Da palma da mão à porta de casa: delivery transforma consumo e força adaptação de empresas baianas

Especialista do Sebrae dá dicas para empreendedores contarem com um serviço de entregas eficiente

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  • Da Redação

Publicado em 11 de outubro de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva / CORREIO

“Às vezes, quando preciso fazer alguma compra atípica, me pego pensando: ‘como é que eu fazia isso antes da pandemia?”.O questionamento de Marcella Marconi, 39 anos, é real e recorrente. Desde março de 2020, quando a pandemia colocou todo mundo dentro de casa e mudou vários hábitos diários – do trabalho ao lazer – o consumo no lar da servidora pública passou a ser praticamente todo remoto.

Para tudo: supermercado, alimentação, vestuário, produtos de limpeza. Até as compras da cachorrinha, Frida, passaram a chegar na porta de casa. E esse hábito continua mesmo após a flexibilização.

“Ir à shopping e loja física não é mais algo que surge naturalmente para mim, não é mais a primeira nem a segunda opção. E às vezes pode até ser mais rápido do que fazer um pedido online e aguardar chegar até sua casa”, ponderou. Mas, para ela, o conforto do consumo digital aliado à possibilidade de se manter em isolamento social – e a força do hábito – são imbatíveis.

Assim como Marcella, muitos baianos e baianas se acostumaram a receber compras ou pedidos em casa. E o reflexo na oferta é claro: o último levantamento do Sebrae, realizado em junho deste ano, aponta que 64% das empresas baianas passaram a vender online, e 23% têm mais da metade do faturamento proveniente do digital.

E aí chega em cena um serviço que se apresentou como grande aliado: o delivery. Um alívio grande para empresas de alimentação e farmácia, que, ainda de acordo com o levantamento do Sebrae, foram as mais atingidas pelo isolamento social na Bahia, representando 14% de todo o empresariado do estado. Marcella passou a fazer todas as compras online, inclusive as da cachorrinha Frida (Foto: Acervo Pessoal) Foram elas, também, as que mais “puxaram” o avanço do serviço: segundo dados da pesquisa A Transformação do Delivery Insights, mais de 90% dos consumidores brasileiros que usaram o delivery fizeram compras para alimentação, 85% para itens de farmácia e 78% para supermercado.

Mas não parou por aí: o delivery circulou por vários outros ramos e se consolidou em setores que antes não pensavam em investir nesse serviço. O brechó Compritchas, da empresária Glaucia Baruch, por exemplo, conseguiu chegar ao décimo aniversário neste ano graças às entregas. Assim como tantos empreendimentos, o brechó, localizado no bairro da Pituba, em Salvador, tinha presença nas redes sociais, mas não tinha site nem fazia entregas. Com a necessidade de fechar as portas, isso precisou mudar.“Na minha cabeça a experiência de brechó é garimpar, olhar as araras... Por isso eu nunca achei que o digital funcionaria, por isso que não investia no site. Achei que não daria certo. Mas foi o que salvou a gente. Nosso faturamento caiu para 1/3 nos dois primeiros meses. E mesmo quando eu pude reabrir os clientes não iam por medo de contaminação”.Em maio do ano passado o site foi lançado e as vendas por delivery se consolidaram. Como consequência, a queda no faturamento diminuiu para 56% da receita normal. No início da operação era a própria Glaucia quem fazia as entregas, mas a loja contratou um motoboy próprio e criou regras mais definidas em relação a política de trocas, que deu dor de cabeça nos primeiros meses.

“Ninguém queria pagar a taxa de entrega para troca, então estabelecemos que troca é só na loja. Com certeza vale a pena manter o delivery. Mesmo com o fluxo de clientes voltando ao normal, 15% de nossas vendas são por meios digitais ou envolvem delivery. No ano passado a entrega nos ajudou a não fechar, e nesse ano está ajudando no crescimento. Em agosto e setembro deste ano tivemos um aumento de 14,65% em relação a 2019”, comemorou.

