De Cosme de Farias para o Zorra: conheça o ator Evaldo Macarrão

Há um mês no humorístico da Rede Globo, baiano defende que a graça do programa é rir do opressor

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  • Da Redação

Publicado em 25 de maio de 2019 às 06:20

- Atualizado há um ano

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Quando voltou a Salvador alguns dias atrás e entrou no prédio em que mora, no bairro da Saúde, Evaldo Macarrão se deu conta, mais uma vez, do poder da representatividade. "Fui parado ainda na rua pela filha de uma vizinha tentando convencer a mãe de que era eu o ator que ela viu na TV. Quando eu confirmei, ela emendou: 'Ta vendo, minha mãe, que eu disse que ele morava aqui, que era nossa vizinho?!". 

No ar há pouco mais de um um mês no Zorra (Globo), o ator baiano comemora o reconhecimento. "É incrível ver essa identificação com um jovem periférico de Salvador, com dente montado, na TV. Aquela menina se reconheceu profundamente em mim. Nunca tive pretensão de ser global, mas está sendo massa ocupar este lugar", diz ele, sem deslumbre algum, sobre o inacreditável alcance da televisão. (Foto: Divulgação/ TV Globo) Aos 28 anos, o filho de pais com ensino fundamental incompleto, se sente realizado pela trajetória traçada até então. Ano passado, se graduou em Pedagogia pela Universidade Católica de Salvador (Ucsal). "Me sinto realizado e ogulhoso de tudo. Sofro muito para reparar minhas causas e as causas do meu povo. As coisas sempre foram muito difíceis. Nunca passei fome, mas sempre lidei com falta de grana. Consigo citar dois espetáculos nesses doze anos que me pagaram razoavelmente. Então, claro que valorizo chegar onde cheguei, um lugar onde todo mundo quer estar. E tenho consciência de que foi uma luta para entrar, e que há tantas outras para se manter", pondera, ao citar que já tem ouvido gente dizer que "está rico" e "deixando a Globo subir à cabeça". 

Nascido e criado em Cosme de Farias, Macarrão se divide hoje entre Salvador e Rio de Janeiro. Passa a semana gravando o programa, e aproveita a folga em sua terra natal sempre que possível para rever a família, visitar seu terreiro de candomblé e o CRIA (Centro de Referência Integral de Adolescentes), ONG localizada no Pelourinho que é uma espécie de casa para ele. Afinal, foi lá, que ainda adolescente Evaldo se transformou em Macarrão e em muita coisa que é hoje. 

"Eu não aprendi a ser negro na escola, nem em casa, nem na minha comunidade, infelizmente. Foi no CRIA e nos lugares que cheguei através dele; no gosto pela leitura e pela literatura de Jorge Amado, que também desenvolvi a partir de lá", conta. Para ele, se o asdolescente que está à margem da sociedade, não se enxerga, está mais vulnerável a cair no tráfico e na prostituição. "Morar na periferia não é ruim, é lá que a gente ainda acha pessoas que cuidam uma das outras, que se olham. O problema da periferia é a falta de investimento. A estrategia é deseducar, exterminar - negros, o problema é racial", enfatiza.

Uma de suas maiores inspirações de vida é Carla Lopes, 45, diretora artística do CRIA, e uma das primeiras a dizer que ele seria aprovado na seleção do filme Capitães da Areia, caso concorresse. "Eram mais de 1500 adolescentes concorrendo, e ela me disse para fazer que iria passar. Eu tinha 14 anos. Olhei para ela incrédulo, porque ela não elogiava meus trabalhos, nem os de ninguém. Ela sempre foi muito rigorosa. E, como ela previu, fui aprovado para fazer o Pirulito no filme", relembra. (Foto: Divulgação/ TV Globo) O nome artístico que adota hoje surgiu de uma situação inusitada, quando ainda era novato na ONG. O preparador vocal inventou de fazer aquecimento corporal e Evaldo não queria. "Ele (preparador) olhou para mim, reclamou que todos estavam fazendo o exercício menos eu, que estava lá jogado 'todo mole, que nem um macarrão'", lembra. Todos ao redor começaram a rir. "Eu não achei engraçado e fui lá reclamar, falando que meu nome era Evaldo Maurício, para ele me respeitar. Aí pronto, todo mundo começou a me chamar de Macarrão. Eu não gostava no início, mas depois curti", recorda. A adoção do apelido profissionalmente só aconteceu anos mais tarde, quando percebeu que já era mais conhecido por Macarrão que pelo nome de batismo. 

