Cura milagrosa? Especialistas alertam para riscos da automedicação com Ivermectina

Remédio teve efeitos contra o coronavírus em laboratório, mas não há comprovação dos efeitos em seres humanos

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 18 de junho de 2020 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: CORREIO

A velocidade surpreendente com a qual surgem novos medicamentos que supostamente vão salvar a humanidade do coronavírus exige firmeza e agilidade para desmenti-los. Portanto, em bom baianês, meu caro leitor: não vá de vez na Ivermectina porque pode ser perigoso. 

Segundo a Rede CoVida, projeto de colaboração científica e multidisciplinar focado na pandemia de covid-19, formado pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) e a Universidade Federal da Bahia (Ufba), a Ivermectina é uma potente droga antiparasitária - o popular remédio de verme - conhecida há muito tempo e amplamente utilizada.  A Organização Mundial da Saúde (OMS) elegeu a Ivermectina como droga para o programa de eliminação global da oncocercose - doença parasitária endêmica em vários países e responsável por cegueira.

Informações sobre o remédio já vinham circulando nas redes sociais, mas ele ficou ainda mais conhecido na Bahia após o médico Tarcísio Pedreira afirmar em um vídeo publicado no Instagram que prescreve a medicação para pacientes com suspeita da covid-19. No título do vídeo, o médico afirma que o vídeo não é para entrar em questões técnicas ou científicas e tampouco para orientar nenhum profissional de saúde.

"É uma medicação que serve para verme, piolho, sarna. Serve para tratar o coronavírus? Não sei. Você prescreve? Eu prescrevo", diz o médico, que também pontua que há indícios de que altas dosagens do remédio podem ser prejudiciais ao ser humano e faz questão de não cravar que a medicação tem efeitos comprovados contra a doença.

Professora do Instituto de Saúde Coletiva da Ufba e uma das coordenadoras executivas da Rede CoVida, Maria Glória Teixeira explica que as pesquisas feitas em laboratório precisaram de uma alta dosagem para surtir efeito sobre o vírus Sars-Cov-2. E que essa dosagem pode ser prejudicial às pessoas.

"Olhe só, os estudos que foram apresentados in vitro precisam de uma dose muito elevada para ter efeito sobre o vírus da covid-19. Uma dose muito alta, que não deve ser utilizada em pessoas. E em doses baixas ela é inócua, então para que usar?", questiona.

Assim como aconteceu com substâncias como a hidroxicloroquina/cloroquina e nitazoxanida (do medicamento Annita), as notícias sobre a suposta eficácia da Ivermectina fizeram a procura pelo remédio, que não custava mais de R$30 e tem versões genéricas na casa dos R$12, subir de forma absurda.

Professora da Ufba e infectologista, Nilse Querino conta que pacientes que foram tratados por ela para enfermidades relacionadas a vermes e parasitas do tipo relataram dificuldade em encontrar a medicação nas últimas semanas.

A infectologista diz que não é cética e tampouco sensacionalista quanto à eficácia do remédio contra a pandemia e fala que é preciso ter mais calma na hora de utilizar essas medicações: em resumo, é preciso aguardar que novos estudos apontem uma funcionalidade mais efetiva da medicação contra o coronavírus.

Farmacêutica do Centro de Informação sobre medicamentos do Conselho Regional de Farmácia do Estado da Bahia (CRF-BA), Maria Fernanda Barros aponta que o uso indevido do remédio pode gerar efeitos colaterais como diarreia, náuseas, anorexia e constipação. Além disso, pode desencadear reações ao Sistema Nervoso Central e consequências na pele com urticária, prurido e erupções.

"Qualquer medicamento tem reações adversas se não for utilizado de forma correta e pode produzir danos a quem for utilizar. Por isso que qualquer utilização de medicamentos, principalmente nesse momento de pandemia, não deve fazer por conta própria", diz a especialista.

É difícil controlar a ansiedade vendo os números de infectados e vítimas fatais do coronavírus subindo de forma exponencial a cada dia. Olhar tudo isso preso dentro de casa, ou correndo risco de se infectar e levar para os entes queridos após um dia de trabalho não é uma tarefa fácil.

Contudo, a recomendação mais segura apontada pela Rede CoVida é de não se deixar levar por falsas esperanças que, além de não curar, podem acarretar outros problemas. O mais certo, por enquanto, é contribuir para a adoção das medidas comprovadamente capazes de reduzir a transmissão do agente infeccioso da covid-19: distanciamento social, isolamento de casos e quarentena dos contatos.

É certo? Diretor do Departamento de Fiscalização do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb) e conselheiro do órgão, Otávio Marambaia afirma que fazer prescrições ou indicar remédios de forma pública são atitudes que fogem aos limites éticos da medicina.

Marambaia afirma que os médicos têm autonomia para receitar remédios no modelo chamado "fora da bula", ou off-label, no termo em inglês, que basicamente quer dizer indicar a droga para uma medicação que não estar prescrita na bula devido à observação e experiência do profissional.

"O médico precisa pesar os riscos e benefícios, além de avisar ao paciente, que precisa dar o aval antes de tomar a medicação", explica.

Quanto ao coronavírus, Marambaia afirma que toda a comunidade médica e científica ainda está conhecendo as implicações da doença e que o médico precisa ter cautela na hora de receitar medicações fora da bula e que médico nenhum deve receitar ou orientar o consumo de remédios através de vídeos e redes sociais.

"Essa forma de apresentação não se coaduna com os dispositivos éticos e esse colega está se expondo a alguma paciente tomar a medicação, não ter cura e processá-lo junto ao Cremeb ou até na justiça comum", alerta.

O médico Tarcísio Pedreira foi procurado pelo CORREIO. Após escrever em mensagem que daria entrevista, mas  "politizar esse debate", ele não atendeu às ligações da reportagem.

*com supervisão da subeditora Clarissa Pacheco