Diesel pouco, meu caminhão primeiro

Henrique Campos de Oliveira é professor do curso de Logística

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  • Da Redação

Publicado em 25 de maio de 2018 às 00:42

- Atualizado há um ano

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O atual apagão logístico resultante da paralisação dos motoristas de caminhão não é o primeiro nem será o último. Além das evidentes consequências econômicas, tal crise gera desdobramento na política. Quem sabe um pouco de história pode logo apontar para o Brasil em 1964, Chile em 1973 e para o recente governo Dilma.

O transporte se confunde com a essência da humanidade: a interação social. Esta só é possível através do fluxo físico estabelecido pelos transportes para gerar o comércio e pela migração dos povos. O transporte rodoviário é o mais flexível. Qualquer modal depende do rodoviário para a carga chegar ao destino final. A mercadoria pode até passar por avião, navio ou trem, mas, invariavelmente, precisará do caminhão para a encomenda chegar na casa do cliente. Imagine um país que tem uma matriz de transporte concentrada no rodoviário.

Mas por que isso aconteceu no Brasil? A resposta que vem logo a cabeça é: lobby das empresas automobilísticas. Essa é uma resposta superficial. A infraestrutura de transporte rodoviária é a mais barata de implementar e a operação é repassada para os usuários.  Já o ferroviário é caro para implementar, mas barato na manutenção, além de contribuir com a redução de acidentes e de emissão de poluentes com uso mais eficiente de combustíveis fósseis.

Mas outro aluno atento à aula pode me perguntar: mas, professor, o Brasil já teve uma malha ferroviária maior do que a de hoje? Sim, mas isso foi antes de mudanças tecnológicas importantes. Até 1930, predominava a famosa maria fumaça, trem movido a vapor que passou a ser movido a combustão. Com isso, o comboio de trens aumentou a sua extensão necessitando de estradas de ferros com traçados sem curvas fechadas nem inclinações muito acentuadas. Para o Brasil se adequar a essa nova realidade, exigia dispêndios de grande porte.

Ao mesmo tempo, difunde-se no mundo o transporte rodoviário de carga mais barato para construir e uma das molas propulsoras da política de industrialização  no país a partir de 1940. Para isso, foi necessário criar rodovias para constituir o mercado consumidor e garantir a integração física no nosso país continental. A partir de 1970, surgem BR-324, BR-101, BR- 110, BR-242. As quais, até hoje, seguem praticamente nos moldes dos caminhões de dimensões daquela época. Além da cultura focada no consumo do carro que caracteriza o brasileiro. Assim, chega-se a um sistema de transporte focado no rodoviário precário e defasado, portos sem ligação com o ferroviário praticamente dedicado ao transporte de minério.

Logo, temos uma significativa dependência nos nossos motoristas de caminhão que trabalham extrapolando as jornadas de trabalho de 8 horas, com excesso de carga e manutenção precária dos caminhões para absorver a diferença desfavorável entre o preço do frete com o custo real que tem para fazer o caminhão rodar. Na contramão, os mesmos passam a ser contra o regulamento da profissão, a definição do frete mínimo, exemplos de regulação em todo o mundo. Ao mesmo tempo, ficam satisfeitos com isenções ou prolongamento das parcelas do leasing do caminhão.

Repete-se uma prática comum entre as classes profissionais brasileiras focadas em privilégios corporativistas em vez de solução estrutural dos nossos problemas. Com gasolina pouca, meu caminhão primeiro!? Mas teria outro caminho possível para nossos heróis caminhoneiros responsáveis pelo abastecimento dos nossos medicamentos e alimentos?

Henrique Campos de Oliveira é professor do curso de Logística e Coordenador do Curso de Relações Internacionais da Unifacs-Laureate.