Dois álbuns aproximam obra de Moa do Katendê das novas gerações

Artistas como Emicida, Criolo, Chico César, Luedji Luna e Márcia Short participam dos projetos, ambos lançados em outubro e com trabalho audiovisual

  • D
  • Da Redação

Publicado em 6 de outubro de 2022 às 06:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Kana Filmes/Divulgação

Dois projetos, um propósito: realizar sonhos de Mestre Moa do Katendê. Mestre de capoeira, agitador cultural, compositor e percussionista, o co-fundador dos Afoxés Badauê, na Bahia, e Amigos do Katendê, em São Paulo, virou o símbolo de uma era de violência política ao ser assassinado no Dique, em 2018, por um apoiador do presidente Jair Bolsonaro no dia das eleições.

O sonhador-realizador deixou muitos projetos, que a família, amigos e parceiros estão tirando do papel em respeito ao seu legado. Neste mês de outubro, quando se completam quatro anos de sua morte, dois discos com músicas de Mestre Moa serão lançados.

O primeiro é Raiz Afro Mãe, que começou a ser produzido por Moa em 2017, quando chegou à produtora paulista Mandril Áudio, com a ideia de fazer releituras de sua obra, promovendo um encontro entre artistas de renome da MPB e a nova geração. A produtora encarou o desafio de manter a proposta dele e, ao mesmo tempo, produzir um disco que agora faz parte do seu legado.

Emicida, Criolo, Chico César, Fabiana Cozza, Kimani, Rincon Sapiência, Edgar, BNegão, GOG, Jasse Mahi (filha de Moa) e os baianos Letieres Leite, Márcia Short, Lazzo Matumbi, Mateus Aleluia Filho, Luedji Luna e grupo BaianaSystem integram esse projeto, que chega nesta sexta (7) às plataformas digitais. O trabalho também rendeu um podcast e o documentário Moa, Raiz Afro Mãe, que será lançado dia 18 de outubro em São Paulo e tem previsão de estrear nos cinemas no ano que vem.  Márcia Short canta Salvador Brilha ao lado de Lazzo Matumbi (Foto: Divulgação) Produtor de 14 das 16 faixas do disco, Rodrigo Ramos conta que Moa apresentava as músicas somente com voz e atabaque - que, por isso, se tornou um elemento central do álbum, seja no afoxé, no rap ou no samba. “Quando ele chegou aqui, de cara me apresentou 5 músicas. Gostei muito e quis produzir. Aí ele me mandava música por celular e fomos trabalhando até ter 14 músicas registradas. A ideia dele era tentar fazer as músicas serem cantadas por artistas mais jovens, com o intuito de levar a cultura dele a novas gerações”, recorda.

Retomar o trabalho após o assassinato de Moa não foi uma tarefa fácil. Mas, acima de tudo, era necessário. “O luto foi muito grande. Tudo foi muito difícil. O que deu uma ajuda muito pra gente ter coragem de voltar a trabalhar foi se aproximar de pessoas que conviveram e aprenderam muito com ele. Aqui em SP a gente se aproximou de mestre Plínio, que foi aluno dele, chegamos a várias pessoas que fizeram parte da história de vida do Moa. Depois foi aproximar essas pessoas do disco e trazê-las pra gravar”, explica.

Filha de Moa, Jasse Mahi ajudava o pai com as primeiras gravações, as chamadas guias, e também foi convidada para cantar. Ver o disco pronto é uma realização para a família, por ver a continuidade do sonho do seu pai. Jasse e Moa gravaram Pai Buruko, um ijexá que homenageia ao Badauê. É na batida do atabaque, xequeré e agogô que a música se desenvolve, mas também é na pulsação dos pés de Moa, pisando o chão do estúdio.

”Só de estar se concretizando já fico bastante feliz. Quando ele faleceu, os meninos deram continuidade, acolheram, e desde então ajudei tanto na seleção dos artistas quanto nas músicas?”, diz com voz saudosa.

