Dois de Julho será sem desfile pelo segundo ano consecutivo

Situação imposta pela pandemia não tem precedente histórico em 198 anos de Independência da Bahia

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 30 de junho de 2021 às 05:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Bruno Concha/Secom

Pela segunda vez em 198 anos de história, não haverá festa em comemoração à Independência da Bahia. A culpa é da pandemia que assola o mundo desde 2020 e, além de tirar vidas, empregos e histórias, impõe danos ao calendário cultural. Mais uma vez, não terá fogo simbólico saindo de Cachoeira, nem ruas enfeitadas no Centro Histórico, nem fanfarras e manifestações do povo nas ruas baianas.

Membro do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Milton Moura conta que, durante a II Guerra Mundial (1939-1945), o Carnaval chegou a ficar suspenso, mas o Dois de Julho continuou acontecendo normalmente.

No ano de 1943, por exemplo, a festa aconteceu debaixo de uma chuva muito forte. Há registros de uma multidão protegida com guarda-chuvas fazendo o cortejo.

Um dos maiores reveses que a festa da Independência da Bahia sofreu foi justamente no ano de seu centenário, em 1923, quando o Brasil vivia o chamado período da República Velha.

A escravidão tinha sido abolida menos de 40 anos antes, em 1888, e Milton Moura explica que essa abolição foi jurídica e formal, mas as pessoas negras escravizadas e seus descendentes seguiam sendo vistas como inferiores para as elites do país, que naquela época vivia o auge de seu processo de eugenia, com a imigração de europeus no intuito de embranquecer o país e torná-lo mais parecido com a Inglaterra e a França, as duas potências europeias da época.

Por conta disso, a imagem do Caboclo foi abolida. Não era um europeu ou um homem branco e portanto não fazia parte da imagem que o país queria ter.

"As elites baianas e brasileiras de um modo geral queriam fazer um embranquecimento do Brasil. E o Caboclo era a marca de uma independência representada por um elemento mestiço vestido de índio. E eles queriam tudo branco. Nesse tempo se acirrou a perseguição aos batuques de candomblé. Era uma coisa obsessiva de fazer o Brasil parecer um país europeu", diz Milton Moura.

O historiador Daniel Rebouças classifica esse ato de retirar o Caboclo para colocar o Senhor do Bonfim no desfile da Independência como o ápice da eugenia que se tentava no Brasil. Ele também afirma que nem mesmo no período da gripe espanhola, que assolou o mundo a partir de 1918, houve algo assim, com a proibição de pessoas nas ruas."O 2 de Julho foi meio cambaleante durante a história. Há a procissão cívica e a popular, que normalmente é materializado nos carros do Caboclo e da Cabocla. Teve anos que o carro da Cabocla ficou preso dentro do Pavilhão da Lapinha, mas havia comemoração da Independência nas ruas, no Instituto Histórico... mas assim zero de comemoração zero, pública, na rua, eu realmente desconheço", conta.Para o 2 de Julho de 2021, a palavra que guia novamente é a adaptação e distanciamento. Uma outra palavra também marca o feriado da Independência neste ano: esperança. Assim como no ano passado, haverá atos comemorativos simbólicos no Largo da Lapinha, com acesso restrito apenas a autoridades e imprensa. 

Durante a cerimônia, as estátuas do Caboclo e da Cabocla estarão posicionados do lado de fora do Pavilhão 2 de Julho, vestidos pelo artista plástico João Marcelo, de “Verde Esperança”. Ao final do ato solene, as estátuas serão recolhidas para o Pavilhão da Lapinha. Não haverá carreata por medo de gerar aglomerações nas ruas. Após cerimônia solene e restrita, o Caboclo será recolhido para as dependências do Pavilhão da Lapinha (Foto: Nara Gentil/CORREIO) A programação de Salvador divulgada pela Fundação Gregório de Mattos (FGM) indica que, às 8h, será realizado o hasteamento das bandeiras com as presenças do prefeito Bruno Reis, do governador Rui Costa, do presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, Adolfo Menezes, e do presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), Eduardo Morais de Castro. 