Além do delivery e presencial, o Compritchas também funciona num modelo híbrido, em que os clientes podem comprar pelo site ou redes sociais e optar por retirar na loja. “É um meio-termo que funciona muito bem, porque a pessoa garante a peça que ela quer e, na hora de buscar, quase sempre acaba levando alguma outra coisa”.

É só colocar que dá certo?

Mas o delivery não funcionou para todo mundo. Sócio da Petmaster, rede há 20 anos no mercado pet em Salvador, Thiago Costa percebeu que não teria como competir com as grandes varejistas por itens como ração, tapete higiênico ou areia sanitária para gatos. O motivo? O preço.

“O delivery funcionou como uma forma da gente manter os clientes que já eram nossos, porque muitas pessoas, ao comparar preços na internet, acabaram optando pelas grandes lojas, que podiam comprar em mais quantidade e vender mais barato”, explicou. “Ajudou a gente a pagar as contas da loja quando estava tudo fechado, mas nada que justificasse investimento”.

Por isso, a saída foi apostar no que tornava a empresa diferente: o cuidado. “Percebemos um crescimento grande das pessoas em relação aos animais. Por isso trouxemos para a clínica serviços novos de acupuntura, fisioterapia, nutricionista pet, porque vimos que alimentação natural foi algo que cresceu… Eram serviços que a gente não oferecia antes e percebemos uma demanda”.

A aposta nos nichos deu tão certo que Thiago abriu no bairro da Pituba a Miauz, clínica especializada em felinos. A inauguração segunda unidade está programada para dezembro. Quanto ao delivery, Thiago repaginou a ideia e transformou num serviço a terceiros.“Fechamos contrato com uma grande empresa de e-commerce para guardar os pedidos e fazer as entregas até o consumidor final aqui em Salvador. É um serviço que passamos a oferecer e que vamos fazer com equipe 100% própria”.Planejamento é necessário

O passo a passo de Glaucia para fazer o Compritchas voltar a crescer e a percepção de Thiago para um novo nicho no mercado é o que Tauan Reis, analista de projetos inovadores do Sebrae, acredita ser o ideal para empreendedores durante crises. É preciso agir, mas também se planejar.

“Quando a pandemia começou ou se vendia remotamente pelo e-commerce, whatsapp, ou não se vendia. Não era mais uma questão de estratégia, era sobrevivência. E grande parte dos empresários migrou para esse processo no desespero, não houve planejamento ou construção, estratégia. Funcionou. Até porque o consumidor não tinha tanta opção assim, estava todo mundo na mesma”, disse. Mas, passado o momento da novidade, o nível de exigência do cliente volta a crescer.“Agora que temos o presencial, que eu, enquanto consumidor, posso ir buscar ou optar pelo delivery, eu exijo mais. Algumas pessoas aprenderam a comprar remotamente, é cômodo, mais seguro. Por isso a experiência do cliente comprando na loja ou comprando pelo digital tem que ser equivalente à qualidade do produto. Seja ele uma roupa, um alimento, um serviço”.Que o diga Marcella, que não tem intenção de deixar as compras digitais de lado, e acredita que será uma cliente mais exigente no presencial. “Vou ter que reaprender a fazer algumas coisas depois de tanto tempo, acho que tenho um longo caminho a percorrer. Já voltei a fazer algumas atividades presenciais, como RPG, pilates e feira, mas não consigo pensar em determinadas flexibilizações, como restaurantes, bares... Não lembro da última vez que entrei num shopping e não sinto falta”.

Ressignificar é uma das trilhas do Agenda Bahia 2021, que acontece no dia 28 de outubro, às 18h, pelo youtube.com/correio24h e pelo @correio24horas no Instagram. O Agenda Bahia 2021 é uma realização do CORREIO, com patrocínio da Unipar, parceria da Braskem, apoio da Sotero Ambiental, Tronox, Jotagê Engenharia, CF Refrigeração e AJL Locadora e apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador, Sistema FIEB, Sebrae, Rede Bahia e GFM 90,1.

