Doutor influencer: dobram denúncias contra publicidade médica

Redes sociais são novo celeiro de negócios e médicos expõem resultados de procedimentos em busca de clientela

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  • Fernanda Santana

Publicado em 29 de setembro de 2019 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Ilustração: Morgana Miranda/CORREIO
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Dentro de um consultório, uma senhora reclama da aparência escorregadia e da gordura acumulada na pele. A médica, então, mostra como é possível eliminar as marcas da idade. A cena, gravada em vídeo, faz parte da divulgação de um tratamento no Instagram. O seguidor é convidado a conhecer o método e comenta questões como preço e resultados. No intervalo de menos de um ano, o anúncio de procedimentos médicos fez dobrar as denúncias relacionadas à publicidade médica na Bahia.

As queixas são realizadas no Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia, em Salvador. No ano passado, o órgão recebeu 73 registros – neste ano, já foram 82. A principal questão, na verdade, está no aumento da quantidade de denúncias relacionadas à exposição estética, como o caso da cena descrita acima. Até agora, foram 34 denúncias ligadas a este tema, enquanto, em 2018, não passaram de 14. Hoje, as queixas correspondem a 41% do total, segundo cálculo feito a pedido do CORREIO. 

As redes sociais têm sido utilizadas como celeiro de negociações médicas. A principal costuma ser o Instagram. Na página, médicos exibem situações clínicas e como elas podem ser tratadas. Os seguidores tiram dúvidas na própria caixa de comentários. Perguntam se o procedimento é caro, se dói, como é o resultado."O produto tem anestésico, a dor é muito pouca", responde o administrador do perfil de uma clínica, quando perguntado sobre o afinamento do nariz sem cirurgias. Na publicação de outra clínica, com três sedes na cidade, o convite é feito diretamente. “Gostaram [do resultado]? Entre em contato”, diz a legenda. Ao lado, o telefone da unidade. 

A reportagem acompanhou publicações de cinco médicos e clínicas que fazem propaganda de um procedimento médico como se falasse de uma mercadoria. As queixas são realizadas por meio da Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos. O Manual de Publicidade Médica de 2011 proíbe ao médico divulgar, em eventos ou rede sociais, telefones, endereço ou telefone de consultório; garantir ou insinuar bons resultados, expor a figura do paciente e anunciar a utilização de técnicas exclusivas, por exemplo.

As queixas são prestadas por meio da Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos. A Comissão apura a procedência das denúncias e, de início, pode emitir uma advertência. Aqueles que insistem na propaganda, passam a ser legalmente investigados. A punição pode chegar à cassação da licença médica. 

O Cremeb foi questionado se houve médicos expulsos, mas não respondeu até o fechamento da reportagem. O órgão disse, no entanto, que em média 7% dos casos foram encaminhados à Corregedoria, o que pode ou não resultar num processo ético.“Quando o médico faz propaganda com objetivo de angariar clientela está no lugar errado. No dia que você vê um publicitário calado e um médico falando muito, os dois estão no lugar errado”, opina Raimundo Pinheiro, presidente da Comissão.Na busca por pacientes, no entanto, o caminho tem sido a fala. Ou melhor, fotos, vídeos e cards. A reportagem solicitou um balanço nacional de denúncias ao Conselho Federal de Medicina que, em fase de mudança de gestão, afirmou que não seria possível responder até o fechamento da reportagem. 

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Quem são os doutores influencers

O médico influencer é, geralmente, um dermatologista ou cirurgião plástico que exibe resultados de procedimentos no estilo antes e depois. Também há apresentação de novidades e nem o paciente é poupado das câmeras. Por isso, as áreas favoritas de exibição nas redes sociais envolvem o rosto e a mama, relata Raimundo Pinheiro, que acompanha os dados das denúncias.“A questão do antes e depois tem um raciocínio só: quando você publica isso, você quer dizer que você garante que o depois vai ser melhor? Médico não pode garantir nada [...] Isso é má fé e expor a pessoa ao perigo”, afirma.A razão do crescimento tem sido associada a três questões: primeiro, a facilidade de publicação nas redes sociais; a segunda, o aumento no número de médicos no mercado tem criado disputas por maiores fatias no mercado; e a última, a concorrência com profissionais de outras áreas da saúde - ao todo, são 14 profissões.

No ano passado, o médico Denis César Barros Furtado, chamado de Doutor Bumbum, teve a licença médica cassada acusado de realizar cirurgias plásticas ilegais. No Instagram, com 650 mil seguidores, o carioca anunciava milagres nos corpos de mulheres. O médico chegou a ser preso, depois da morte de uma paciente no centro cirúrgico, mas foi solto em janeiro deste ano. 

A publicidade é um tema específico dentro das faculdades de Medicina. Na Universidade Federal da Bahia (Ufba), na disciplina de Ética Médica do quinto semestre, o tema é um dos focos. "Sempre foi um tópico, mas claro que as redes sociais mudam muito a relação do médico e paciente", explica Claudia Bacelar, professora da matéria. Recentemente, se intensificaram também as discussões sobre Telemedicina -  orientações médica via Whatsapp, por exemplo. Não há, ainda, nenhuma resolução específica sobre o assunto. 

Cirurgiões pedem flexibilidade 

Até o final do próximo mês, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica na Bahia enviará um documento com sugestões de modificações no Manual de Publicidade. Na última quarta-feira (25), o instituto emitiu nota em que sugere o cumprimento das regras, mas com a conclusão: “Entendemos que urge uma atualização e modernização no campo da publicidade médica”.“Vamos mandar sugestões e uma delas é que a gente possa divulgar resultados sem mostrar fotografias, sem mostrar pessoas antes e depois, que a gente possa divulgar séria e honesta”, diz o presidente da Sociedade no estado, José Valber Lima Meneses. No mês passado, os cirurgiões plásticos e a Sociedade Brasileira de Dermatologia foram convidadas à sede do Cremeb, na Barra, para discutir a questão. “A gente necessita de mudanças porque o mundo mudou. Essas especialidades aparecem mais (entre as denúncias) porque trabalham justamente com a imagem. O impacto desses trabalhos nas redes sociais é maior”, acredita Thais Valverde, dermatologista presidente da organização.

O Sindicato de Médicos do Estado da Bahia, por meio da presidente Ana Rita Peixoto, diz não ter nenhuma atribuição a respeito do tema. Exceto para prestar apoio jurídico aos sindicalizados. A presidente, no entanto, que também é cirurgiã plástica faz a ponderação.”A gente compreende que o leigo se impreesiona com o antes e depois. É natural que se impresisone. Mas muitas vezes falta uma reflexão mais profunda”, afirma.Tudo pela beleza 

O crescimento das denúncias também dialoga com o desejo por intervenções estéticas. Os médicos postam porque os seguidores querem ver cada vez mais. De 2016 ao ano passado, o número de cirurgias plástica cresceu 25,2%, diz a Sociedade de Cirurgia Plástica. 

Cada cirurgia plástica requer uma análise prévia específica. Não pode ser, necessariamente, o primeiro recurso pensando. O presidente da sociedade na Bahia descreve a situação. "Cirurgia é uma coisa muito séria. Pense que você pega uma pessoa saudável, opera, e espera que ela fique muito feliz. É algo muito difícil".

O Ministério da Saúde afirmou que também não possui nenhuma atribuição sobre denúncias relacionadas à publicidade. Também não há nenhum estudo específico sobre as cirurgias plásticas no país. Nos dois casos, de cirurgias e publicações, no entanto, a recomendação é o bom senso. 

*Com supervisão da editora Mariana Rios