Dias Gomes, Vinicius de Moraes, e as imorais políticas sem amor

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  • Da Redação

Publicado em 30 de maio de 2022 às 05:03

- Atualizado há um ano

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Há cem anos, nascia Dias Gomes. Um de nossos maiores dramaturgos, criou peças e novelas memoráveis. Foi também responsável direto por nossa única Palma de Ouro em Cannes, ao adaptar seu texto O Pagador de Promessas, um de seus maiores sucessos no teatro brasileiro.

Dia 18 de maio, roteirizei e dirigi a cerimônia de entrega do Prêmio Braskem de Teatro, numa homenagem ao centenário de nosso maior dramaturgo. Coincidentemente (ou não?), no mesmo dia em que ele faleceu.

Quando propus o tema e a homenagem, prontamente aceitos pela empresa e pela produtora do prêmio, tive que, obviamente, mergulhar em sua obra e buscar um recorte em meio aos seus textos teatrais. Queria me concentrar em seu teatro, visto ser um prêmio de teatro, mas também trazer à memória do público trilhas musicais marcantes de seus espetáculos e novelas.

Pouca gente sabe, mas as canções Amando Sobre os Jornais e Dueto, de Chico Buarque, a primeira sucesso na voz de Bethânia, a segunda gravada por Nara Leão em dueto com o próprio Chico, foram compostas para a peça O Rei de Ramos, de Dias Gomes. Assim como Branca Dias, belamente gravada por Nana Caymmi, foi composta por Edu Lobo e Cacaso para a peça O Santo Inquérito.

Sucesso do repertório de Tom e Vinicius, O Morro Não Tem Vez destoa um pouco das temáticas de amor que são a tônica das belas letras de Vinicius. Arrisco dizer o óbvio: justamente porque ela foi composta para a peça A Invasão (1962), de Dias Gomes. Obra que, como sempre, além de ser altamente política, ainda prenunciava o império das milícias que iriam tomar conta de boa parte do Rio de Janeiro, e de parte da política brasileira.

1973. A ditadura militar tortura, mata, prende, ameaça, censura. Auge da repressão. Dias Gomes estreia a primeira novela colorida da TV brasileira, O Bem-amado. Uma sátira que “criticava com humor o Brasil da ditadura militar”, como diria o próprio site da Rede Globo. Vinicius de Moraes é convidado, junto a Toquinho, para compor a trilha original.

Dentre os temas habituais da dupla, três canções destoavam, duas delas mais ainda, do próprio estilo do poeta, mas também da ironia e sarcasmo de Dias Gomes.

Da mais singela, No Colo da Serra, com alusão ao regime militar, pode-se ouvir então em Paiol de Pólvora, e na canção homônima de abertura da novela, um alto teor político evidenciando os tempos de chumbo. Vinicius fala que “estamos trancados num paiol de pólvora”. Paralisados, olhos vendados, dentes cerrados. E ironiza que são tudo flores, TV a cores, e que tomem seus lugares: “vai pelos ares o paiol de pólvora”.

Na cena sobre a ditadura, escolhi para a cerimônia a canção O Bem-amado. A letra da abertura da novela diz “A noite no dia, a vida na morte, o céu no chão” e que “logo o vento da noite vem lembrar / Que a morte está sempre a esperar / Em um canto qualquer desta vida”. Utilizando-se do paradoxo, Vinicius denuncia a ditadura militar na abertura de uma novela da Globo, indo além do recurso do humor usado por Dias Gomes. Seu recado era claro, direto, e, talvez por seu prestígio, ou por não ser visado, o poeta percorreu com seu discurso milhões de lares do país sem censura.

Mais do que o panfleto na arte, a força poética mexe o ser humano por dentro, na alma. É atemporal e desvela “O espanto na calma / coragem no medo / Vai e vem / o corpo sem alma / a ida na volta, o mal no bem”.

Por isso, sua obra ficou. Por isso, infelizmente, sua rara obra musical política continua atual, e precisando ser dita, como as peças do grande dramaturgo baiano.