Na sequência, a Pira do Fogo Simbólico, nomeada nesta edição de “Chama da Esperança”, será acesa por dois profissionais de saúde, em um gesto que representa a luta do povo da Bahia na batalha contra a pandemia. Na ocasião, ainda acontece uma coletiva de imprensa com as autoridades presentes, como também a deposição de flores aos heróis da Independência no busto do General Labatut.

Prefeito e Salvador, Bruno explicou em coletiva virtual que haverá também toda uma programação virtual promovida pela Fundação Gregório de Mattos (FGM)."Por mais que tenhamos avançado na vacinação, ainda é fundamental evitarmos aglomeração e manter todos os cuidados”, justificou o prefeito. Pira será acesa por profissionais da saúde (Foto: Marisa Vianna/Divulgação) Cidades históricas No dia 25 de junho de 1822, na antiga Casa de Câmara e Cadeia, Dom Pedro I foi aclamado Defensor Perpétuo do Brasil, o que significou uma declaração de guerra da Bahia contra Portugal. Por esse motivo, essa data é magna na cidade do Recôncavo. No local histórico, hoje funciona a Câmara de Vereadores de Cachoeira.

Neste mesmo dia, a canhoneira lusitana começou a atingir Cachoeira. Portugueses locais, do alto dos seus sobrados, começam a atirar na população. Aí entra a importância da Casa Número 3, na Praça do Relógio, em São Félix. Na época, apenas uma vila se tornaria protagonista por formar o Batalhão dos Periquitos, onde serviu Maria Quitéria, mas também por ter sido ali, precisamente na Casa Número 3, que foi construída a cartucheira.

Por marcar o início da luta pela independência, desde 2007 Cachoeira vira capital da Bahia por um dia: advinha qual é? Isso mesmo, o 25 de junho. Na última sexta, houve uma cerimônia de transferência simbólica da capital do estado na Câmara Municipal. Praça da Aclamação, em Cachoeira (Foto: Arquivo CORREIO) A mudança da sede do governo foi aprovada pela lei 10.695, de 2007, e tem como objetivo reconhecer a importância de Cachoeira na luta pela Independência da Bahia. Essa cerimônia solene foi a única realizada pela cidade, que também deve realizar uma nova sessão na Câmara no dia 2 de julho.

A vizinha São Félix também está tímida, por conta da pandemia. Em nota, a Prefeitura local lamentou não poder realizar muitas atividades e informou que fará  a parte cívica pela manhã, alvorada e hasteamento das bandeiras e noite vamos fazer uma live participativa Memórias do 2 de julho. 

"Além de falar sobre a história da data, vamos contar diversas histórias pessoais vividas no 2 de julho. A população vai poder entrar na live e contar suas histórias. Uma forma de interagir com a população, visto que todas as pessoas tem uma história para contar vivida no 2 de julho na cidade", diz o comunicado.

Programação A programação montada pela FGM engloba atrações artístico-culturais que serão realizadas durante cinco dias, de forma remota, com acesso gratuito e aberto para o público através da internet. As atividades que marcam o 198º aniversário de Independência da Bahia já começam a acontecer na quinta (1º), às 9h, com o lançamento da campanha #Meu02Julho, através do perfil da FGM no Instagram (@fgmoficial).

