Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Gil Santos
Publicado em 7 de setembro de 2022 às 17:08
Depois de dois anos sem celebrações do 7 de Setembro, uma multidão foi ao Campo Grande vinda de todos os cantos para celebrar os 200 anos de Independência do Brasil. A quantidade de espectadores superou os anos anteriores, mas o verde e o amarelo que colorem o público foram menos vistos neste ano. Os militares se esforçaram: teve pirâmide humana, sobrevoo de aeronaves e gritos de guerra que agitaram a plateia, nesta quarta-feira (7). Cerimônia marcou o bicentenário da libertação do domínio português (Foto: Marina Silva/ CORREIO) A história conta que o processo de independência começou muito antes do 7 de setembro, com levantes populares em diversas partes do país. O historiador Ricardo Carvalho explicou que movimentos como a Inconfidência Mineira (1789-1792), ocorrida em Minas Gerais, e a Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates (1798-1799), em Salvador, já buscavam a libertação e lutavam por direitos iguais 20 anos antes de Dom Pedro gritar às margens do Ipiranga.>
“A Conjuração Baiana foi um grito verdadeiramente libertário, porque além de lutar contra o domínio português, esse movimento cogitava acabar com a escravidão e criar um modelo republicano fortemente inspirado nas ideias liberais. E mesmo o processo do 7 de setembro tem antecedentes, como o Dia do Fico, quando a elite cria as contingências para que Dom Pedro permaneça no Brasil, e de outros eventos que já vinham acontecendo na Bahia, no Maranhão, no Piauí, em Pernambuco e outros estados brasileiros”, contou.>
[[galeria]]>
Todos esses movimentos terminaram com brasileiros sendo presos e assassinados. O alfaiate baiano João de Deus do Nascimento, um dos líderes da Conjuração, foi executado e esquartejado em praça pública. A cabeça dele ficou exposta em frente à casa em que morava, na Rua Chile. Mesmo com repressão, a luta para libertar o Brasil do domínio português envolveu homens bancos e livres, mulheres, negros escravizados, grandes proprietários de terra e profissionais liberais.>
Os passos apressados de dona Hilda Lima, 60 anos, subindo as escadas que levam ao Campo Grande denunciavam que algo de importante estava para a acontecer nesta quarta-feira. De blusa florida e carregando uma pequena bandeira brasileira, a aposentada contou o motivo de tanto agito. “Quero pegar um lugar bom para ver o desfile. Todo ano eu venho assistir, estava sentindo falta”, relatou, ofegante. Público lembrou o compromisso das tropas com a Constituição e a democracia (Foto: Marina Silva/ CORREIO) No mesmo local, o CORREIO conversou com professores, advogados, psicólogos, administradores, donas de casa e estudantes. Os primeiros grupos de militares entraram na avenida às 9h03. Nesse momento, as autoridades públicas já estavam posicionadas no palanque e uma multidão se acotovelava no gradil que fica às margens do desfile para registrar as primeiras imagens. Foi gente até perder de vista.>
Os gritos de guerra agitaram o público. Militares dos mais diversos batalhões, alguns com caras pintadas e armados, entoaram gritos que, ao som ritmado das botas, fizeram a multidão vibrar. O grupamento feminino da Força Aérea se destacou, provocando aplausos. Uma chuva fininha tentou estragar a festa indo e voltando durante todo o desfile, mas fracassou. Muitas pessoas levaram sombrinhas e guarda-chuva ou se abrigaram embaixo da copa das árvores, mas ninguém arredou o pé. Público registra cada momento (Foto: Marina Silva/ CORREIO) O público que assistia ao evento teve uma surpresa: duas aeronaves sobrevoaram o desfile e os motores potentes romperam o ar e o silêncio para alegria das crianças. A dona de casa Vera Lúcia Cerqueira, 64 anos, levou a neta e a bisneta para o evento.>
“Eu fui marinheira quando era mais jovem, e mesmo depois continuei vindo assistir o 7 de setembro. Todo ano trazia minha neta e, agora, será a vez da minha bisneta”, disse. A pequena Verena Lis, de apenas 10 meses, estava vestida de verde e amarelo da cabeça aos pés. Ela disputou fofura com Heitor Cavalcante, também de 10 meses, que foi vestido de policial. Heitor Cavalcante, 10 meses, foi vestido de policial (Foto: Marina Silva/ CORREIO) Os grupamentos motorizados deram um show à parte. A pirâmide humana e as manobras radicais atraíram a atenção de adultos e crianças. Durante a passagem dos veículos do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), uma mulher se sentiu mal e foi socorrida pela ambulância que estava no final da fila. Ela foi atendida ao lado do circuito. Depois de dois anos de pandemia, essa foi a primeira vez que os militares desfilaram para a população.>
Bahia Um ditado popular baiano costuma perguntar “quem é você na fila do pão?”, para indagar a importância de alguém. Segundo os historiadores, se o pão for a Independência do Brasil, a Bahia pode ser considerada a farinha e o fermento. “Não haveria Independência do Brasil sem a Bahia, é impossível pensar nisso”, afirma do historiador Ricardo Carvalho. Historiador Ricardo Carvalho destacou a participação da Bahia na Independência (Foto: acervo pessoal) O grito do Ipiranga aconteceu em setembro, mas os registros históricos afirmam que em fevereiro daquele ano as disputas entre baianos e portugueses já estavam causando furdunços em Salvador. O jornalista e escritor Laurentino Gomes escreve na obra 1808:>
“Ao amanhecer de 19 de fevereiro de 1822, os moradores foram acordados com o som de tiros disparados na região mais alta da cidade, próxima ao Campo Grande. Era uma rebelião de militares brasileiros contra uma decisão das cortes de Lisboa. O brigadeiro Manuel Pedro de Freitas Guimarães, brasileiro e simpático à causa de D. Pedro, seria substituído no comando das tropas da Bahia pelo general português Ignácio Luís Madeira de Melo, nomeado governador das armas da província”, afirma.>
Na prática, o Governo de Portugal pretendia concentrar em Salvador os esforços militares para conseguir manter o controle sobre o Norte e o Nordeste do Brasil, mas fracassou. Os baianos montaram uma resistência no Recôncavo e com apoio de representantes de diversas cidades do interior, no dia 2 de julho de 1823, retomaram Salvador e expulsaram o inimigo. O historiador Ricardo Carvalho explicou porque é importante relembrar o bicentenário da Independência do Brasil.>
“Mais do que simplesmente uma comemoração cívica, comemorar os 200 anos da independência é rememorar a afirmação do Estado Brasileiro e sua soberania. A gente sabe que a independência não se realizou de forma mágica e imediata em 7 de setembro de 1822. As conquistas foram sendo realizadas ao longo da história do Brasil e algumas independências ainda precisam ser realizadas, mas é indiscutível o significado daquele momento. Depois de séculos de opressão, o país tem voz ativa para reger seu próprio destino”, disse.>