Delivery impulsiona outros modelos de fazer negócio

A explosão da demanda do delivery transformou a maneira de prestação de serviço desde as primeiras semanas de isolamento social motivado pela pandemia. De acordo com pesquisa da Mobilis, em abril deste ano, aplicativos de entrega de alimentos prontos foram os que mais se popularizaram entre os usuários no Brasil: o iFood cresceu 172%, Rappi 121% e Uber Eats, 37%.

Segundo o analista de negócios inovadores do Sebrae, Tauan Reis, a Covid-19 antecipou uma tendência que já estava em curso. “A pandemia impactou e acelerou a inovação tecnológica, a gente trouxe o futuro pro presente. O que é o delivery? Eu entregar meu produto ou serviço de forma mais rápida. Em vez do meu cliente vir até mim eu vou até ele. E sem perder qualidade, porque a qualidade é intrínseca ao negócio”.

Isso mostrou que muitas empresas poderiam não apenas sobreviver, mas crescer apostando na presença digital e na tecnologia. Mas não foi só: com o relaxamento das restrições sanitárias, outros modelos de comercialização mesclando a presença física com a digital voltaram ou começaram a ganhar força.

O “figital” – mistura de físico com digital – quer dizer exatamente isso. Uma opção em que as duas modalidades se complementam. No caso do brechó Compritchas, de Glaucia Baruch, a clientela tem a opção de comprar pelas redes sociais ou no site e retirar o pedido na loja.

“Durante os meses de fechamento total das lojas a gente só fazia entregas. Mas agora a metade das pessoas que compram pelo digital prefere pra retirar na loja. E é legal que, uma vez na loja, já experimentam, caso seja necessário já podem trocar por outra peça ou então acabam comprando outras coisas”, apontou a empresária.

O modelo contrário também acontece: marcas que só aceitam pedidos online e que só funcionam com entregas começaram a montar pontos físicos, que funcionam como grandes vitrines, para que os clientes conheçam os produtos e tenham certeza sobre o que pedir.

“É uma grande tendência, sem dúvida. No caso de roupas personalizadas, por exemplo, algumas marcas optam por enviar uma fita métrica e orienta o cliente a preencher um cadastro com suas medidas no site. E você pede o modelo que você quer nas suas medidas. Tem todo um trabalho, é um desafio grande, mas você chega a um nicho de consumidores bem específico. É usar a criatividade e fazer acontecer”, completou Tauan.

Dicas para acertar no delivery do seu negócio (por Tauan Reis):

1. Esqueça 2020. Para ter um bom delivery você precisa de um bom planejamento

2. Para que as pessoas peçam no delivery ele precisa chegar ao seu público-alvo: é importante alcançar os clientes pelos canais online

3. Entenda o seu público e o seu nicho. Estabeleça o quanto você precisa vender para tornar seu negócio lucrativo. O resultado vai impactar diretamente na escolha do modelo de delivery ideal

4. Pode parecer que não tem ligação, mas o estoque, principalmente na área de alimentação, precisa ser muito bem feito. É importante comprar com de qualidade e bons preços, mas também na quantidade certa e na hora certa para evitar perdas

5. O pedido precisa chegar rápido e com qualidade. De preferência com custo baixo ou zero

6. Normalmente, quem precisa vender mais precisa de uma rotatividade maior. Se você não tem uma grande estrutura, terceirizar o delivery para aplicativos, por exemplo, pode ser uma boa saída

7. Caso seu negócio ou marca tenha valor agregado e não exija um volume de vendas muito grande: pode ser mais viável contar com uma equipe própria. Em especial se sua embalagem precisar de atenção por conta de temperatura, textura ou fragilidade do produto

8. A experiência do cliente ganhou força na pandemia. Não é só a venda pela venda. Desde que seu cliente acessou o aplicativo até a hora que ele comeu a comida ou recebeu o serviço, tudo faz parte da experiência dele. Considere fazer uma pesquisa de satisfação no final da entrega e esteja aberto a mudanças caso sejam construtivas

9. Acessibilidade é importante. Tem foto? Tem descrição? Tem valor claro? Adaptações são permitidas? Tudo isso pode fazer a diferença no momento da compra e, mais ainda, na fidelização

10. As fotos e descrições precisam estar de acordo com a realidade do produto