Presidente da Fundação, Fernando Guerreiro afirma que a programação já serve para projetar a comemoração dos 200 anos de festa. A ideia das atividades é fazer uma ligação entre passado, presente e futuro, além de levar toda a riqueza de informações que envolve a luta e conquista da Independência da Bahia. "A palavra esperança cria um vínculo muito forte entre passado, presente e futuro. Temos a comemoração de um marco identitário e toda a programação reforça a importância desse marco para a vida cultural e identitária da cidade. Estamos no presente com a questão da pandemia e lutando contra ela e a esperança que remete ao futuro, para termos dias melhores e poder voltar a comemorar", disse Guerreiro. Uma série de vídeos retratam as memórias marcantes de personalidades da cidade sobre o cortejo. O público também pode participar com seu vídeo através do site culturafgm. salvador.ba.gov.br . Cada novo vídeo será lançado ao longo da programação.

Entre os dias 1º a 5 de julho será exibido, sempre às 9h, o filme “Dois de Julho: Um Sonho de Liberdade” no projeto #ConexãoFGM. Dirigido por Yuri Rosat, o curta-metragem será exibido no canal da FGM no YouTube e traz a importância da Independência da Bahia na construção da identidade cultural dos baianos. O documentário mostra como a história se manifesta através do protagonismo do povo e do seu desejo por liberdade.

Ainda no mesmo horário, o projeto “Brincando com o 2 de Julho” trará ao público diversos jogos de tabuleiro para se divertir e aprender sobre essa data com amigos, familiares e colegas. Os jogos estarão disponíveis no site da FGM.

Durante todos os dias, às 10h, o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) lançará em suas redes sociais (Facebook e Instagram) a exposição “Personagens da Guerra pela Independência do Brasil na Bahia”. A ação explora e traz curiosidades sobre as principais personalidades envolvidas nesse marco histórico.

Em seu canal do YouTube, o IGHB ainda apresenta, entre os dias 1º a 5 de julho, às 16h, a live de lançamento do livro “O processo da Independência do Brasil no Recôncavo Baiano (Política, Guerra e Cultura) 1820-1823”, do historiador Manoel Passos Pereira.

No livro, o autor compreende os episódios do 25 de Junho de 1822, em Cachoeira, e do 2 de Julho de 1823, em Salvador, como marcos inicial e final, respectivamente, da Guerra pela Independência do Brasil. A transmissão é apresentada pelo historiador Jaime Nascimento e conta com a participação do jornalista e pesquisador Jorge Ramos.

Para quem quiser conhecer sobre os territórios mais marcantes no processo de independência da Bahia, o historiador Ricardo George ministra a série Vídeo-aulas, no canal da FGM no YouTube, nos dias 1º, 3 e 5 de julho, às 14h. Ele passeia pelo Recôncavo, pelo Subúrbio Ferroviário e pelos quartéis e ruas de Salvador, a fim de compreender a importância desses territórios para a vitória do povo baiano contra os portugueses.

Encontro Na sexta-feira (2), o destaque fica para o Encontro de Filarmônicas, que acontece às 18h no canal da FGM no YouTube. Importante presença nos festejos da independência, dez grupos de filarmônicas se apresentam de forma virtual. Com a curadoria do maestro Fred Dantas, o programa exibe a marcha de cada uma e, logo em seguida, bate um papo com seus coordenadores.

Para fechar as comemorações, no dia 5 de julho, às 18h30, será realizada mais uma edição do projeto “Patrimônio É...”, desta vez, com o tema “2 de Julho e Territórios Virtuais de Memórias”.

São presenças confirmadas a desenvolvedora do aplicativo 2 de Julho GO, Jamile Coelho; a idealizadora do RPG 2 de Julho, Josenilda Mesquita; e a professora Kerollen Hagnyss. Eles contam sobre a experiência de aliar os fatos históricos dessa importante data com a ludicidade dos jogos de tabuleiros, videogames e aplicativos.

CORREIO Nos dias 1, 2 e 3 de julho o CORREIO terá conteúdos especiais no site, redes sociais e jornal impresso. No dia 2 das 8h às 10h teremos um programa ao vivo no Instagram @correio24horas apresentado por Clarissa Pacheco e Jorge Gauthier sobre a data cívica mais importante da Bahia com participação de convidados especiais.