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Daniel Aloísio
Publicado em 9 de julho de 2020 às 05:43
- Atualizado há 2 anos
Até o último domingo (5), Lençóis não tinha um caso de coronavírus. Um dia depois, na segunda, a cidade teve o primeiro registro da doença. Já na terça-feira, no boletim epidemiológico divulgado pelo município, o número saltou para 21 casos, o que corresponde a um aumento percentual de 2.000%. Dos contaminados, 18 são servidores da prefeitura, incluindo o prefeito da cidade, Marcos Airton (PRB), conhecido como Marcão, e sua filha, que é a secretária de administração. >
“É bom que todos os servidores estão assintomáticos, pois somos pessoas preparadas e tranquilas. Vamos saber viver o isolamento e conduzir a situação, para logo depois cuidarmos dos demais”, disse o prefeito. O primeiro caso registrado, no do dia 6 de julho, na segunda-feira, foi do filho de uma das servidoras da prefeitura. Não se sabe como ele foi contaminado. >
“Quando ele procurou o serviço de saúde, já tinha sintomas há mais de cinco dias da doença. Com esse prazo, é desaconselhado o teste RT-PCR, o realizado pelo Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen). Por isso, aguardamos mais uns dias para fazer o teste rápido, que positivou”, explicou Gisela Andrade, coordenadora das ações de enfrentamento e combate ao covid-19. >
Com o resultado, a vigilância epidemiológica do município iniciou o processo de testagem nos familiares do contaminado. Irmão, pai e mãe, que é a servidora municipal, positivaram. Depois, os funcionários da prefeitura que tiveram o contato com a funcionária começaram a ser testados e 18 receberam o diagnóstico da doença.>
“Realizamos a desinfecção de toda a sede da prefeitura e ainda estamos nesse processo de testagem dos funcionários, para que aqueles que negativarem consigam voltar ao trabalho que é essencial”, disse Gisela. O prefeito Marcão explicou que a servidora contaminada trabalha no setor de licitação, que se relaciona com outros órgãos do município. Por isso, os servidores contaminados fazem parte de diversos setores da prefeitura. >
Marcão disse ainda que muito dos servidores já estavam trabalhando em home office, mas alguns ainda frequentavam a prefeitura. Todos os contaminados estão em casa, isolados, e são monitorados pela vigilância epidemiológica. Apenas o primeiro caso do município apresentou sintomas da doença. Os outros 20 são assintomáticos, inclusive o do prefeito. >
Sem casos Segundo o boletim dessa terça-feira (8) divulgado pela Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), apenas 24 cidades do estado não têm casos de coronavírus. Nesse boletim, Lençóis tem apenas seis casos. Esse número menor é devido ao tempo que o sistema estadual leva para fazer todos os registros. Com pouco mais de 11 mil habitantes, Lençóis fica localizada na Chapada Diamantina, no centro-leste baiano, a mais de 400 quilômetros de distância de Salvador. >
O município conseguiu ficar sem casos de coronavírus até o dia 5 de julho. “A cidade só tem uma única entrada de carro, pela BA-850. Fizemos uma barreira de 24h desde 21 de março. Lá monitoramos quem entra como se fosse um pedágio”, disse o prefeito Marcão. >
Gisela Andrade, do combate de ações, disse que teve até pessoas que não são da cidade e tentaram passar pela barreira para alugar alguma casa e passar a quarentena no município, devido ao seu potencial turístico. “Não deixamos entrar. Alguns poucos são agressivos nas palavras, mas a maioria entende. Tentamos ser o mais educado possível, pois queremos receber esses turistas depois”, explicou. >
O problema para a cidade, segundo Gisela, é a população flutuante de Lençóis. “Tem gente que possui, por exemplo, uma segunda residência que fica aqui. A gente não pode proibir esses que têm comprovante de residência de entrar, por exemplo”, disse. Só no período do São João, segundo o prefeito Marcão, cerca de 100 pessoas entraram na cidade, mesmo sem a realização de festas públicas. >
Quem passa pela barreira tem que ficar em isolamento e é monitorado pela vigilância epidemiológica. “Durante a pandemia, a gente recebeu denúncias de aglomeração ou festas em casa das pessoas, aniversários. No dia do São João, isso não aconteceu. Mas um pouco depois, voltamos a receber queixas. No início do isolamento, a população aceitou e seguiu mais as orientações. Por ficarmos sem casos confirmados, percebemos que as pessoas foram tranquilizando, abrindo exceções”, disse Gisela. >
Liliane da Silva Sodré, dona da pousada Villa Almm, localizada na cidade, confirmou o relaxamento. “Eu não tenho saído de casa. Só o meu marido vai para a rua, usando a máscara. Ele relata que tem pessoas que ainda não a usam”, reclamou. Com os 21 casos nos últimos dois dias, Liliane disse que a população ficou assustada. “Temos medos por ser uma cidade pequena”, afirmou. >
Por mais que a barreira funcionasse 24 horas por dia e não permitisse a entrada de turistas, o prefeito Marcão disse que alguns cidadãos continuavam a transitar para Seabra, a cidade vizinha de 44 mil habitantes e 25 casos de coronavírus confirmados, segundo o boletim da Sesab. Esse trânsito, para ele, pode ter levado o vírus ao município. >
Turismo clandestino Outro problema que Lençóis tem encarado é o turismo clandestino. “Estavam entrando turistas pela serra da cidade. Para inibir, há cerca de 40 dias, colocamos brigadistas para interromper esse fluxo. As trilhas da cidade estão bloqueadas”, diz Marcão. >
O setor turístico tem importância considerável na economia da cidade. A dona da pousada Villa Almm descreveu o seu sofrimento. “Estamos parados, sem receber clientes e sobrevivendo do auxílio emergencial para comer. As contas estão atrasadas”, afirma. Ela entende a importância das medidas de isolamento, mas se preocupa mesmo com a possibilidade de redução no auxílio do Governo Federal. “Se não fosse esse valor atual, estaríamos passando fome”, complementa. >
Em nota, a prefeitura de Lençóis lembrou que “o Parque Nacional da Chapada Diamantina e os parques e balneários municipais estão fechados por tempo indeterminado; os alvarás estão suspensos para serviços e atrativos turísticos e que as suspensões de contrato de trabalho, demissões, auxílio emergencial e reinvenção dos moradores têm mantido a economia de Lençóis neste período, mesmo com grande impacto nas arrecadações”. >
A prefeitura também destacou que a população tem demonstrado uma grande empatia, realizado campanhas solidárias, e que empresas privadas têm apoiado os cidadãos, como a empresa de cartões Elo, que destinou mais de R$ 120 mil em cartões pré-pagos para moradores. >
Para a volta das atividades turísticas, a prefeitura destacou que o trade planeja a retomada de suas atividades com muita cautela. Estão sendo feitas discussões no Conselho Municipal de Turismo e empresas estão aderindo ao selo "Turismo Responsável" do Ministério do Turismo. A reabertura deve ser conjunta com os outros municípios da Chapada, mas sem datas definidas. >
* Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro>