'Difícil deixar sua história pra trás', diz morador de casarão que desabou

Seis famílias moravam no imóvel, que fica no Santo Antônio Além do Carmo

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  • Tailane Muniz

Publicado em 25 de março de 2019 às 16:35

- Atualizado há um ano

. Crédito: Tailane Muniz/CORREIO

O barulho do teto despencando soou familiar. Foi a terceira vez que o estrondo ecoou, só esse ano, bem próximo aos ouvidos do mecânico Luiz Carlos Bastos, 48 anos. Mais uma vez, escapou ileso aos escombros de parte do telhado do casarão de número 5, localizado na Rua dos Adôbes, no Santo Antônio Além do Carmo, Centro Histórico de Salvador. 

O imóvel, que desabou parcialmente na manhã desta segunda-feira (25), após fortes chuvas, abriga outras cinco famílias. Todos os moradores - alguns há mais de 30 anos no endereço -, foram orientados pela Defesa Civil de Salvador (Codesal) a deixar o local imediatamente.

Embora convivesse com o medo há nove anos, desde que foi morar no imóvel, Luiz Carlos lamentou ter de ir embora."Eu fico muito, muito triste. Não queria ter de ir embora, é difícil deixar sua história pra trás. Foi aqui que eu comecei a ter minhas coisinhas, minha geladeira, meu fogão, minhas ferramentas. Tudo o que tenho na vida está aqui, é só o que vou levar comigo", lamentou Luiz, chorando bastante.Emocionado, fez questão de apresentar o quarto onde vivia à reportagem. Um lugar úmido, com pouca iluminação e insalubre - condições que, segundo ele, não são consequência do desabamento, mas do estado de desgaste de um imóvel visivelmente degradado pelo tempo. 

"Eu tinha medo, todos nós tínhamos medo, mas a gente realmente não imaginava que teria que sair. Das outras [três] vezes, foi um estrago menorzinho, mas agora ficou assim, destruiu tudo", pontuou ele, que preparava um cuscuz, por volta de 5h, quando o imóvel começou a cair. Luiz não tem contato com a família e morava sozinho no local.

VEJA OUTROS ESTRAGOS CAUSADOS PELA CHUVA NESTA SEGUNDA-FEIRA  Casarão abrigava seis famílias (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) 'Tive muito medo' No susto, o mecânico correu até a área que acreditou ser mais segura: Luiz ficou abaixado sob os degraus de uma escada que liga ao andar superior. Outras sete pessoas, entre elas, duas crianças e um idoso, acabaram presas no local. Elas foram resgatadas pelo Corpo de Bombeiros Militar (CBM), que chegou ao local acompanhando uma equipe da Codesal.

As vítimas não tiveram ferimentos graves e seguem em observação, segundo os vizinhos. "Eu não nego que tive muito, muito medo de sair morto. Mas acho que Deus sabe o que faz, há males que vêm para o bem. Eu não tinha saído das outras vezes porque não tinha sido contemplado pela Codesal, mas hoje eles fizeram nosso cadastro", comentou, enquanto acompanhava os vizinhos retirarem móveis e eletrodomésticos do imóvel.

A Codesal informou que 12 vistorias foram realizadas na casa, sendo a primeira delas em 2005. A edificação, segundo o órgão, é antiga e ocupada irregularmente, além de estar em estado precário de conservação, ser tombado e não poder ser demolido - razão pela qual tem a facha escorada.

A edificação tem três pavimentos em condições instáveis - sendo o térreo ocupado. Os demais apresentam desabamento parcial da estrutura, com risco iminente de colapso de partes das estruturas sobre o pavimento inferior. "Os ocupantes foram instados a deixarem o imóvel e encaminhados ao auxílio social. Mesmo recebendo auxilio moradia da Prefeitura, retornaram irregularmente ao local", informou o órgão, em nota. Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO 'Livramento' O autônomo Alan de Jesus, 35, é um dos moradores mais novos do lugar, onde vive há sete anos. Ele dormia quando os primeiros pedaços do teto começaram a cair. "Eu tomei um susto tão grande. Mas aí parei e pensei: 'melhor esperar todo o barulho acabar, pra poder sair e pedir ajuda'. Na hora, como alagou e faltou luz, eu sabia que se andasse sem enxergar podia tomar um choque, sei lá", relatou ao CORREIO.Depois que não ouviu mais barulho, o autônomo saiu de casa e procurou vizinhos. Ele contou que tanto as equipes de bombeiros quanto a Defesa Civil chegaram no local por volta de 6h. "Foi bem rápido. O pessoal do fundo demorou um pouco mais porque tiveram que quebrar a parede para eles passarem, por causa do risco".

Alan também está triste em ter de deixar o local, onde pagava apenas as contas de água e luz, todas rateadas entre os moradores."A gente não estava aqui porque queria, mas porque não temos como pagar aluguel. Agora, é buscar um familiar ou amigo que dê abrigo, enquanto as coisas se acertam. Sem dúvida, foi um livramento para a gente. E o tempo vai piorar muito, eu sei, não quero nem imaginar continuar aqui".A ideia é que todos os moradores deixem a edificação até o final da tarde desta segunda (25). Como imaginou Alan, a previsão do tempo para os próximos dois dias anunciam risco. Na terça-feira (26), segundo a Codesal, há previsão de pancadas de chuvas fracas e isoladas, principalmente à noite. 

Para quarta-feira (27), a meteorologia indica previsões ainda mais preocupantes: há tendência de alagamentos e deslizamentos de terra, com pancadas de chuvas fracas a moderadas, a qualquer hora do dia.

Até as 17h, a Codesal havia registrado 302 ocorrências. Por meio de nota, o órgão informou que "foram 35 alagamentos de imóveis, três alagamentos de áreas, 46 ameças de desabamentos, oito ameças de desabamento de muro, 84 ameças de deslisamento, 21 árvores ameaçando cair, três árvores caidas, duas avaliações de área, 21 avaliações de imóveis alagados, três desabamentos de imóveis, seis desabamentos de muro, sete desabamentos parciais 46 deslizamentos de terra, um destelhamento, um galho de árvore caido, um incêndio, três infiltrações, 10 orientações técnicas e uma pista rompida". Não houve registro de feridos.

As maiores totais acumulados de chuvas em 24 horas foram registrados em São Critovão (67,4mm), Mont Serrat (64,2mm), Cosme de Farias (57,3mm), Ilha dos Frades (43,8mm) e Ondina  (41,6mm). A Codesal permanece de plantão 24 horas, atendendo às solicitações pelo telefone gratuito 199.