De quem é o Dique? Órgãos não assumem responsabilidade por mau cheiro

Inema aponta causas do odor, mas nega responsabilidade pelo manancial

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  • Thais Borges

Publicado em 19 de outubro de 2017 às 07:50

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Betto Jr./CORREIO

Por trás do mau cheiro do Dique do Tororó, sentido nas últimas semanas por quem passa pelo local, ainda paira uma pergunta: de quem é a responsabilidade pelo manancial?

Em nota ao CORREIO, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), órgão do governo do estado ligado à Secretaria estadual do Meio Ambiente (Sema), explicou o mau cheiro, mas afirmou que não compete a ele “a responsabilidade sobre o espelho d’água do Dique do Tororó”.

De acordo com a última análise realizada no manancial, o Inema identificou valores elevados de fósforo e de nitrogênio, que enriquecem a água, “gerando condições propícias para o crescimento exacerbado de algas, que por sua vez, em processo de decomposição, geram mau cheiro”, afirmou o Inema, que monitora anualmente as condições das águas do Dique. 

A Secretaria Municipal da Cidade Sustentável (Secis) afirma que a área é do governo do estado, mas a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado (Conder) informou que só lhe cabem as áreas do entorno. O Inema também afirmou que a gestão das águas do Dique não é seu dever.

A culpa dessa indefinição, segundo o professor Eduardo Mendes, do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), é da falta de políticas públicas para ecossistemas aquáticos em todo o Brasil. Foco principal do mau cheiro, próximo à entrada da Lapa (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Poluição crônica O professor explica que o Dique sofre de poluição crônica - e isso vem piorando há mais de 400 anos. “Essa degradação, associada a uma questão meteorológica -  no caso, as chuvas intensas trazendo água pluvial misturada com esgoto - , fez com que aumentasse muito o nível da água”, diz Mendes.

Ele acredita que uma conjunção de fatores tenha provocado a chamada eutrofização no manancial, ou seja, a intensidade das chuvas e o baixo escoamento da água, além do fato de que a sujeira se move de acordo com a direção dos ventos, teriam promovido o enriquecimento nutricional, com algas e plantas crescendo de forma excessiva.

O último estágio da poluição é a fedentina. “É como uma piscina mal cuidada. Ela vai ficando verdinha, porque o cloro vai embora e as algas vão dominar”, fala o professor. O cheiro que tem atormentado os moradores é justamente das algas mortas. Pode até ter uma influência do esgoto, mas a maior parte vem delas, que morrem com o pouco oxigênio na água. Essa falta de oxigênio ainda pode indicar outra coisa: os aeradores podem não estar funcionando como deveriam. “Eles deveriam ter função de melhorar a qualidade do oxigênio da água. Se tiver oxigênio, não tem fedentina.”

Ogã do terreiro Ilê Axé Odê Mirim, um dos que depositam presentes no Dique na madrugada do 2 de fevereiro, Leandro dos Anjos faz um apelo ao poder público. “Gostaria que algum órgão tomasse providência com o que está acontecendo. Aquele é um lugar sagrado e não deve ficar assim. Para mim, o Dique representa um paraíso e, ali, foram dedicados muitos presentes a Oxum, a Nanã, a Obá e a Iemanjá. Fico muito triste porque a gente vê a presença dos orixás ali dentro”, diz ele, que acompanha a entrega do presente há 28 anos e nunca viu nada assim acontecer.

Dificuldade De acordo com a promotora Cristina Seixas, coordenadora do Centro de Apoio às Promotorias do Meio Ambiente (Ceama), há uma responsabilidade entre diferentes instâncias de poder. “É um local difícil realmente de administrar no sentido que há várias causas que vão interferir. Mas todos têm que contribuir para a qualidade da água melhorar. O estado tem que, efetivamente, adotar as posturas, colocar os aeradores, mas a prefeitura precisa adotar políticas de saneamento que contribuam com a qualidade da água, políticas para a questão do esgoto, do lixo e da drenagem fluvial”, argumentou. A promotora disse que o MP-BA vai verificar de qual forma poderá contribuir, inclusive para que as responsabilidades sejam assumidas.

Já o secretário municipal da Cidade Sustentável, André Fraga, reafirmou que a prefeitura não é a gestora do manancial. “Se o Estado abandonou o Dique e não tem solução, significa que eles não têm interesse em resolver a questão. O saneamento tanto quanto a coleta de esgoto são responsabilidade da Embasa. Esgoto e água são com a Embasa”, explicou ele. A Embasa, por sua vez, também nega ser responsável pela manutenção das águas do Dique do Tororó.

O prefeito ACM Neto voltou a falar ontem que “desde que foi requalificado, o Dique é de responsabilidade do governo do estado”.

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Professores da Ufba vão ministrar aula pública no Dique No sábado (21), quem for ou passar pelo Dique do Tororó vai poder entender um pouco melhor o que está acontecendo com o manancial. Professores do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba) vão promover uma aula pública durante parte da manhã.

“Vamos levar microscópio, vamos levar material para as pessoas verem e tirarem suas dúvidas”, adianta o professor Eduardo Mendes, do Instituto de Biologia. De acordo com ele, pelo menos quatro professores vão participar do aulão, que será destinado a qualquer pessoa que tiver interesse. 

“Independente de quem cuide (do Dique), nós, da Ufba, temos uma responsabilidade de ir lá esclarecer, sem nenhum alarme, sem nenhuma intenção de ferir os brios de ninguém. Mas, em termos de técnica, temos conhecimento para colaborar, e é em momentos como esse que a universidade precisa dizer: 'estamos aqui'”. 

Quem também vai ao Dique, mesmo com o mau cheiro, é o atleta paralímpico de remo Renê Pereira. Atualmente, ele treina na Ribeira, mas já planejava retornar ao Dique, onde treinou em 2015.

“Mesmo com essa situação, vou voltar. A Ribeira tem problemas de vento, embarcação e poluição. O Dique acaba sendo pequeno, mas pretendo ficar treinando lá até dezembro ou janeiro, quando conseguir regularizar tudo para treinar em Pituaçu”, diz.

Renê, da seleção brasileira, se preocupa: “Eu convivo com esse problema na Ribeira. Estamos com nossas águas poluídas. Na Ribeira, que deveria ser um local preservado, você tem que pisar em lixo, caco de vidro, até rato”.