Diego, guerra e paz

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  • Da Redação

Publicado em 28 de novembro de 2020 às 11:00

- Atualizado há um ano

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Quando vi o cartaz na porta do hotel, imediatamente a programação mudou. De que vale tudo isso, Florida, Porto Madero e Recoleta, se Dom Diego está aqui? O final do ano se aproximava, mas não havia como pensar em Roberto Carlos. E naquele momento, tampouco na lua-de-mel. Claro, após breve negociação posto que o interesse era mútuo. É antevéspera de Natal em 2006 e o destino será o Luna Park onde a Argentina enfrenta o Brasil no Showbol: futebol com sete de cada lado, substituições ilimitadas, em um campo fechado, sem tiros de meta nem laterais e, portanto, possível o drible da vaca usando a parede. 

Ex-jogadores desfilam na quadra do ginásio, no centro de Buenos Aires. De um lado Júnior Baiano, Djalminha e Viola e, do outro, Goycochea, Mancuso e Ele. Na arquibancada, hinchada ensandecida. Parece que estamos em La Boca, dentro do Alberto José Armando, a Bombonera. A “12”, principal torcida do Boca Juniors, trouxe faixas e a charanga incessante. Há histeria e o principal canto da noite: 

A esos putos les tenemos que ganar!

A esos putos les tenemos que ganar!

A esos putos les tenemos que ganar!

Maradona joga pouco. Mas vive animado com a modalidade, ótima opção para ex-atletas, fonte de renda e negação ao ócio sem fim. Deixa um de pênalti, comemora como Maradona e o jogo termina 7x7. Do lado de fora do ginásio, dezenas de ambulantes expõem peças alusivas não à seleção, mas ao mito, à lenda, ao Deus argentino que se foi na última quarta-feira, 25. Maradona marcou uma geração. Existem milhares de Diegos na faixa dos 30 anos, devidamente bem registrados em homenagem ao 10. Mais do que a qualidade técnica, conseguia unir habilidade e raça, uma soma pouca vista. Quem não conhece inúmeros canhotos que fazem de tudo no meio-campo, distribuem banhos de cuia, finalizam bem, mas dormem a maior parte do tempo durante a partida?

Maradona, não. Empurra o time. Recusa-se a aceitar a derrota. Baixinho retado, parte pra cima e não teme os gigantes italianos do Norte. Vejam e revejam Diego Maradona, do britânico Asif Kapadia, para entender como virou uma lenda em Nápoles. Um líder da caça simbólica, do futebol em substituição à caça de sobrevivência, segundo a interpretação de Desmond Morris, professor da Universidade de Oxford. 

Maradona era o coração em campo. Claramente há (muito) amor ao jogo. Do amarrar do cadarço, envolvendo a chuteira Puma, nos pontinhos durante o aquecimento, na busca pelo contato, da convivência em grupo, da alegria exuberante, do golaço de mão, vingador das Malvinas. De que planeta vieste?

Não foi o melhor, mas deixa um legado imenso.  Na empatia, em representar um povo, em se posicionar como cidadão do mundo, em ter um lado e seguir com ele. Até o fim.  

Arrimo de família desde 20 de outubro de 1976, quando estreou pelo Argentino Juniors, na primeira divisão do futebol argentino, a dez dias de completar 16 anos de idade, Maradona não suportou o peso do mundo. Buscou soluções, encontrou ilusões. Mas virou referência eterna para quem gosta do jogo jogado, com arte e luta, guerra e paz. Descanse, Diego. E obrigado. 

Flávio Novaes é jornalista e pesquisador