Domenico de Masi defende sociedade com mais empregos e menos trabalho

Sociólogo italiano esteve no Brasil para lançar Uma Simples Revolução: Trabalho, Ócio e Criatividade

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  • Rachel Vita

Publicado em 23 de junho de 2019 às 09:00

- Atualizado há um ano

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Um dos principais pensadores contemporâneos, autor do best-seller Ócio Criativo, o sociólogo italiano Domenico de Masi defende que a sociedade pós-industrial precisa cuidar do seu tempo livre assim como se empenhar na formação profissional. O progresso tecnológico, marcado especialmente pela inteligência artificial, a nanotecnologia, o reconhecimento de voz e a robótica, permitirá produzir mais com menos trabalho.“Em 2030, um jovem de 20 anos terá 580 mil horas de vida, sendo que 60 mil horas para o trabalho e 200 mil horas para o lazer. Como ocupá-las, como evitar o tédio e a depressão?”,provoca a plateia, que lotou o auditório da Casa Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), um hub de inovação voltado para refletir as novas economias e o futuro do trabalho, no Rio de Janeiro.

Para Domenico, a escola e a família também devem se adaptar para preparar os mais jovens para os novos tempos. “Como crescer intelectualmente?”, questiona. O sociólogo não se refere a ocupar o tempo livre com atividades visando apenas o futuro no trabalho. “A diferença será determinada pelo nosso nível de cultura e de curiosidade intelectual”, diz. Em entrevista ao CORREIO, por e-mail, após sua apresentação, Domenico enfatiza que a criatividade será nosso diferencial frente às máquinas. Por isso, são tão importantes as artes, a sociologia, a filosofia, a diversidade e o tempo para a pausa.

O sociólogo usa dados para manter sua aposta no ócio criativo, conceito tema de seu livro, que completa 20 anos em 2020. “Nos países desenvolvidos, 25% dos empregados serão operários, 25%, funcionários administrativos e 50% realizarão atividades criativas”.

E os empregos? Domenico defende que a jornada de trabalho dos ocupados seja reduzida para a criação de novos empregos, especialmente para os mais jovens. Compara a Alemanha à  Itália para garantir que esse é um caminho com melhores resultados. Os alemães trabalham menos horas que os italianos – e o desemprego registra menor taxa também no solo germânico.

A demografia, a economia e a tecnologia terão cada vez mais impacto na sociedade pós-industrial.“Em 2030, teremos 8 bilhões de pessoas. Não só de bocas (para se alimentar), mas de mais cérebros conectados pela internet. Isso nunca aconteceu. É maravilhoso”, defende.O mundo tele-vivido Os efeitos serão sentidos por toda a sociedade em poucos anos. “A ‘nuvem informática’ terá transformado o mundo inteiro numa única praça: tele-aprendemos, tele-trabalharemos, tele-amaremos e nos tele-divertiremos. O conceito de privacidade tenderá a desaparecer. Será quase impossível esquecer, perder-se, aborrecer-se, isolar-se”, defende. O sociólogo destaca outro ponto de atenção: a desigualdade. “O aumento da concentração de renda poderá trazer consequências catastróficas no equilíbrio econômico, ecológico e social”, alerta, usando a palavra “colapso”, caso não se planeje políticas para mudar esse cenário na próxima década.

Apesar de tantas transformações radicais, Domenico de Masi se mantém otimista. “Antes, bastava uma doença para milhares morrerem. Hoje não. Vivemos em um mundo mais seguro que nossos ancestrais. Então por que temos tanto medo”, provocou mais uma vez. “Porque existem forças políticas que precisam que tenhamos medo para dizer: ‘Eu serei a sua salvação’”, completa.

O sociólogo, que viajou por cidades brasileiras para lançar seu novo livro Uma Simples Revolução: Trabalho, Ócio e Criatividade, continua apostando no Brasil como uma potencial mundial. “Mas o Brasil não é popular no Brasil. Claro que tem problemas, como violência e pobreza. Mas é a 8ª economia do mundo. Ainda considero o Brasil um grande modelo de vida”, afirmou.

Domenico analisa o País como vanguarda em um perfil que começa a ser desenvolvido em diversos países.“O mundo será uma mistura, será mestiço. O Brasil foi o primeiro país a ter essa mistura”O sociólogo só perdeu o entusiasmo quando questionado, pela plateia, sobre a possibilidade de o governo federal reduzir investimentos em faculdades de filosofia e sociologia, como o ministro Weintraub sinalizou numa “live” em abril no Facebook.

