Duas semanas e 276 vidas salvas: entenda como o isolamento social funciona na Bahia

Análise matemática foi feita por pesquisadores da Unicamp, a pedido do CORREIO

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  • Thais Borges

Publicado em 30 de maio de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Nara Gentil/CORREIO

Desde março, o pedido mais frequente de médicos, cientistas e autoridades públicas à população pode ser resumido em três palavras: “fique em casa”. Só que nem todo mundo tem a dimensão do que está por trás dessa solicitação. 

A estimativa é que, se você ficar em casa neste sábado (30), pode salvar a vida de 10 pessoas que morreriam pelo coronavírus. Se não sair novamente no domingo (31), pode evitar que outras 13 pessoas percam a vida na Bahia.

Esse cálculo, feito por dois matemáticos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pode ser ainda ampliado: se o isolamento continuar, em duas semanas, 276 vidas serão salvas da covid-19 em todo o estado. 

A análise foi inicialmente proposta no final de abril, quando os matemáticos Claudia Sagastizábal e Paulo José da Silva e Silva, pesquisadores associados ao Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (Cemeai), desenvolveram uma análise capaz de projetar quantas vidas estão sendo salvas no Brasil pelo isolamento social. 

Agora, a pedido do CORREIO, eles fizeram a projeção para a Bahia, com um cálculo que envolve 14 dias - vai da última terça-feira (26) até o dia 8 de junho. Isso significa dizer que uma pessoa é salva a cada uma hora e 13 minutos - na mesma semana em que o número de óbitos na Bahia passa dos 600.  Projeção de pesquisadores sobre quantas vidas podem ser salvas a cada dia (Imagem: Reprodução) "Quando começou a pandemia, fiquei muito chocada porque sempre ouvimos falar em número de mortes. É um número que assusta, mas é um número sem significado porque não sabemos o do ano passado, no mesmo mês. Por isso, mandei uma mensagem para o Cemeai para ver se teria uma maneira de avaliarmos o confinamento", conta Claudia. Velocidade De acordo com o próprio estudo, eles usam parâmetros ajustados do chamado modelo epidemiológico SEIR (Suscetível; Exposto; Infeccioso; Recuperado, na sigla em inglês). "A ideia é buscar identificar tendências na evolução da taxa de propagação do vírus e consequente aceleração ou desaceleração da epidemia depois do início dos protocolos de distanciamento social que foram implementados a partir de 24 de março em vários lugares do país", dizem, na análise. Assim, o cálculo leva em conta, ainda, o número de casos confirmados e o número de óbitos em decorrência da covid-19 e faz uma projeção para 14 dias com base no isolamento da semana anterior. 

"O que interessa é a velocidade. Quando tem muitas pessoas juntas no posto de saúde, significa que ninguém mais vai poder ser atendido. É uma combinação", explica Claudia.  Os pesquisadores Claudia e Paulo, da Unicamp e do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria, fizeram a análise (Fotos: Divulgação) Além disso, eles tiveram que usar uma média dos números de cada semana já que, aos sábados e domingos, é comum haver uma distorção. De forma geral, em todo o Brasil, os dados são menos atualizados nos finais de semana - o que provoca, inclusive, uma alta nos dias seguintes, a segunda e a terça-feira. 

"O valor total é acumulado, mas vai aumentando (o número de pessoas salvas) a cada dia porque o valor da taxa de propagação é maior do que um. Enquanto estiver maior do que um, vai sempre subir". 

Propagação Atualmente, a taxa da Bahia é de 1.59 - ou seja, cada pessoa com covid-19 tem potencial para infectar 1,59 pessoa. Assim, o número de infectados continua aumentando. Antes da quarentena, porém, a taxa era de 1.99. Essa é uma tendência no Brasil, segundo Claudia. 

No país, a taxa de propagação caiu de 2.27 antes da quarentena para 1.53 na semana passada. Os índices da Bahia se aproximam dos da região Nordeste, que passou de 2.29 para 1.58 após a quarentena.  (Imagem: Reprodução/Estudo Vidas salvas pelo isolamento social) "Todos os dias, entro na página e vejo que os números melhoraram. O problema é que a melhoria não passou de um certo nível. Não conseguimos reduzir mais a partir de um certo ponto e é por isso que dizem que temos um confinamento de baixa qualidade", reflete a pesquisadora. O estudo foi feito ao longo de três semanas. "Conseguimos fazer nesse tempo porque tínhamos essa estrutura do Cemeai. Se não fosse assim, teria demorado muito mais tempo", explica. O Cemeai tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

De acordo com a pesquisadora, a análise pode ser usada para planejar a futura saída do distanciamento social - inclusive, com o chamado confinamento intermitente. Alguns municípios de São Paulo já fazem cálculos semelhantes. 

"É uma maneira de definir uma matriz de risco para o município a partir da situação do próprio município, a exemplo das condições das pessoas irem para o trabalho e a capacidade dos hospitais".