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Publicado em 10 de outubro de 2021 às 16:00
- Atualizado há um ano
Em todos os meses de outubro me vem esse questionamento: dia de quais crianças? Eu, enquanto criança gay, cisgênero, gorda e não-branca, desde que me entendo enquanto ser vivo, nunca me encaixei nas embalagens de brinquedos, nas histórias em quadrinhos, nos filmes, nos desenhos e nos livros. Por que?
Ainda em 2020 fiquei esperançoso com a possibilidade de ter um personagem LGBTQIAP+ na Turma da Mônica, minha grande referência de entretenimento quando leitor mirim. E o banho de água fria veio no mesmo ano com o pronunciamento de Mauricio de Sousa: “Acho que nós não estamos prontos. Nós, aqui no Estúdio, que fazemos histórias, não observamos ainda uma transformação e uma aceitação geral desse tipo de comportamento que, para mim, é natural, embora muita gente não ache”, disse numa entrevista para o Estadão.
Faço o mesmo questionamento: por que? Será que nós, pessoas LGBTQIAP+ estávamos prontes para histórias heterossexuais cisgênero? Alguém algum dia nos perguntou isso? E as crianças da nossa comunidade? Como ficam? Até quando precisaremos esperar para que possamos nos ver nos lugares que também nos é de direito? Eu, por exemplo, só soube que nós somos protagonistas de histórias em livros aos 33 anos, quando criei o Primeira Orelha nas redes sociais, lugar onde falo de literatura infantil, infantojuvenil e que tenha representatividade LGBTQIAP+. No percorrer dessa trajetória segui sem nenhuma referência sobre mim na literatura.
A literatura é uma ferramenta potente para ambientar realidades e naturalizar existências de maneira lúdica e respeitosa tornando possível dialogar sobre assuntos que a família tradicional brasileira talvez não tenha coragem de falar. Além de ser um poderoso veículo para as crianças exercitarem o seu olhar sobre a sociedade e temas diversos. Hoje, temos vários títulos escritos por pessoas LGBTQIAP+ que tratam da nossa existência de forma natural como Meus Pais e Eu (Se Liga Editorial), de minha autoria; A Família do Caetano (Editora Vira Letra), de Manuela Neves e Renata Prado; Minhas Duas Avós (Editora Jandaíra), de Ana Teixeira; Ovelha Colorida (Editora Kapulana), de Carolina Portella, entre outros.
Há também livros escritos por pessoas aliadas como Olívia Tem Dois Papais (Companhia das Letrinhas), de Marcia Leite; O Pato que Descobriu Quem Era (Editora Jandaíra), de Ana Paula Sefton; O Gato Ratudo e o Rato Gatudo (Saíra Editorial), de Thais Evangelista e Frederico Brito; e Confissões de Um Garoto Tímido, Nerd e (Ligeiramente) Apaixonado (Editora Arqueiro), de Thalita Rebouças.
Neste ano, tive a oportunidade de conversar com Joe Veloso, que faz a Jojo, uma drag queen contadora de histórias para crianças; o casal de drags Jaime Aceves Equihua e Francisco Soto, que estrelaram o documentário Las Reinas de Los Cuentos, que relata o trabalho que desenvolvem em San Diego usando a narrativa em prol de uma educação mais afetuosa, diversa e inclusiva com mediação de Felipe Cabral, idealizador do canal Eu Leio LGBT, no Rio Festival de Cinema LGBTQIA+ (Rio LGBTQIA+).
Nesta oportunidade trocamos experiências sobre os trabalhos que desenvolvemos no âmbito educacional e pode-se concluir que realmente a problemática nunca esteve na criança, mas sim no meio onde ela está inserida e que através da literatura podemos intervir num futuro menos sofrido e cada vez mais inclusivo e respeitoso.
Enxergar-nos nas histórias, perceber que somos pertencentes, compreender que somos protagonistas em narrativas que vão além das nossas vidas é engrandecedor. É o sentimento de existir. É potencializar vozes e notar que o quanto antes nos sentirmos incluídos menor a nossa dor de ser quem somos. Menos serão os dedos apontados. Maior será o carinho que passamos a ter por nós mesmos e por quem está conosco.
No dia 21 de setembro, o professor Gustavo Porcino postou em suas redes sociais um relato sobre a reação de seus alunos ao descobrirem que ele namora um homem. Enquanto esperava por perguntas certamente mais embaraçosas, as crianças, de 10 e 11 anos, fizeram apenas questionamentos comuns a qualquer casal. Natural como deve ser.
A literatura LGBTQIAP+ para crianças nunca é somente para crianças LGBTQIAP+, afinal eu cresci em meio a Pedro Bandeira, Marcia Kupstas e tantas pessoas que são aclamadas na literatura clássica e continuo gay. A literatura LGBTQIAP+ é para quem lê. É para que se divirta, sofra, chore, ria, aprenda, compartilhe, se identifique e compreenda que o problema nunca está em quem nasce, mas sim em quem se acha no direito de aceitar alguém por ser quem é.
A literatura é feita por pessoas e as pessoas são diversas por existirem. Através da literatura podemos conhecer e vivenciar histórias em sua diversidade podendo assim olhar para o lado com mais cuidado, zelo, carinho e amor. Já pensou um mundo com menos dor, violência, intolerância, preconceito ou discriminação? Somos capazes disso. Basta ensinar às nossas crianças que elas podem e devem se amar por serem quem são. A literatura é a nossa aliada para contar e fazer essa história acontecer o quanto antes.
Deko Lipe é escritor e produtor de conteúdo para o site Primeira Orelha
Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade dos autores