Criador da baianidade musical

Luiz Caldas não criou apenas a axé music, ele ajudou a fortalecer a independência do mercado fonográfico da Bahia

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  • Doris Miranda

Publicado em 29 de março de 2021 às 16:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Rafael Martins/divulgação

Existe o Carnaval de antes e o que veio depois de Luiz Caldas. Já existia, claro, trio elétrico nas ruas. E cantores de trio puxando um mar de gente. O que vão havia era a axé music, batizada assim a partir do sucesso de Fricote, faixa que colocou o disco Magia (1985) no topo das paradas.

Começava ali o fenômeno da axé music, a música baiana para pular, que inaugurou a era de ouro da indústria fonográfica local, que ficou independente do eixo Rio-São Paulo. "A cidade sempre teve muitos artistas bons, mas o grande lance é que eu tinha algo que nenhum deles tinha, uma música que era minha mesmo, com identidade", avalia. Confira o bate-papo sobre o pioneirismo de Luiz Caldas.

 A partir do seu trabalho, na  década de 1980, Salvador desenvolveu independência no mercado musical e na indústria fonográfica, com ebulição intensa de lançamentos por muitos anos seguintes. O que, sob sua ótica, faltava para que isso acontecesse?

Muita gente acha que a minha criação, a da axé music, aconteceu de uma hora pra outra. Eu vinha dos bailes e estava ralando com uma forma de fazer música que tivesse minha cara já fazia tempo. O grande estrondo da minha carreira se deu porque sempre estive ligado ao Carnaval. Quando cheguei no trio elétrico, no Tapajós, no início da década de 80, eu vi que ali era o lugar ideal para fazer com que minha obra se tornasse conhecida. Antes, tinha ido a gravadoras mostrar um disquinho que tinha feito e me disseram que não era aquilo que procuravam. Salvador não tinha nada porque os artistas daqui todos moravam no Sul. Eu fui o primeiro artista a fazer sucesso fora e continuar morando na minha terra. A cidade sempre teve muitos artistas bons, mas o grande lance é que eu tinha algo que nenhum deles tinha, uma música que era minha mesmo, com identidade. Isso não existia aqui, o que existia era o frevo, as músicas dos blocos afros e indígenas, que sempre existiram regionalmente. Eu joguei luz em cima desses trabalhos com a axé music, que é uma mistura disso tudo. A axé music teve um momento maravilhoso, anos 1980 e 1990, e depois começou a ficar estranho porque o comércio começou a falar mais alto do que a arte. Claro que sempre existiu comércio mas não daquela forma.

Quando você gravou Fricote, e usou uma linguagem corporal específica, estava consciente do que fazia? Foi uma estratégia planejada ou intuição artística?

Houve um pouco de inconsciência, mas também era uma estratégia. Eu já tinha uma música diferente, então tinha que ter um visual que seguisse isso, que fosse meu. 

 Dizemos que Jorge Amado e Dorival Caymmi inventaram o conceito de baianidade. Mas a axé music teve participação importante na formação dessa cultura. Como você se coloca dentro desse processo?

Sem sombra de dúvida, Jorge Amado e Dorival Caymmi deram identidade à nossa terra. Quando cheguei com a axé music, eu também coloquei isso em primeiro plano, porque é uma música muito baiana, bem percussiva e altamente miscigenada. Minha contribuição para esse caldeirão é ser um estudioso e depositar tudo isso em minha terra.  

Você avalia que a música carnavalesca baiana, firmada pelos frevos de guitarra baiana do Dodô & Osmar, sua axé music e o samba-reggae de Neguinho do Samba, foi se descaracterizando?

Não acredito na descaracterização, acredito na complexidade. Mesmo sendo uma música popular, nos primeiros discos da axé music têm muita poesia, muita identidade baiana, muita observação do que a gente via na rua. Eu não vejo como descaracterização porque não é fácil fazer isso. O público hoje está acostumado a ouvir qualquer coisa, a arte é só  para entretenimento mesmo. Nada mais.

O que seria hoje a chamada 'música baiana'? Quais os herdeiros da axé music?

Eu diria que a gente tem sempre a música baiana e ela vai se misturando. Tem quem faça música interessante e quem pense só no comércio. Então, não creio muito em herdeiros, porque não tem ninguém fazendo nada do que eu fazia, do que Saulo fazia no início da carreira dele. Cito Saulo porque ele representa muito bem o estilo da axé music. A música baiana continua sendo feita até hoje e o axé music é axé music, ninguém vai mudar, está na história.

 Nosso Carnaval sempre foi pioneiro, desde a criação da guitarra baiana e do trio elétrico. Hoje, estamos batendo numa tecla um tanto repetitiva. Acha que a cidade (e o folião) vai conseguir reinventar a festa? Como enxerga esse cenário daqui a 10 anos?

A festa, em si, sempre teve mudanças, mesmo que a passos de tartaruga. Ela vai se modificando aos poucos. Eu vejo que a cidade não tem mais uma cara de Carnaval, não. É como se você chegasse numa boate. Para quem viveu na época de outros carnavais, o que acontece hoje faz muita diferença. Mas para quem não viveu...  Eu não enxergo o Carnaval daqui a dez anos. Eu só quero estar com saúde e tocando minha música.

 Você está lançando o álbum 'A Pele', o de número 109 desde 2013. Por onde caminha o som desse trabalho? Depois desse já tem coisa programada?

O projeto vai indo muito bem, porque, como sempre digo, faço música pra mim. Então, enquanto eu estiver me divertindo está tudo ótimo. Tenho muita coisa programada. Pra abril, por exemplo, tem um disco chamado Sambadeiras, que é uma homenagem ao Recôncavo, na pessoa de Roberto Mendes e do nosso saudoso Jorge Portugal.

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