Criada no Engenho Velho de Brotas, Márcia Short tem em Moa uma de suas primeiras referências artísticas. Entre o Badauê e Okambí, a voz que encantou o país na Banda Mel começou a se formar. 

No disco, ela grava a música Salvador Brilha, ao lado de Lazzo Matumbi. Um samba reggae com influência do ijexá, que aparece no disco como uma homenagem de Moa para Salvador. As vozes de Márcia e Lazzo se completam e dão impressão, mesmo na primeira vez em que se escuta, de que a música é nossa velha conhecida.

No disco, ela grava a música Salvador Brilha ao lado de Lazzo Matumbi. Um samba reggae com influência do Ijexá, que aparece no disco como uma homenagem de Mestre Môa do Katendê para Salvador.

As vozes de Márcia Short e Lazzo Matumbi se completam e dão impressão, mesmo na primeira vez que se  escuta, de já conhecer a música.

"Moa era um sonhador nato, pela cultura negra, a cultura social de ver o povo bem, ver o povo preto fazer sua arte de forma interessante, de ver Salvador, a Bahia, num lugar merecido", disse Lazzo, que conheceu Moa quando os dois trabalhavam juntos num grupo folclórico do ICEIA e juntos fizeram batalhas contra outros colégios estaduais, como o Duque de Caxias e o Severino Vieira.

Os dois afirmam que é importante o reconhecimento póstumo, mas que a Bahia precisa aprender a reconhecer suas grandes personalidades ainda em vida. 

"Isso nos eterniza. Temos que quebrar essas barreiras e é boa a oportunidade de lançar esse trabalho póstumo. Mas a gente precisa aprender a se defender dessas pessoas que agora têm coragem de mostrar suas caras, violência, agressividade, escuridão. Que a gente aprenda a negociar com essas pessoas para receber nossas homenagens em vida", defende Márcia Short. 

Lazzo completa: "Fico triste que a gente só lembra de nossos ícones depois que passam ao segundo andar. Precisamos lembrar de nossos ícones em vida, fomentar seus trabalhos". Gerônimo canta Presente de Oxum, primeiro single do álbum Moa Vive (Foto: Matheus Leite/Divulgação)  Moa Vive!  Sete anos antes de sua morte, Moa fez o registro sonoro de suas músicas no estúdio do amigo e produtor musical Átila Santana, que, agora, assume a frente do projeto de lançamento do álbum Moa Vive!, contemplado pelo Rumos Itaú Cultural 2019-2020. 

O primeiro single do disco, Presente de Oxum, interpretado por Gerônimo, estará nas plataformas de streaming no dia 21 de outubro, poucos dias antes da data de aniversário do Mestre, nascido em 29 de outubro de 1954.

Gerônimo conheceu Moa em 1982, logo que voltou do Rio de Janeiro para Salvador. A identificação foi quase imediata. "Nessa época, a criação do Badauê era muito peculiar. Ele é um compositor de talento interessante, compunha as músicas sem harmonia, sem nada, do jeito dele, e no final sempre soava legal. O cara quando tem talento, não precisa de nada. Quando ele tem talento, se aprimora", recorda.

As faixas agora ganharam novas roupagens nas vozes de artistas da Bahia que se afiliam profundamente à obra de Moa: Margareth Menezes, Russo Passapusso, Roberto Mendes, Mateus Aleluia Filho, Márcia Short, Aloísio Menezes, Sued Nunes e Gerônimo Santana. O disco contará com nove canções – sete regravadas e duas das gravações originais, com a voz do próprio Moa.

Além do lançamento do álbum, previsto para 11 de novembro, o projeto vai apresentar um minidocumentário de 20 minutos, com depoimentos de familiares e artistas nos bastidores da produção do disco. O objetivo é de aproximar gerações através da música de matriz africana, valorizando obras que marcaram o repertório de Moa no ijexá, unindo-se com afrobeats, samba de roda, funk e samba duro.