Assine

Dois vinhos portugueses para ampliar seu repertório


 

  • Paula Theotonio

Publicado em 07/10/2021 às 14:32:16
Atualizado em 22/04/2023 às 15:54:06
. Crédito: .

Em maio eu escrevi sobre vinhos portugueses para além do Alentejo e como precisávamos conhecer outras regiões produtoras de Portugal. Hoje quero reconvidá-los às margens do Rio Tejo e trazer uma alternativa com excelente custo-benefício, de uma região ainda pouco conhecida.

Bairrada, bom e barato

Localizada na região portuguesa do Beira Atlântico, a Bairrada tem atraído os holofotes nos últimos anos devido à sua produção com a uva tinta Baga, que gera tintos tânicos, secos e de acidez elevada; além dos brancos de Maria Gomes (ou Fernão Pires) e seus espumantes.

Eu preciso dizer que tintos de Baga, principalmente os 100%, são mais difíceis de encontrar nas adegas e têm um preço mais elevado. Se quiser conhecer um pouco da personalidade da região antes de apostar mais alto, minha dica é adquirir o Regateiro JR DOC 2017 (R$ 109, Total Vinhos).

Aqui a Baga entra em um corte com Touriga Nacional e Castelão, é vinificada sem passagem por madeira e com longa maceração, além de 9 meses de guarda nas caves da Regateiro antes de sair para os mercados.

De uma cor rubi e aromas intensos de frutas negras, tem os taninos firmes e a boa acidez característicos da região, além de um paladar mais seco. Está prontinho para ser consumido com ou sem harmonizações.

Indo agora em direção ao sul, chego a um Alentejo apaixonante e ancestral para falar sobre vinhos de talha.

Eles são vinhos sem nenhuma intervenção, feitos em grandes ânforas de barro, quase da maneira que os romanos faziam na época da invasão à península ibérica. Há inclusive uma crença de que o nome “talha” seja uma derivação de “tinalia”, que significa vaso de grandes proporções. Em espanhol, talha é tinaja.

São geralmente vinhos de fruta muito presente e, devido ao barro e ao processo de produção, geralmente apresentam toques ligeiramente minerais e oxidativos. Podem ser jovens ou envelhecidos.

A verdade é que um vinho de talha é sempre uma surpresa, pois não existe uma só maneira de fazer esse estilo de bebida. Os enólogos normalmente tiram os engaços das uvas (ou não) e as esmagam (em máquinas, lagares ou chão, usando os pés) antes de inseri-las nas talhas. A fermentação se dá de maneira espontânea, sem adição de leveduras, com remontagens diárias e artesanais.

A fermentação termina após 8 a 15 dias da entrada das uvas na talha, demorando ainda mais algumas semanas para que a parte sólida dos cachos se deposite no fundo do grande recipiente. Esses sólidos são fundamentais na filtragem do vinho, quando da trasfega ou da abertura da talha para consumo direto.

Se a intenção é fazer o vinho maturar, depois de finalizada a fermentação, ele pode ser transferido para outra talha e selado com uma tampa, que pode ser de madeira, barro, papel ou azeite. Muitos enólogos optam por trasfegar os vinhos para cubas de inox ou barricas de madeira, antes de engarrafá-los. A complexidade da bebida, neste casos, aumenta muito mais.

Entre as tradições ligadas ao vinho de talha está a festa da “abertura das talhas”, que geralmente ocorre no dia de São Martinho, celebrado em 11 de novembro. Em geral, os vinhos são mantidos dentro da talha até esta data, que costuma coincidir com o fim da fermentação e o tempo necessário para a decantação dos sólidos. O vinho Tapada do Coronel (PaulaTheotonio/divulgação) Até bem pouco tempo, eu achava que só existiam vinhos de talha tintos. Até que fui apresentada ao Tapada do Coronel Vinho de Talha Branco 2017 (R$ 749, Total Vinhos). Segundo a enóloga Sónia Martins, do Grupo Lusovini, ela teve que esquecer tudo o que sempre soube sobre vinhos para fazer este estilo. “Foi colocar as uvas Arinto, Roupeiro, Antão Vaz e outras de vinhas velhas na talha de 900 litros e esperar!”, contou, em evento promovido pela sua importadora, a TDP Wines.

O resultado é um famoso “eita atrás de eita” — num excelente sentido. De cor amarelo dourado, o vinho traz uma explosão de aromas e novas nuances a cada minuto que passa em taça. Toques minerais, terrosos, de mel, carambola e fósforo se apresentam no olfato e paladar, sendo quase impossível parar de namorar essas características.

Destaca-se, ainda, a acidez— provavelmente devido à altitude dos vinhedos. Persistente, complexo e intenso, é daqueles vinhos que dispensam acompanhamentos e devem ser provados sem pressa.