ser feito de forma adequada e responsável".