Duplo homicídio em Pau da Lima: ambulante foi salvo pelo próprio celular

Vítimas teriam sido mortas em represália a depredação de viatura da PM

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  • Bruno Wendel

Publicado em 6 de janeiro de 2021 às 05:45

- Atualizado há um ano

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(Foto: Arisson Marinho/CORREIO) O curativo ainda na perna esquerda protege o ferimento provocado pela bala que atingiu o ambulante Fernando dos Santos Silva, 45 anos. Sentado no sofá da sala de casa, onde passa maior parte do dia, o vendedor de milho disse que não sabe ao certo como foi atingido.

“Estava de costas quando ouvi os tiros e corri”, contou, fazendo referência ao último dia 28, em Pau da Lima, quando ele e outro ambulante ficaram feridos após uma dupla de motociclistas atirar contra dois rapazes, que morreram no local.  Segundo comerciantes da região, os atiradores seriam policiais militares que agiram em resposta ao ataque a pedradas a uma viatura da PM dois dias antes, na Vila Canária. Os rapazes que morreram tinham acabado de sair da 10ª Delegacia, para onde foram levados pela PM sob a acusação de envolvimento no ataque à viatura na noite do dia 26 de dezembro.

“O comentário é que estes jovens estavam lá (na delegacia) porque jogaram pedras nos vidros da viatura há pouco mais de dez dias”, disse o dono de uma lanchonete, que preferiu não revelar o nome.  No dia 26, uma guarnição da 47ª Companhia Independente da PM (CIPM/Pau da Lima) foi checar uma denúncia anônima e deixou o veículo estacionado na Rua Landulfo Barbosa. Quando retornou, encontrou a viatura com vidros quebrados e chaparia amassada. A depredação foi filmada e espalhada nas redes sociais pelos próprios criminosos. No dia seguinte, um deles foi preso em Castelo Branco. 

Os comerciantes ouvidos pelo CORREIO relataram ainda que, logo após deixarem a delegacia, os dois rapazes tentaram primeiro pegar um táxi para Castelo Branco. “O taxista recusou levá-los quando disseram o bairro para onde queriam ir. Ele cismou e inventou uma desculpa”, contou um deles. Diante da recusa, os rapazes foram para um ponto de mototáxi, mas, na hora, só havia um mototaxista. “Eles aguardavam chegar mais um mototaxista para os dois saírem juntos”, emendou a fonte.  Ambulante estava de costas quando ouviu os disparos (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Foi nessa hora que chegou a dupla de motociclistas, usando coletes a prova de balas. Eles estavam numa Twister preta sem placa. “O carona disse para eles: ‘Perdeu’, ‘perdeu’. E começou a atirar. Os caras da moto tinham pinta de polícia, eram fortes”, detalhou ainda a fonte.   Já o ambulante Fernando dos Santos Silva disse que, como estava de costas, não deu para ver os autores dos disparos. No entanto, questionado sobre o calibre da bala que o atingiu, ele relatou que foi de uma pistola ponto 40, arma comum usada pelos policiais da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP/BA). “Foi o que me disseram lá no hospital (HGE), que a bala era de uma ponto 40”, disse.   A Polícia Civil foi procurada para saber se os relatos dos comerciantes de Pau da Lima procedem, entre eles se as pessoas que morreram tinham sido levadas à delegacia sob suspeita de participação no ataque da viatura, e se é de conhecimento de que a bala que atingiu um dos ambulantes saiu de uma pistola ponto 40 - arma usada pela SSP.

Procurada, a SSP não se manifestou, uma vez que não cabe à pasta fazer o controle de compra de armas. O calibre, inclusive, é vendido para qualquer cidadão que tem porte de arma e não é de uso exclusivo da polícia.  Através da sua assessoria de comunicação, a PC informou que pediu informações na 2ª Delegacia de Homicídio (DH/Central) sobre o andamento das investigações e aguarda resposta. “Assim que elas chegarem, encaminharemos as respostas para os questionamentos que forem possíveis de responder, desde que não interfiram na apuração”, diz a nota. Já a Polícia Militar informou que apenas que “as investigações do caso estão sob responsabilidade da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP)”. E que "denúncias contra policiais militares podem ser feitas na Corregedoria Geral da PMBA, bem como registros podem ser realizados na Ouvidoria Geral através do 0800-2840011 ou pelo site ouvidoria.ba.gov.br de forma anônima. Todas as denúncias são devidamente apuradas e as providências legais pertinentes são adotadas.".Celular   Conhecido há mais de 20 anos em Pau da Lima, o “Rapaz do Milho”, como o ambulante Fernando é chamado pelos seus clientes, estava com o seu carrinho parado na Rua Doutor Arthur Gonzales, pouco depois 20h do último dia 28 de dezembro. Ele tinha acabado de despachar um cliente e preparava o milho de um outro quando ouviu os disparos.

“Estava de costas. Quando me virei, vi duas moças que tinham acabado de descer de um carro de aplicativo e que saíram gritando: é tiro, é tiro, corre que é tiro’. Nessa hora não pensei duas vezes e corri também”, contou Fernando.  A bala atingiu o celular e por isso passou perto da veia femoral (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Durante a correria, Fernando percebeu que havia sido baleado. “Minha perna começou a queimar, mas mesmo assim continuei correndo. Quando parei perto de uma casa, vi que a minha perna estava sangrando”, relatou. O ambulante foi levado para o Hospital Geral do Estado e descobriu que foi salvo pelo próprio celular.

“Por pouco eu não morri. A bala primeiro atingiu o celular que estava em meu bolso. A bala desviou o sentido com o impacto e passou perto da minha veia femoral. O médico disse que vivi de novo”, contou Fernando. A veia femoral é a segunda maior artéria do corpo humano (a primeira é a aorta), localizada ao longo da coxa, sendo o principal vaso sanguíneo a irrigar o membro inferior. Qualquer ferimento da femoral pode levar à morte em minutos.    Além de Fernando, um outro ambulante, Clodoaldo de Lima, que vende caldo de sururu, também foi baleado na perna. “O tiro atravessou o pneu de uma moto e atingiu ele. Graças a Deus, ele também já está em casa”, disse o vendedor de milho. Os dois se recuperam e deverão ser chamados para prestar depoimento à polícia.  A PC informou que os dois rapazes que morreram eram os alvos dos atiradores e que os ambulantes foram vítimas de balas perdidas. Ajuda  Encostado na frente de casa, o carrinho de vender milho está parado desde o dia que Fernando foi atingido. Ele mora numa casa de aluguel em Pau da Lima e, sem poder trabalhar, não tem como honrar com as suas dívidas. “Pago R$ 400 de aluguel, mas este mês só pude dar os R$ 200 que tinha”, lamentou.  Fernando ainda não sabe quanto tempo irá ficar sem trabalhar, pois o ferimento ainda está em processo de cicatrização. “Mas as contas não esperam. Peço a quem poder me ajudar, qualquer coisa, qualquer ajuda é bem-vinda”, declarou ele, que é a única fonte de renda da casa onde vive com a mulher, a filha e uma irmã.  “Sou um homem de bem, trabalhador. Pau da Lima inteira me conhece. Estou aqui há mais de 20 anos e estou nessa situação porque fui vítima de uma bala perdida. Atualmente só levanto daqui (sofá) para ir ao banheiro e dormir”, declarou ele, que necessita também de um par de muletas.  Quem quiser e puder ajudar, Fernando disponibiliza a Conta Poupança da Caixa Econômica Federal (Caixa) número 00035112-3, Agência 4112, Operação 13. A conta é da irmã dele, Rebeca.