Em dez anos no CRIA, passou de aprendiz a educador e pôde conviver com aproximadamente 300 jovens de bairros periféricos, os quais vêem na arte e na trajetória de Macarrão a chave e o espelho para suas próprias transformações. No currículo, atuação em espetáculos como O Pai Ó, Paixão de Cristo e Compadre de Ogum, além do filme Capitães da Areia e de participações em Velho Chico e A Grande Família.

A chegada ao Zorra acontece em um momento bastante peculiar do programa, que em sua quinta temporada, mantém o fôlego em relação à produção de conteúdo crítico à política nacional. "O Zorra está no lugar da criticidade, do protesto contra essa realidade desigual e desumana. Eu faço o Zorra com muita raiva e com muito ódio, mas com também com muito amor e humor. Acho que é isso que eu tenho aprendido agora", resume. Para ele, quem se se sente ofendido com as piadas sabe porque se sente assim: preconceito. "A graça do programa é rir do opressor, e não do oprimido, então seguiremos na luta", defende o ator, que não se vê como um humorista necessariamente.

Macarrão chega ao prograna depois da saída de Érico Brás e Luís Miranda; outros dois baianos, e assim como ele, negros. "Os dois tinham saído e o program queria manter essa marca, com um ator negro e nordestino no elenco. Fui chamado para os testes e, desde então, sabia que podia ser uma pessoa do time", conta. Foram três testes, até obter a resposta positiva. "O elenco contribui muito em todo o processo, para me dar esse lugar de segurança, porque tem o frio na barriga, o coração acelerado, a mão tremendo", confidencia. Dentre os veteranos, nomes como Maria Clara Gueiros, Otavio Muller, Dani Calabresa e Fernando Caruso.  (Foto: Reprodução/ Instagram) Sua relação com a TV começou em 2014, quando quase um ano depois de fazer um cadastro no banco de talentos da Rede Globo para a novela Gabriela, acabou sendo chamado para fazer uma participação em A Grande Família. Ele costumava ouvir que parecia com Luís Miranda nas ruas ("isso me irritava, porque parece que todo preto se parece"), e essa semelhança foi notada pela Globo. "Eles ligaram me dizendo isso, que eu parecia com o Luís, e me convidando para fazer ele mais jovem numa participação. Cresci vendo A Grande Família, então foi um sonho esse convite. Sem falar que minha primeira cena foi com o Pedro Cardoso", comemora.

Na televisão, um dos nomes que lhe inspira é Lázaro Ramos. "Quando olhei para TV e vi ele, vi também que era possível que eu um dia chegasse a esse lugar. Um lugar bacana, que preto pode e deve estar porque é nosso também", afirma. A lista de inspirações contempla ainda Marinho Gonçalves, Carlos Betão, Zé Carlos, Ângelo Fávio e AC Costa. "Mas não tem só eles, tem as mulheres, que me deram régua e compasso: Valdineia Soriano, Arlete Dias, Rajabe Maya e Carla Lopes. As pessoas que faço questão de citar como referência são exemplos de disciplina. É a disciplina que lapida o talento, através do estudo, da pesquisa. Para mim, que tive uma defasagem na educação, ela é fundamental. O texto tem que ser estudado mesmo", explica.

Macarrão entendeu desde cedo que sua missão não é somente atuar. Quer, com o seu trabalho, formar cidadãos críticos e mobilizadores. E é isso que pretende continuar fazendo. (Foto: Diney Araújo)