“É grave”, reagiu, no debate com o gerente da Casa Firjan, Gabriel Pinto. “Mas não acredito que o presidente (Jair Bolsonaro) tenha dito isso”, comentou, ao saber sobre o anúncio do presidente de que o MEC estuda “descentralizar” (o termo foi usado pelo presidente) investimentos em cursos de filosofia e sociologia. Domenico de Masi lembrou a votação de Bolsonaro (57 milhões de votos) e se mostrou preocupado se esse for o pensamento também dos eleitores.

Para Domenico, o Brasil é “um mosaico maravilhoso, único no mundo”, onde se vive em democracia. E continuará sendo um modelo extraordinário, se continuar apostando em sua diversidade e “estudando, sempre e mais, a filosofia e a sociologia”.

Em entrevista ao Correio, por e-mail, Domenico explica ainda sobre a importância desses conhecimentos para a sociedade. “Mesmo os coronéis, na Grécia, logo depois do golpe eliminaram a filosofia e a sociologia. Isto é, constituíram um motivo de grande orgulho para essas duas disciplinas: significa que elas são um baluarte libertador.”

Salvador Domenico de Masi não esconde seu amor pela Bahia – e por Jorge Amado e Glauber Rocha. “O meu livro “Ócio Criativo” acaba falando da Bahia e do meu amor pela aquele lugar”, disse em entrevista ao CORREIO. Na conclusão do seu livro Ócio Criativo, cita o Brasil e, em primeiro lugar, Salvador, como o local que se concilia melhor com o conceito de ócio criativo.

Como já havia destacado em visita à cidade em 2010, o sociólogo acredita que o soteropolitano ainda preserva características que a sociedade industrial destruiu nos países desenvolvidos. Características, como acolhimento, solidariedade, sensualidade e alegria – fundamentos considerados fundamentais na sociedade pós-industrial de Domenico de Masi.

MINIENTREVISTA

O seu livro Ócio Criativo completa 20 anos, no próximo ano.Ele foi escrito em um momento em que não existia Whatsapp, Instagram e outras mídias sociais. Hoje cada vez mais elas ocupam boa parte do tempo das pessoas. O que mudou? E qual será o papel do ócio criativo nesse novo jeito de pensar, se relacionar, trabalhar, de lazer?

Nesses 20 anos, a vida média foi prolongada e o tempo de trabalho diminuiu. Portanto, o tempo livre aumentou. Além disso, o trabalho manual diminuiu, percentualmente, e o trabalho intelectual aumentou. Então, há maior possibilidade de o ócio criativo ser realizado, seja durante o trabalho intelectual, ou seja durante o tempo livre.

Em seu livro Uma Simples Revolução: Trabalho, Ócio e Criatividade, lançado recentemente no Brasil, o senhor trabalha uma nova perspectiva para sociedade. Como homem e máquina podem andar juntos nessa era de tantas transformações? Como e o que valorizar do humano frente aos robôs?

Os robôs executam os trabalhos repetitivos e programáveis com uma velocidade e precisão muito maiores que o homem. O homem continua sendo monopolista da criatividade, da ética, da estética e da ironia. Criatividade, ética, estética e ironia não podem nunca ser exercidas pelas máquinas sem a vontade do homem.

O senhor destacou a Ubiquidade. Que até 2030 a “nuvem informática” terá transformado o mundo inteiro em uma única praça: tele-aprenderemos, tele-trabalharemos, tele-amaremos e tele-divertiremos. Quais serão os desafios e vantagens de uma sociedade com essas novas formas de viver? Poderá ser uma sociedade mais bonita e mais justa. Mas depende de nós

O senhor acredita que tecnologias com realidades imersivas, como a Realidade Aumentada, irão mudar a nosso entendimento sobre realidade? Sim.

Como países em desenvolvimento, como o Brasil, que ainda carregam a desigualdade e gaps imensos em setores estratégicos, como Educação e Saúde, podem preparar os jovens e também adultos para essa transição? Educando os jovens para o bem-estar, a longevidade e a solidariedade.

Qual o papel das escolas, dos pais e da cultura nesses novos tempos? A cultura adquiriu importância sempre maior, porque a sociedade é sempre mais complexa. A cultura não serve só para trabalho. Serve para viver. Hoje, na Califórnia, os formados (diplomados) são 66% da população adulta; na Itália são só 23%. Acredito que precisamos de uma sociedade em que os diplomados sejam em 100%.O que o senhor faz no seu tempo livre? Trabalho + estudo + jogo= ócio criativo